COMPORTAMENTO

Tem de tudo, até livros

Megastores diversificam a oferta de produtos e serviços, investindo em estrutura e atividades culturais para cativar os clientes e estimular a formação de novos leitores

Érica Araium
erica.nogueira@rac.com.br
09/06/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 13:00

Se formos pensar em consumo estrito e tendências, talvez seja mais prático comprar o próximo título de cabeceira on-line e recebê-lo em casa. Convenhamos, porém, que é enriquecedor (para não dizer obrigatório) visitar uma livraria, em qualquer tempo e idade. Num tour despretensioso por uma megastore, é possível degustar as obras de afeição e conhecer novos autores, ouvir música, papear com escritores, assistir a peças teatrais, testar eletrônicos hi-tech e, de quebra, encontrar os amigos no café. Encerrado o passeio, levar meia dúzia de produtos para casa terá sido consequência.

A diversificação dos itens, os investimentos na estrutura e a personalização dos ambientes das lojas físicas têm surtido tanto efeito no Brasil que, anualmente, vê-se ampliar o número de unidades de redes como Livraria Cultura, Saraiva, Livraria da Vila e Fnac, todas presentes nos shopping centers de Campinas. Consequentemente, há reflexos no faturamento – 17% das livrarias nacionais já auferem algo em torno de R$ 7 e R$ 10 milhões ao ano, de acordo com pesquisa da consultoria GfK Brasil para a Associação Nacional de Livrarias (ANL).

Foto: Dominique Torquatto/AAN Cristina Mattiolli, pedagoga, na Livraria Cultura, loja com rico acervo, decoração caprichada e programação disputada

Curioso é que, nos Estados Unidos, esse movimento é inverso. O boom do comércio eletrônico – e também a redução do consumo desde a crise econômica de 2008 – tem obrigado muitas marcas a impulsionar a oferta de produtos digitais (e-books e afins) e, em alguns casos, a encerrar as atividades – no início do ano, por exemplo, a Borders fechou todas as suas lojas físicas. Mas, voltemos à realidade brasuca, onde a média anual de leitura per capita beira os quatro títulos e a preferência por obras impressas persiste... 

Se, ano passado, somente 22% das lojas dependia estritamente dos livros para sobreviver, segundo a GfK, que outros produtos cativam a clientela nesses locais, que têm se empenhado vigorosamente em contribuir para a formação de novos leitores ao ampliar sua oferta? Cultura e entretenimento (CDs, DVDs, eventos), conforto (espaços para leitura, cyber cafés, decoração caprichada), serviços (de fidelização e de conveniência, como venda de ingressos para espetáculos e encomenda e retirada de livros) e tecnologia (eletrônicos, livros digitais, games), tudo isso em acervos acessíveis, bem organizados e com colaboradores cultos e aptos a sanar dúvidas. 

Eles são o termômetro

“Creio que esses espaços se tornaram pontos de fuga dentro dos shopping centers, e ao mesmo tempo, de descoberta e de encontro para muita gente. Costumo percorrer todas as seções, sentar-me numa poltrona e ler à vontade o que quiser. Filhas e netas vêm comigo, às vezes. Acho fundamental, aliás, que as crianças sejam instigadas a conhecer obras e autores, a ouvir histórias e a cultivar o hábito de manusear os livros com cuidado”, avalia a pedagoga Cristina Mattiolli, habitué de megastores, numa pausa na cafeteria V.Café da Livraria Cultura do Shopping Iguatemi. “Encontro amigos e passo horas nessas 4 livrarias. Um ambiente aconchegante e bem planejado conta muito.”

Foto: Dominique Torquatto/AAN Reformada em 2007, a Saraiva foi a pioneira na adoção do conceito megastore: poltronas para folhear as obras, café e espaço para exposições

E como conta. “Um lugar onde não tenha como me acomodar não me atrai”, pondera o DJ, designer e produtor cultural Arthur Amaral. Pesquisador de novos sons e apaixonado por vinis, ele é um dos muitos clientes que se abstêm do bate perna consumista em prol do tempo livre para cultuar a arte. “Passo muito tempo nas sessões de discos e de livros de arte e design da Livraria Cultura. Curto olhar, ouvir, ler, sacar as novidades. Outras coisas legais são os pocket shows, as exposições e as palestras que as livrarias, de maneira geral, têm acolhido. Há abertura para os artistas locais. Os eventos da Fnac e do Espaço Carlos Gomes, na Saraiva do Iguatemi, são muito bons”, cita.

Se o entusiasmo à visita depender da ânsia por novidades tecnológicas como gadgets, TVs, equipamentos fotográficos e telefônicos, notebooks, consoles e games, a Fnac do Parque D. Pedro Shopping costuma ser apontada pelos clientes como primeira opção. Os “applemaníacos”, aliás, adoram a loja exclusiva que funciona logo na entrada da livraria. Há sempre uma leva de geeks atrás de acessórios e dicas. “O legal é que você pode conhecer os produtos, manuseá-los. Testo tudo, especialmente equipamentos de som, e aproveito para ver outras coisas sem pressa, porque gosto que os consultores me expliquem alguns detalhes”, observa o auxiliar administrativo Gustavo Cavalheiro.

Panorama

Dados do primeiro Painel de Livros GfK, estudo produzido pela consultoria GfK Brasil para a ANL em 2012, apontam: CDs e DVDs, artigos de papelaria, livros importados, presentes, suplementos de informática, áudio-livros e artigos religiosos são os itens mais vendidos nas livrarias do País. A tendência de oferecer um espaço de convivência atrativo aos consumidores se reforça com a maior presença de áreas para leitura, eventos e cyber cafés. Das 716 lojas brasileiras que participaram da pesquisa, 82% sinalizaram que pretendem fazer investimentos este ano, principalmente em reforma, tecnologia e capacitação de funcionários. Títulos infanto-juvenis, religiosos e de autoajuda figuram entre os mais procurados. O índice de e-commerce (venda via web), atualmente, é de 43%, e apenas 27% das livrarias comercializam conteúdo digital.

Foto: Dominique Torquatto/AAN Na Fnac, referência em tecnologia, é possível testar consoles e ver como funcionam as novidades mais recentes em eletrônicos

Experiência além da compra

Há consenso entre os frequentadores de que a intensa programação cultural das megalivrarias é fator de atração e retenção. Ainda mais numa cidade artisticamente efervescente como Campinas, mas carente de espaços públicos adequados – o teatro interno Luis Otávio Burnier, no Centro de Convivência Cultural Carlos Gomes, está fechado desde dezembro de 2011 por falta de condições estruturais e, somente em 2012, depois de cinco anos de breu, o Teatro Castro Mendes foi reaberto.

“Já na inauguração da unidade Galleria Shopping da Livraria da Vila, que agregou uma série de eventos, percebemos essa carência e notamos que seria importante manter uma agenda constante de atividades, mas sem perder nosso foco, que é a literatura. A proximidade do público com escritores e artistas propicia uma experiência diversa, que vai muito além da compra. A ideia é que o cliente se sinta à vontade para explorar o mix de produtos, tomar um café e participar da programação. Se não quiser fazer nada, tudo bem também”, afirma o coordenador de marketing da livraria, Rafael Seibel.

O auditório da loja, para 80 pessoas, já acolheu edições especiais do Café Filosófico CPFL, bate-papos, apresentações de stand up comedy e temporadas teatrais de curta duração. E, tal ocorre nas livrarias “concorrentes”, há um espaço lúdico dedicado ao público infanto-juvenil. “As crianças ganharam muito e, de quebra, os pais também. Há contação de histórias e poesia e elas sabem direitinho o que querem. Difícil para os adultos é resistir às tentações. Eu mesma vim buscar um livro e acabei me interessando por vários outros”, confessa a psicóloga Mônica Seba.

“Meus filhos também já fizeram das grandes livrarias daqui paradas obrigatórias, o que acho bastante saudável. A variedade de obras infanto-juvenis aumentou bastante”, diz o psicólogo Felipe Macedo, da cidade mineira Santa Rita do Sapucaí. “Toda vez que vou ao Aeroporto de Viracopos buscar alguém da minha família, reservo algumas horas para esse tipo de passeio”, conta.

Foto: Leandro Ferreira/AAN Espaço lúdico dedicado ao público infanto-juvenil na Livraria da Vila agrada à garotada e aos pais também

O que há e o que virá

LIVRARIA CULTURA

Shopping Iguatemi, 1o piso

Além do acervo de livros, CDs e DVDs distribuído em 2,7 mil metros quadrados, tem auditório para 105 pessoas e cafeteria (V.Café) com internet wi-fi. Ano passado, a marca firmou parceria com a Kobo, empresa canadense com plataforma de distribuição digital e device de leitura próprios – a degustação do gadget está à disposição dos clientes da loja do Iguatemi. Aos sábados e domingos, há contação de histórias aos pequeninos e, durante a semana, encontros com escritores, lançamentos e pocket shows. “Quando há personalidades da região como atrações, a tendência é o movimento aumentar bastante, por isso, tentamos atender a todos os perfis. Ao mesmo tempo, sentimos necessidade de apostar no caminho natural do entretenimento”, diz a gerente da loja, Camila Bernardes. Se tudo der certo, entre o final deste ano e início do próximo, a unidade contará com o Cultura em Curso, série de palestras livres e curtas com escritores e especialistas de diversas áreas, a preços acessíveis. “Começamos em março, na lojas de São Paulo, à exceção da unidade do Conjunto Nacional. A ideia é que Campinas seja a primeira cidade fora da Capital a acolher a proposta. Estamos selecionando os palestrantes, mas sabemos que gastronomia, trabalhos manuais e literatura infanto-juvenil interessam muito ao público campineiro”, informa o orientador pedagógico e curador do projeto Renato Costa da Silva.

LIVRARIA DA VILA

Galleria Shopping, expansão

Mimosa, a unidade que funciona no Galleria Shopping é a mais nova entre as megastores a se firmar em Campinas (a inauguração foi em novembro do ano passado) e opção bacana para servir de ponto de encontro – há lounge de leitura, auditório para eventos com 80 assentos, espaço infantil e café. Sofisticada, a decoração com mobiliário em madeira rústica e variações de tecidos, amplas janelas e portas pivotantes, segue o conceito das lojas mais contemporâneas da rede. “Cada unidade é única, há uma personalização. A matriz, uma loja de rua na Vila Madalena, em São Paulo, está quase há 30 anos no mesmo ponto e a arquitetura é toda daquela época. De 2007 para cá, com a inauguração da unidade da Alameda Lorena, também na Capital, firmamos uma longa parceria com o premiado arquiteto Isay Weinfeld”, destaca o coordenador de marketing da livraria, Rafael Seibel. No final do ano passado, a marca estabeleceu parceria com a Amazon para comercializar os leitores de e-books Kindle Paperwhite nas lojas físicas. A novidade tem agradado aos frequentadores.

FNAC

Parque D. Pedro Shopping,

Entrada das Águas 

Quem frequenta a unidade campineira da rede francesa desde a inauguração, em 2002, está habituado a se deparar com aparelhos ultramodernos, que podem ser testados à vontade, muitas vezes em primeira mão, como no caso dos equipamentos da Apple. Esse é um dos motes da marca fundada há 59 anos e que diversificou (e muito) seu mix de produtos e serviços. Ingressos para shows? Também dá para comprar na loja. Pensando em mimar ainda mais a clientela, workshops relacionados a tecnologia passarão a ser ofertados periodicamente, a partir deste mês. “Especialistas ensinarão a explorar os recursos do i-Pad, a conhecer melhor as máquinas fotográficas digitais e assim por diante”, ilustra a gerente de comunicação da Fnac Campinas, Mônica Nassim. “Nossos termômetros são nossos clientes. A partir das demandas que eles nos apresentam, criamos eventos exclusivos”, resume. Ainda este mês, o palco de eventos se abrirá a apresentações de bandas independentes da região. “Convidamos Elder Costa, Albano Sales e o grupo Sax Bem Temperado, que gravaram seus CDs pelo selo campineiro Kalamata, para lançarem seus discos e fazerem pocket shows. É uma maneira de o público reconhecer e valorizar seus artistas”, avalia a gerente. Em julho, será a vez de os quadrinhos terem destaque em oficinas e exposições.

LIVRARIA SARAIVA

Shopping Iguatemi, 2o piso

Fundada em 1914, a marca foi pioneira no conceito megastore, “um templo de cultura, consumo, entretenimento e lazer”, nas palavras do diretor presidente Marcílio Pousada. A primeira unidade de varejo afinada a essa tendência foi inaugurada em 1996, no Shopping Eldorado, em São Paulo. Dois anos depois, Campinas ganharia a segunda loja conceitual da rede, no segundo piso do Shopping Iguatemi. A unidade foi totalmente reformada em 2007 e é perenemente atualizada. Os 2,2 mil metros quadrados concentram mais de 2 milhões de itens, incluindo artigos de informática e eletrônicos, e há ainda o Espaço Carlos Gomes, que acolhe exposições de curta duração e eventos disputados. A programação cultural, bastante eclética, contempla atividades voltadas ao antenado público infanto-juvenil – em todas as tardes de sábado deste mês haverá atividades para a criançada. Estudantes e executivos costumam se acomodar nas poltronas junto à entrada da megastore para bebericar um café da parceira Starbucks, enquanto se lançam aos bytes e toques. Dá até para fechar negócios entre um gole de café e uma folheada de livro.

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