Agressões costumam ser praticadas por pessoas próximas às crianças, como foi, recentemente, em Monte Mor e Vinhedo; municípios sofreram com casos de violência que culminaram em duas mortes, uma de 12 e outra de oito anos de idade (Kamá Ribeiro)
A crueldade contra crianças e adolescentes na Região Metropolitana de Campinas (RMC) tem despertado a preocupação não apenas de parentes próximos das vítimas, mas também de vizinhos e conhecidos. Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania revelam que até o último dia 13 deste mês foi registrada uma média diária de 30,7 denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Esse número é 28,45% superior ao registrado à média do primeiro semestre do ano passado, quando foram contabilizadas 23,9 denúncias por dia. Em Vinhedo e Monte Mor, as duas cidades que foram palcos de tragédias nos últimos dias envolvendo morte de crianças por maus-tratos cometidos por familiares, contabilizaram, respectivamente, aumento de 68,42% e 108,69% em relação às denúncias diárias. Do total geral das denúncias na RMC, a maior parte envolve violência contra a integridade ou vida dos menores - entre 0 a 9 anos.
Para a advogada Larissa Almeida Rodrigues, presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Campinas, o aumento nos números de denúncias pode estar relacionado a uma conscientização maior da sociedade e da família. Segundo Larissa, os maus-tratos contra crianças e adolescentes sempre existiram, porém os casos não eram levados às autoridades competentes. “O que percebemos é que a rede de proteção, a qual fazem parte a escola, a família e até a própria sociedade, tem atuado mais. A maior atuação dessa parcela da rede de proteção vem das escolas”, avaliou a jurista.
As agressões, segundo a polícia, acontecem no seio familiar e são praticadas por pais, padrastos, madrastas e parentes próximos, como tios.
De acordo com a presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB, durante a pandemia a quantidade de agressões podem ter sido até maior que o registrado, já que no período as pessoas ficaram confinadas, as escolas fecharam e as vítimas deixaram de ter contato com o mundo externo. Essa situação possivelmente interferiu e impediu que pessoas pudessem verificar a existência de algumas agressões.
“As denúncias reduziram muito durante a pandemia. Depois dela, percebemos que as denúncias voltaram a acontecer em um número maior. Então, isso também foi um impacto. É um conjunto de coisas, de fatos, que colabora para que as denúncias tenham aumentado”, frisou Larissa.
No final de abril, o estudante Luiz Fellipe Darulis, de 12 anos, morreu após ser espancado pelo padrasto Cirilo Abe Barreto com um pedaço de madeira. O caso aconteceu em Monte Mor. O homem, que é um professor da rede estadual de ensino, disse à polícia que a atitude seria um corretivo após o menino agir com desrespeito.
A mãe da criança estava trabalhando quando o filho foi espancado. Ela já tinha sido notificada pela escola para levar o filho a um psicólogo. Em 2023, a escola constatou que a vítima sofria maus-tratos em casa e, além da mãe, também notificou o Conselho Tutelar local por e-mail. No entanto, segundo o delegado de Monte Mor, Fernando Bueno de Castro, em depoimento, uma das conselheiras disse que não havia encontrado a notificação.
Pelo painel de dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, Monte Mor registrou no ano passado uma denúncia a cada quatro dias. Neste ano, a média está em uma cada dois dias, com aumento de mais de 108%.
A 49 km de Monte Mor, em Vinhedo, o menino Gustavo Henrique Cardoso, de 8 anos, foi morto pelo pai e a madrasta após ser agredido. O crime aconteceu entre a noite do dia 5 e madrugada do dia 6 deste mês. A perícia constatou que ela sofria torturas. A crueldade teria sido motivada por ciúmes da madrasta, já que, de acordo com as informações, ela não gostava quando Gustavo tinha contato com o pai. A madrasta e o pai são usuários de drogas, estavam juntos a cerca de um ano e os dois agrediam a vítima.
O menino foi abandonado pela mãe quando bebê, já que ela estava depressiva na época e não tinha condições de criar o filho. Ele foi criado por tias paternas, mas passou a morar com o pai depois que o homem saiu da cadeia.
Além do casal e de Gustavo, ainda moravam na mesma casa o filho da mulher e a avó paterna do menino, que tem a saúde debilitada. Segundo vizinhos, a idosa também sofria maus-tratos. Na época, familiares do menino colocaram em xeque a atuação do Conselho Tutelar da cidade, alegando que o órgão teria sido acionado ao menos sete vezes e nada teria feito para evitar a morte de Gustavo. Representantes do órgão negaram negligência e afirmaram que o pai do menino foi visitado e notificado. O caso está em apuração no Ministério Público (MP).
De acordo com dados do Ministério, de janeiro até o último dia 13, foram feitas 86 denúncias de violência contra crianças e adolescentes em Vinhedo, média de 0,64 por dia. Isso significa 68% a mais que a média diária do primeiro semestre do ano passado, quando era de 0,38.
DENÚNCIAS
As denúncias de violência podem ser feitas por diversos canais: Ministério Público, por meio da Vara da Infância e Juventude, Segurança Pública (Guarda Municipal e polícias Civil e Militar), em escolas e demais instituições de ensino, nas unidades públicas e particulares da área da Saúde e Assistência Social. A população também pode fazer a denúncia aos órgãos competentes através do Disque-100.
Segundo Larissa, a Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB também pode receber a denúncia, mas ela é encaminhada para as autoridades competentes. O Conselho Tutelar é o órgão competente para acompanhar a vítima e a família e depois direcionar o caso para o MP.
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