(Helio Montferre/IPEA/Agência Brasil)
O IPEA lançou um estudo sobre os resultados do Censo 2022, discutindo o fenômeno da interiorização, ou seja, um movimento demográfico no sentido do interior, saindo dos grandes centros em direção para as cidades menores. Os pesquisadores do instituto destacam que uma transição demográfica desse tipo representa um desafio para a agenda federativa, exigindo a formulação de políticas diferenciadas.
Postura
Ao analisar um estudo ou pesquisa científica, é sempre conveniente refletir criticamente sobre as hipóteses realizadas, o tipo de análise de dados que foi empregado, quais os resultados e quais as conclusões elaboradas a partir desses resultados. Ao adotar essa postura, estamos questionando a abordagem dos pesquisadores e a validade de suas conclusões.
a frase
“Não podemos nos tornar o que precisamos ser permanecendo o que somos.”
Max de Pree, empresário norte-americano
Estudo
Os pesquisadores do IPEA responsáveis por este estudo analisaram os dados do Censo 2022 e verificaram que dos 548 municípios que estão crescendo com taxas acima de 1,5% ao ano, a maioria deles (58,8%) possui menos de 30 mil habitantes. Segundo os autores do estudo, esse fato é a comprovação de uma "plena transformação demográfica, com um movimento significativo de interiorização da população".
Tamanho
Nada contra os pesquisadores e muito menos contra o instituto em si, mas a reflexão sobre a validade das alegações é apropriada (como dito acima, é uma postura sempre recomendada). O primeiro ponto a considerar é o tamanho do grupo para definir uma "transformação demográfica". O Brasil tem 5.570 cidades. Será que o que acontece em 548 municípios é o suficiente para definir uma plena transformação demográfica?
Maioria
Além disso, não se trata do que aconteceu em todos os 548 municípios. Esse é apenas o grupo de cidades que cresceu mais do que 1,5% ao ano na média entre os últimos dois censos (entre 2010 e 2022). Desse grupo, 322 cidades (58,8% desta amostra) são as que tem menos de 30 mil habitantes. Isso nos leva a uma outra questão relevante: será que 58,8% é o suficiente para definir estatisticamente uma maioria?
Maioria 2
Em um grupo de 20 pessoas, 11 são suficientes para definir uma maioria. Essa é uma maioria matemática, absoluta. Em contrapartida existe o conceito de maioria estatística. Se lançarmos 20 vezes uma mesma moeda e obtivermos 11 caras, isso não representa uma maioria estatística. Ou seja, que o lançamento dessa moeda sempre tende a resultar em mais caras do que coroas. A diferença obtida não é significativa do ponto de vista estatístico.
Fatores
No caso da moeda, isso acontece porque existe um fator aleatório envolvido no lançamento. No caso do estudo do IPEA, existem diferentes fatores envolvidos no crescimento das cidades, tais como sua localização e seu tamanho. A maioria das cidades pequenas que cresceram mais do que 1,5% ao ano estão nas regiões Norte e Centro-Oeste e foram favorecidas pela expansão da atividade agropecuária dessas áreas.
Efeito ou Causa
A população brasileira teve crescimento médio de 0,52% ao ano entre os censos de 2010 e 2022. O grupo de cidades com crescimento maior do que 1,5% é a exceção e o tamanho das cidade facilita o feito de atingir essas altas taxas. Afinal de contas, que cidade pode crescer com mais facilidade, uma cidade grande ou uma cidade pequena? Para uma cidade com 30 mil habitantes crescer 1,5%, basta que ela ganhe 450 habitantes em 1 ano.
Efeito ou Causa
Para São Paulo, com 11,4 milhões de habitantes, conseguir crescer a 1,5%, ela teria que absorver 171.000 novos habitantes em um ano. Não à toa, a maior parte das cidades com crescimento populacional extraordinário estão nas regiões Norte e Centro-Oeste, que são as duas regiões menos populosas do Brasil. Feitas todas essas ressalvas, o Brasil se beneficiaria sim de políticas mais locais e diferenciadas, e menos federalizadas. Seja nas cidades grandes ou pequenas.