Vivemos em meio ao avanço científico, à evolução da medicina, ao acesso a tratamentos médicos e ao surgimento de novas medicações. Nada disso, porém, faz com que o costume de se benzer fique no passado. O hábito de ir até uma benzedeira para, por meio de uma oração repleta de fé e muitas vezes acompanhada de objetos ritualísticos como terços, copos de água e galhos de ervas, é mantido por muita gente em pleno século 21.
Quebranto, mau-olhado, cobreiro, erisipela e bucho virado são alguns dos “males” que levam adultos e crianças até alguém que tem o dom de benzer e, assim, mantêm viva a tradição popular da oração que leva à cura e ao alívio das dores da alma e do corpo. Geralmente, são homens e mulheres comuns, mais velhos, que abrem as portas de suas casas para quem aparece pedindo atendimento e, mesmo sem conhecer, concentram-se apenas em fazer o bem, colocando em prática um dom recebido.
Em menores proporções do que existia no passado e sem misturar a prática com religião, alguns benzedores mostram até mesmo aos céticos que, com as rezas, as boas energias e a fé podem levar a um caminho mais tranquilo e até a cura de algum mal. Além dos benzedores tradicionais, que só benzem pessoalmente, existem na cidade os que são procurados por telefone. Basta ligar, dar o nome de quem precisa da oração, principalmente se for criança, e aguardar com fé. Muitos adeptos garantem que funciona.
Foto: Carlos Souza Ramos/AAN As primas Camila Catacci Braga e Patrícia Fontainha, com os filhos Davi e Laura: mantendo uma tradição familiar, sempre que precisam, recorrem à ajuda de dona Irandi
Fazer o bem sem olhar a quem
No Bosque das Palmeiras, Irandi Teixeira Andrade é um exemplo de quem leva a sério a prática do benzimento, tendo várias vezes deixado de lado o prato que acabara de fazer para almoçar para atender a alguma mãe que chega com o filho chorando ou doente. Conhecida como dona Irandi, ela evita usar o termo “benzer”. “Eu faço uma oração”, diz.
Há 26 anos, ela recebeu o dom de sua mãe, que no leito de morte, disse para a filha dar continuidade à tradição. Mas dona Irandi não colocou em prática imediatamente. Foi apenas um tempo depois, quando estava internada devido a uma cólica na vesícula, que ela sonhou com a mãe cobrindo-a e, quando se curou, começou a “rezar” para as pessoas que a procuravam. “Acredito que é um dom. Já vi muitas crianças e adultos curados. Tinha até um pediatra que trazia a filha dele aqui”, afirma ela, que é católica e devota de Nossa Senhora Imaculada Conceição. “Me procuram muito para fazer oração para as crianças, mas são os adultos que mais precisam, pois estão mais expostos às energias negativas”, diz.
As primas Patrícia Fontainha e Camila Catacci Braga fazem questão de manter viva a tradição que vem dos antepassados e sempre que sentem que algo incomoda os filhos, os levam até a dona Irandi. “O hábito foi passando de geração em geração e nós confiamos muito nela”, comenta Patrícia. “O poder do benzimento está na cabeça de cada pessoa. Se não faz nada, também não faz mal”, defende. Para Camila, é muito grande a força da oração da benzedeira amiga da família. Quando mudou de casa, foi buscá-la e pediu que ela abençoasse sua nova morada, assim como já pode contar com ela certa vez que seu filho estava inquieto, chorando muito e dormindo mal. “Na volta para casa ele já estava mais tranquilo”, revela.
Foto: Edu Fortes/AAN A engenheira civil Vanessa Prendin e filha Maria Eduarda: fé no ritual começou com o avô paterno, que era benzedor
Um dom divino
A engenheira civil Vanessa Prendin tinha na família um benzedor, o avô paterno. “Ele benzia sapinho, mas minha mãe conta que curou até uma hérnia que meu irmão teve e que, por isso, não precisou fazer cirurgia”, recorda. Devido à familiaridade com o rito, ela sempre buscou o benzimento em situações difíceis. “Quando criança, uma benzedeira me auxiliou a deixar de lado a insegurança que me acompanhou até a quinta série por estar longe dos meus pais na escola e, mais tarde, também foi uma ajuda importante para superar a depressão que se instalou com a separação dos meus pais”, revela.
Desde o nascimento de Maria Eduarda, há um ano e meio, ela faz com que o hábito familiar prossiga, levando a filha para benzer quando algo não vai bem. Quando a menina está assustada ou muito chorona, ela já sabe o que fazer. Certa vez, quando a pequena teve “bucho virado” (um mal que “faz a criança cair com frequência, afeta o intestino e deixa as pernas desalinhadas, uma maior que a outra”), ela recorreu ao benzimento e atesta que funcionou. “O rito purifica a criança e é um dom de Deus”, acredita. Quando não consegue ir até a benzedeira, sua escolha é ir até a igreja e pedir ajuda a Deus.
Foto: Élcio Alves/AAN Irandi Teixeira Andrade, benzedeira do Bosque das Palmeiras: Me procuram muito para fazer oração para as crianças, mas são os adultos que mais precisam, pois estão mais expostos às energias negativas
A cura pela fé
No bairro Parque Imperador, seu Santana, como é conhecido Tele de Santana, atende diariamente pessoas que o procuram para uma bênção, sobretudo crianças com quebranto e bronquite, e adultos que pedem cura a males e ajuda para superar problemas pessoais, como desentendimento em família. Nesses casos, além da oração que faz segurando terços, ele conversa e dá conselhos. Num cômodo anexo à casa, recebe um a um, por horas a fio, “socorrendo” a todos que chegam e vão se posicionando em fila. “Estou me doando, mas não fico cansado. Atendo pessoas de toda a região”, orgulha-se. “O que me entristece é quem mora perto e não me conhece achar que faço algum tipo de trabalho. Aqui não tem nada disso”, diz.
Do lado de fora, não é difícil ouvir de quem é assíduo sobre a idoneidade e a bondade de seu Santana. Ele percebeu o dom para o benzimento aos 17 anos. “Depois de três viagens para o outro plano, como se eu saísse do meu corpo, comecei a benzer”, revela. Desde então, muitas histórias de ajuda ao próximo se acumulam na vida do funileiro de 69 anos, que defende que, do mal mais corriqueiro até um caso de câncer, o que cura é a fé.
Procurada por famosos
Sentada em uma cadeira de plástico na ampla sala de sua casa, também no Parque Imperador, Onofra Gabriela de Deus, conhecida como dona Benta, recebe pessoas pedindo suas orações às segundas, quartas, sextas e aos sábados. Para atender a todos, ela conta com a ajuda da filha Gorete e da ex-nora Sandra. “Não tem o Pai, o Filho e o Espírito Santo?”, diz, referindo-se à Santíssima Trindade.
Rodeado por quadros e porta-retratos de famosos que estiveram ali, como o ex-presidente Lula, o prefeito de Campinas, Jonas Donizetti, e a atleta Fabiana Murer, ela segura as mãos do solicitante e ora em voz alta, acompanhada pela filha que fica em pé ao lado. Quando sente que tem algo errado, seu tom de voz se eleva. “Já chegamos a atender 104 pessoas por dia, mas hoje a média.