Espaço Gourmet (Ciéte Silvério/ Especial para Metrópole)
Sabe aquele porco gordo, chafurdando na lama, fedido e que exigia muito limão, alho e devida coragem para ser consumido? Já era, senhores. Os porcos de hoje parecem bichinhos de estimação: são bonitinhos, limpinhos, criados com higiene de fazer inveja a qualquer um. Noventa por cento dos animais à venda no mercado têm ração controlada e não são mais, como antigamente, tratados com lavagem e restos de comida. Isso torna essa carne mais saudável (supera o boi e o frango nesse quesito) e faz dela a mais consumida no mundo, graças à China. Além disso, ela tem preços mais acessíveis do que os cortes bovinos e, bem-feita, é bastante saborosa. Quer mais? O triunvirato costela + lombo + bistequinha foi desbancado pelos novos cortes apresentados pelos frigoríficos e que caíram nas graças de uma renca de chefs. Os suínos domesticados chegaram ao Brasil no século 16. Tínhamos por aqui várias espécies selvagens, como catetos e queixadas. Entre os domesticados, os cachaços (machos capados) eram engordados até não poderem mais levantar de tanto peso. Deles aproveitava-se a banha, muito útil na culinária antes da proliferação do óleo vegetal – derretida, era usada para fritar, fazer arroz, feijão e o que mais fosse colocado no prato. Antes de a eletricidade chegar ao Interior do Brasil e depois da invenção da geladeira, era nessa gordura que eram mergulhadas as carnes que seriam consumidas mais tarde e por um longo tempo. E o porco se multiplicava nas mesas de gente simples, grã-finos e nos restaurantes. Com o tempo, as técnicas de preparo mudaram, ficaram mais apuradas, caso do choque térmico e do cozimento longo em baixa temperatura. Vários chefs resolveram resgatar a barriga de porco e o porco na lata em seus estabelecimentos, e não há medo em prová-los. Com baixo teor de colesterol, virou mania apreciá-los por aí. Então, hoje, vamos praticar a barriga de porco à pururuca. Pururucar é alterônimo da palavra pororoca (poro’roka). Não é bem aquela pororoca do Amazonas, das junções do rio com o mar, se bem que lembra isso também. A etimologia do vocábulo é um tanto confusa, mas há quem sugira que vem do tupi. Na língua indígena, pororoca é o ruído das águas, não o que sai do maior rio da Amazônia, mas o borbulho das águas de um rio, do rebojo dele junto às pedras. É, também em tupi, o barulho que sai do milho virando pipoca. Aí, sim, faz algum sentido relacioná-lo ao pururucar. Pururuca é coisa de comer, algo quebradiço, como couro torrado e torresmo seco. Várias vezes é apresentado nesse vasto mundo caipira como piririca, que lembra superfícies ásperas de uma lixa – piririca é áspero e significa encher alguma coisa com pequenas escamas e borbulhas. Dessa maneira, há um sentido de extensão do primitivo que se referia em certo aspecto às coisas ásperas e ao couro torrado. Então, vamos cozinhar?BARRIGA DE PORCO(para 8 pessoas)INGREDIENTES_1 barriga de porco pesando mais ou menos 3kg ou 3,5kg, carnuda, com pele e um pouco de gordura_2 linguiças calabresas ou portuguesas em tiras longas_1kg de copa de lombo picadinha em pedaços de 2x2cm_300g de bacon picado, de preferência em tiras_2 colheres (sopa) de sal grosso_150ml de azeite de oliva_1 belo e grande ramo de alecrim_1 cebola pequena ralada_½ maço de salsinha_3 dentes de alho amassadinhos_50ml de óleo de canola, milho ou soja_5 pimentões vermelhos_Pimenta-do-reino e um tico de pimenta-calabresa desidratadaVAMOS LÁPegue o alho, a cebola, a salsinha, o sal grosso, o alecrim e o azeite e bata no liquidificador por uns minutinhos. Acomode os cubos de copa de lombo em uma vasilha e passe neles metade do tempero. Reserve. Lave bem a barriga de porco e enxugue com papel toalha ou pano limpo (procure comprar uma peça retangular, sem muitas pontas). Passe o restante do tempero nela, massageando cuidadosamente. Corte as linguiças na longitudinal e recheie a barriga com elas, a copa e o bacon. Distribua por cima um tico de pimenta-do-reino e pimenta-calabresa, a gosto do freguês. Enrole cuidadosamente e, com um fio de barbante molhado em água (existem os próprios para cozimento, tipo de algodão), prenda a barriga formando um círculo (tipo rocambole), sem deixar os temperos do centro muito expostos, pois eles não podem escapar. Momentos antes, ligo o forno a 200ºC. Passo 50ml de óleo no couro, que deverá ficar para cima na assadeira ou no tabuleiro. Levo ao forno por 15 minutos a 200°C. Reduzo a temperatura para 120°C e deixo a barriga ali por cerca de quatro horas, para derreter e dar água na boca. O couro jamais deverá ser molhado novamente com óleo ou azeite – ele tem que ficar rijo para depois ser pururucado. Uma hora antes de desligar o forno, coloco os pimentões ao redor da carne para assarem. Pururuque a barriga (veja a seguir como fazer isso) e sirva com couve refogada, arroz branco, pimenta e o que mais quiser. VEJA SÓ: são várias as maneiras de pururucar a carne. Uma delas é a seguinte: leve uma panela ao fogo com 200ml de óleo. Assim que ele ferver, espere mais dez minutos. Retire a barriga do forno e coloque-a sobre uma grade ou peneira de aço (pode-se fazer na assadeira mesmo, mas assim irá desperdiçar bastante óleo). Pegue o óleo fervendo e despeje sobre a barriga, envolvendo-a totalmente. O óleo tem que estar fervendo mesmo, para o couro pururucar imediatamente. nE tem maisExistem formas mais interessantes de pururucar um leitão, pernil ou paleta. Há alguns pururucadores elétricos ou a gás, feitos de cerâmica e infravermelho. Também é possível pururucar com palha de milho ou com galhos de folhas da araucária, como fazem no Sul de Minas Gerais. Outra forma é passar rapidamente o porco na brasa, virando-o sempre para não queimar.