FEBRE GLOBAL

Cada vez mais populares, armas com balas de gel dividem opiniões

Enquanto uns defendem que trata-se de apenas uma brincadeira inofensiva, outros alertam para o perigo de o objeto causar ferimentos graves e influenciar negativamente os jovens

Alenita Ramirez/alenita.ramirez@rac.com.br
17/11/2024 às 09:54.
Atualizado em 17/11/2024 às 09:54
Mesmo sendo um brinquedo, essas armas podem causar ferimentos e até cegar, caso a bala de gel atinja os olhos de uma pessoa; produto é destinado para maiores de 14 anos, ou seja, não é recomendado para crianças (Divulgação)

Mesmo sendo um brinquedo, essas armas podem causar ferimentos e até cegar, caso a bala de gel atinja os olhos de uma pessoa; produto é destinado para maiores de 14 anos, ou seja, não é recomendado para crianças (Divulgação)

Apesar do arrefecimento da "febre" que tomou conta de crianças, adolescentes e até adultos nas periferias de Campinas, as armas de plástico com balas feitas de gel ainda são usadas em brincadeiras de “guerras”. Na batalha imaginária, as regras são claras e alinhadas pelos líderes de cada equipe antes das partidas: não é permitido bater no “marcador”, como são chamados os equipamentos utilizados, de outro participante ou iniciar brigas. Se a munição acabar, basta levantar a mão para sair do jogo. A prática, que tem atraído adeptos em vários bairros, tem despertado a atenção das autoridades e divide opiniões entre os especialistas. 

Para alguns, trata-se apenas de um brinquedo, como os estilingues usados pela garotada dos anos 1970 e 1980 para brincar, mas para outros ela pode causar agressividade e dependência emocional, o que pode causar prejuízos aos envolvidos. As batalhas começaram na zona sul de São Paulo no segundo semestre deste ano. Depois passaram a ser estimuladas por influenciadores digitais, o que ajudou a proliferar o conhecimento sobre o objeto. 

“Um dia eu estava com cinco amigos em uma adega na região dos DIC´s e chegou um grupo com essas armas, dando tiro para todos os lugares. Aquilo me chamou a atenção e busquei informações. Eu e um amigo fomos a São Paulo e compramos 200 unidades. Vendemos tudo em dois dias”, relata o empresário Evandro Emerson Fernandes. Ele relembra que em setembro a arma era comercializada por até R$ 250, mas hoje o valor gira em torno de R$ 100. Na internet é possível achar o objeto até por um valor inferior a esse. “A gente marcava batalhas nas redes sociais, sempre à noite ou finais de semana, e tinha até caminhão para levar o pessoal. Montávamos vários grupos. Era muito bom. Dividíamos os times e um data tiro no outro. Como a bolinha é de gel, ela não machuca. Quando atinge o alvo, ela explode e sai um líquido que não mancha”, relata Fernandes, acrescentando que até leva o filho de 5 anos para participar das guerrinhas de bolinhas de gel. 

O fotojornalista Wagner Souza, mais conhecido como Barba Azul, foi um dos que aderiu à brincadeira. Comprou as armas em São Paulo, levou para a garotada da periferia e revendeu para outros comerciantes. “Nós fazíamos disputas na região do Florence e dos DIC's. Eu brinquei muito com elas. Quando eu era pequeno não existiam essas arminhas para brincar. Não vejo maldade, pois é explicado que é um brinquedo. A própria característica dela é de brinquedo”, defende. 

Mesmo sendo de brinquedo, elas podem causar ferimentos e até cegar caso a bala de gel atinja os olhos de uma pessoa. O produto é destinado a pessoas com mais de 14 anos, ou seja, não é recomendado o uso por crianças. 

“Há regras rígidas, tanto para a venda de arma de chumbinho, arma de pressão. Há toda uma normativa a ser seguida, tem toda uma fiscalização antes de você adquirir a própria arma. Mas para as armas de bolinha não. O indivíduo vai em qualquer loja, ele tem no mercado de brinquedo e acaba adquirindo. Porém, existem regras para a comercialização, tem que ser seguida as instruções das regras a serem tomadas durante a comercialização dela”, observa o consultor de segurança e diretor do Grupo Fox Quality, Ricardo Lopes. 

Outra grande polêmica no setor de segurança pública em volta dessas arminhas de gel é que elas simulam armas reais. De longe, a impressão é que se trata de uma arma real e não de brinquedo, apesar dos desenhos no objeto. “Como é que as forças de segurança identificam se arminha na cintura do indivíduo é de brinquedo ou é uma arma de verdade? Existe um risco enorme de confusão até pelas forças de segurança, que vão ser bem ativas em relação a isso”, opina Lopes. 

Quem brinca com as objetos admite que é preciso tomar cuidado, pois quem está de fora, geralmente, se confundido. Há casos em que brigas foram causas e até autoridades acionadas. “De fato, essas armas são um problema hoje para a questão de segurança pública. Já houve apreensões desse tipo de objeto. Tivemos casos em Fortaleza, provavelmente há no Rio de Janeiro também, no Estado de São Paulo. As equipes apreendem essas armas por perturbação, pois geram um desconforto muito grande para a população em geral”, explica o consultor de segurança. 

Especialista no atendimento a crianças há quase 30 anos, a psicanalista Adriana Ferreira conta que brinca com alguns pais dizendo que em breve será necessário um "desarmamento infantil". Muitos jovem usam este tipo de objeto para descarregar a raiva, frustrações, por exemplo quando precisa lidar com momentos difíceis. “A criança vai achar que, do mesmo jeito que ela destrói um brinquedo, ela pode destruir alguns dos seus sentimentos ou as pessoas que trazem um sentimento negativo.” 

Segundo a psicanalista, há relatos de pais que incentivam as brincadeiras com esse tipo de objeto ou mesmo outras com algum tipo de violência. Adriana ressalta que até famílias conservadoras usam esses brinquedos como mecanismo para descarregar o estresse, quando, na verdade, a consequência é um comportamento repetitivo, agressivo, que será levado para a vida adulta. 

A indução ao crime, de acordo com ela, depende de como a família vive. Para ela, em famílias que já possuem alguns comportamentos negativos que afetam as crianças, o uso desses objetos pode incentivar a adoção de práticas errôneas de uma forma discreta. “Se você já tem habilidade com isso na adolescência, para a vida adulta, que é a fase em que temos acesso a tudo, bebidas, drogas, e você já tem uma afinidade com a arma e isso é apresentado para você, o seu cérebro vai trazer as emoções boas dessas brincadeiras e vai te incentivar a querer aquilo. Então é muito perigoso. Eu uso metáforas nos atendimentos e sempre digo aos pais que não adianta mudar de escola, de coleguinha, desviar de caminho. É preciso ter atitude e não deixar a criança a ter acesso ao que não pode. As crianças dos tempos atuais não sabem o que é uma amarelinha, uma bolinha de gude, nada dessas coisas que foram da geração passada, dos nossos pais, avós. Existe uma coisa muito importante: criança tem que saber brincar”, conclui a psicanalista.

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