Jorge Alves de Lima debruçou-se sobre a vida de Carlos Gomes em Belém (Dominique Torquato)
ÁLVARO MILLER
Quem transita pelo bairro do Guanabara, com certeza, distintos leitores e leitoras do Correio Popular, já conheceu a rua Álvaro Miller que, a certa altura, cruza com a movimentada avenida Brasil. Mas, talvez não saiba quem foi o cidadão que lhe dá o nome.
Em 1890, veio para Campinas um jovem gaúcho que, nas coxilhas do Rio Grande do Sul, se havia consagrado como um valente guerreiro nas revoluções sulinas.
Alto e loiro, ele possuía uma vasta cultura e, em Campinas, foi professor do então Ginásio Culto à Ciência.
Destacava-se como orador eloquente e também, como advogado, jornalista e cronista do Diário de Campinas.
Seu amigo e parceiro era César Bierrembach que, juntos, cobraram virulentamente das autoridades e do povo de Campinas, até então omissas que, em 1896, se prestassem as maiores honras fúnebres ao maestro e compositor Carlos Gomes, falecido em Belém do Pará. Com essa atitude firme e destemida, eles salvaram a honra de Campinas.
Naquela quinta feira do dia 8 de outubro de 1891, Álvaro Miller, escreveu uma crônica publicada no Diário de Campinas sob o título:
UM SONHO
"Como era belo e delicioso aquele jardim!
Como mirava com entusiasmo tudo o que nele continha!
Mas, ao mesmo tempo, eu ficava triste e deprimido!
Lembrava-me da minha terna amada, daquele anjo divino que fazia as delícias do meu amor!
Sim, em todo lugar em que me achasse, a sua imagem bela e tentadora apresentava-se-me perante meu olhar embevecido.
Estava assim absorto naquele poético lugar, quando lindo e meigo beija flor começou a vibrar as asas ao redor de onde eu me achava. Não gorjeia, infelizmente, essa mimosa e pequena ave, mas, em compensação, tem a beleza de forma e da plumagem colorida. E por isso suas aéreas evoluções encantam e deliciam poeticamente a nossa vista atraída.
O garrido beija flor sobre os meus ombros pousava, mas repentinamente fugia!
Não sei o que ele sentia, mas quando não o via eu, imensa tristeza envolvia-me o ser, e tinha-lhe saudades então!
Foi também, em um jardim, que eu jurei ser escravo fiel de minha noiva, e de eternamente amá-la.
Foi em um jardim, que trocamos nosso primeiro beijo de amor!
Esta recordação é que me fazia o coração magoado; tinha dolorosa saudade daquele tempo de ilusão formosa!
Sim, realmente triste estava eu, e somente o beija flor alegrava-me, quando visitar-me vinha.
Fiquei pensativo por alguns momentos, quando, nas minhas faces, senti o sonoro estalar de um beijo!....
Petrificaram-me a alma e o corpo!
Era, entretanto, o beija flor, que, me vendo de olhos lacrimejantes pela tristeza, procurava comigo brincar.
Desviando, porém, o meu olhar umedecido para um outro lado, a ave divinal subitamente se transformara em linda mulher. Era a minha noiva bela, espalhando quase visão celeste!
Pálido fiquei, paralisado e, com dificuldade imensa, pude balbuciar apenas com a voz trêmula: Oh! Como te amo...ela sorriu docemente e voou pelos ares do firmamento em nuvens multicolores!
Tão sincero e puro era o amor, minha noiva querida, que em toda parte, mesmo nos sonhos, em pensamento vive".
Álvaro Miller era também um inspirado poeta. A título de exemplo, vamos ler, distintos leitores e leitoras do Correio Popular, este poema de sua autoria:
OS DOIS
"Iam os dois juntinhos caminhando
Por essa longa estrada pedregosa,
Ele já velho e ela, carregando
Oitenta anos de vida venturosa
Conversavam os dois. De quando em quando,
Demoravam o passo se enamorando
À dúbia luz da tarde silenciosa.
Felizes vós, felizes meus velhinhos,
Que fizestes da vida um paraíso
Um conchego cheio de carinhos.
Felizes vós, que achais ao fim da taça
A doçura suave de um sorriso
Em vez do fel amargo da desgraça."
Jorge Alves de Lima
Historiador, escritor, é Presidente da Academia Campinense de Letras.