Deslizamento na região central de Nova Friburgo (Paulo Hebmüller/Jornal da USP)
O Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, e a Universidade de Heidelberg, na Alemanha, estão desenvolvendo um projeto conjunto que visa prevenir desastres naturais, com foco nas enchentes. Financiado pelas principais agências de fomento à pesquisa do país (Fapesp, CNPq e Capes), o projeto tem como objetivo construir ferramentas para melhorar a disponibilidade e a qualidade da informação destinada a monitorar e analisar riscos de inundação, apoiando a tomada de decisão na gestão desses riscos. O diferencial do projeto é a ideia de unir a perspectiva da ciência, da população e do governo, já que os dados coletados são provenientes de várias fontes, envolvendo cidadãos, pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, especialistas em gerenciamento de risco de inundação e representantes de agências governamentais.Entre as várias ferramentas que compõe o projeto está o Observatório Cidadão de Enchentes, uma plataforma colaborativa na web que pode ser usada por qualquer cidadão e da qual todos podem participar (disponível em www.agora.icmc.usp.br/enchente ). Por meio dessa plataforma, a população poderá relatar o nível da água no leito dos rios e a extensão de áreas alagadas. “A ideia é que os cidadãos comuns possam usar a internet ou aplicativos móveis para comunicar desastres a qualquer momento”, contou o professor do ICMC e coordenador do projeto, João Porto de Albuquerque. Segundo ele, há dois tipos de dados que são coletados da população: aqueles que vêm dos cidadãos comuns por meio do Observatório e os que são provenientes de voluntários previamente cadastrados. “Os voluntários pré-cadastrados, que podem ser voluntários da defesa civil, por exemplo, receberão um treinamento para atuar na obtenção de dados de qualidade para o combate às enchentes, levantando informações sobre o nível atual de rios, áreas alagadas, pontos de bloqueio de tráfego, vítimas e infraestrutura destruída”, explicou.De acordo com Albuquerque, a diferença maior entre os dois grupos é a credibilidade da informação. No caso dos cidadãos comuns, os dados devem ser checados e, no segundo caso, há um treinamento para que sejam obtidas informações de qualidade. Para compreender melhor o escopo do projeto, vale analisar seu nome completo em inglês “A Geospatial Open collaboRative Architecture for Building Resilience against Disasters and Extreme Events”. Ao realizar uma abreviação do nome em inglês, fazendo um jogo de palavras com suas letras iniciais, chega-se à ÁGORA, o título mais usado pelos pesquisadores ao se referirem ao projeto. É dos gregos, portanto, que vem essa palavra e também a inspiração para a criação do projeto, afinal, a “ágora” era o lugar para os cidadãos das antigas cidades gregas dedicarem-se às discussões políticas e também um centro para o desenvolvimento esportivo, artístico e espiritual. A ágora de Atenas, por exemplo, é considerada o berço da democracia.Os pesquisadores envolvidos no projeto destacam que o ÁGORA não irá apenas prover informações para a tomada de decisões dos governantes em situações de risco, mas também vai agregar valor aos dados obtidos, que passarão a ser disponibilizados de forma padronizada e aberta a todos os interessados.Mapas colaborativosAtualmente, Albuquerque desenvolve pós-doutorado na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, com bolsa do Programa Ciência sem Fronteiras. Ele está trabalhando especificamente na construção de uma plataforma de mapas colaborativos, a partir do software livre OpenStreetMap, para identificar elementos críticos em ameaça, como em hospitais, escolas, distribuidores da rede elétrica, etc. Essa plataforma será destinada ao uso dos voluntários que receberão treinamento específico. “Quando identificamos que uma área está ameaçada de ser alagada, é importante verificar, para o combate às enchentes, se existem elementos críticos que estão ameaçados no local. É aí que entra o nosso método, pois possibilitamos às autoridades competentes a visualização do impacto que uma enchente pode causar, por exemplo, atingindo escolas ou hospitais que precisam ser evacuados. Então, é possível realizar ações de proteção adequadas para salvar vidas e evitar prejuízos”, salientou.O ÁGORA também capta os dados dos sensores para enchentes, tecnologia desenvolvida no ICMC pelo professor Jó Ueyama. Tratam-se de equipamentos destinados a detectar enchentes em rios e córregos de São Carlos por meio de uma rede de sensores sem fio. “Os nossos sensores coletam dados sobre o nível do rio e a quantidade de chuva. Essas informações são repassadas para o banco de dados do ÁGORA”, acrescentou Ueyama.A parceria com Heidelberg começou com uma visita técnica que Albuquerque fez à Universidade de Heidelberg, em junho de 2011, ao grupo do professor alemão Alexander Zipf, seguida de uma estada de três meses no país com financiamento da Fundação Alexander von Humboldt. Desde então, Zipf passou a ser o coordenador do ÁGORA na Alemanha. Em 2013, Albuquerque recebeu bolsa de estágio para o exterior da Fapesp, válida até janeiro deste ano. Recentemente, o professor obteve outra bolsa, desta vez para atuar como professor visitante até 2017 no Instituto de Geografia da Universidade de Heidelberg, com recurso da própria universidade por meio da Deutsche Forschungsgemeinschaft.Albuquerque destaca também a contribuição do ÁGORA para o projeto temático da FAPESP “Assessment of Impacts and Vulnerability to Climate Change in Brazil and Strategies for Adaptation Options” (IVA), estreita colaboração estabelecida com o grupo do professor Eduardo Mario Mendiondo, do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos (DHS/EESC).Atualmente, trabalham no ÁGORA, também, estudantes de graduação e pós-graduação alemães e brasileiros: Benjamin Herfort e Svend-Jonas Schelhorn são da Universidade de Heidelberg; Caio Correia, Flávio Horita, Lívia Degrossi, Luiz Fernando de Assis, Raniéri Moreira e Raul Castanhari são do ICMC. Assis está, no momento, na Alemanha, com Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior da FAPESP. Já o doutorando Horita está construindo um sistema de apoio à decisão para monitoramento on-line dos sensores, enquanto a doutoranda Degrossi trabalha diretamente com o Observatório Cidadão de Enchentes; Castanhari desenvolve uma arquitetura de software para gerenciar as informações do projeto e o mestrando Moreira iniciou recentemente trabalho com aplicativos móveis para que a população possa fornecer dados via celular. Correia possui bolsa de iniciação científica e assessora todos os demais participantes dessa grande ágora.