Com a retomada do aumento de casos em Manaus, idosos chegaram a dividir quarto com um cadáver em hospital (Reprodução/Redes Sociais)
Com a nova explosão de casos de Covid no Amazonas, o estoque de oxigênio acabou ontem em vários hospitais de Manaus, levando pacientes internados à morte por asfixia, segundo relatos de médicos da capital amazonense. O governo federal anunciou que transferirá pacientes para outros Estados.
O Hospital Universitário Getúlio Vargas, ligado à Universidade Federal do Amazonas, ficou quatro horas sem o insumo na manhã de ontem, o que gerou desespero entre os profissionais, segundo relatou uma médica da unidade, que não quis se identificar.
"Colegas perderam pacientes na UTI devido à falta de oxigênio. Eles tentaram ambuzar (ventilar manualmente), mas foi só para tentar até o último recurso mesmo, porque é inviável manter isso por muito tempo. Cansa muito, tem que revezar os profissionais. Chamaram residentes para ajudar na ventilação manual. A vontade que dá é de chorar o tempo inteiro. Você vê o paciente morrendo na sua frente e não pode fazer nada. É como se ver numa guerra e não ter armas para lutar", disse a médica.
A situação é crítica e centenas de pessoas internadas correm risco de morrer. "O Getúlio Vargas está sem oxigênio e todos os pacientes estão sendo ambuzados (ventilação manual). Se alguém puder ajudar a fazer o revezamento para ambuzar no CTI no 5º andar, por favor, estamos necessitando", afirma um médico, em alerta nas redes sociais e confirmado por profissionais do hospital.
Ambuzar é a expressão usada para a oxigenação mecânica em que um profissional precisa ficar bombeando o balão de oxigênio com as mãos, o que é exaustivo e requer revezamento constante.
Segundo a médica ouvida pela reportagem, o Getúlio Vargas recebeu, por volta das 12 horas, alguns cilindros de oxigênio, mas a estimativa era a de que eles seriam suficientes para só duas horas.
Outros profissionais de saúde ressaltam que a maioria dos hospitais sofre o mesmo problema. Há registro de falta do insumo nos hospitais Fundação de Medicina Tropical e nos serviços de pronto-atendimento de Manaus.
O procurador de Justiça Públio Caio Dessa Cyrino, que tinha um filho internado no Hospital Fundação de Medicina Tropical, disse que pela manhã não havia oxigênio para nenhum dos pacientes. "Minha nora me ligou às 5h, quando ela foi lá visitá-lo, avisando que tinha acabado. Ele estava no terceiro dia de UTI e evoluindo bem. Por sorte eu tinha uma 'bala' de oxigênio em casa e corri para o hospital para levar para ele. Quando cheguei com a bala na mão, vi o olhar de desespero dos médicos, servidores. Eles estavam em choque, sem poder fazer nada."
Cyrino conta que o filho, de 36 anos, começou a se sentir mal há quase duas semanas, mas logo no início não achou vaga em hospital e ficou em home care, por isso ele tinha oxigênio. "Isso aqui é uma praça de guerra. E esse governo irresponsável não se planejou para a guerra, apesar de saber que ela iria ocorrer", disse. Ele conseguiu contratar uma UTI aérea e ia transferir o filho para São Paulo na tarde de ontem. "Eu consegui, mas quantas centenas não têm como fazer isso e podem morrer hoje?"
Mesmo as unidades que ainda não chegaram ao fim do estoque têm insumo escasso, como é o caso do Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto. Médico de urgência e emergência na unidade, Diemerson Silva diz que a demanda por oxigênio se intensificou com o aumento de internações pela Covid-19 nos últimos sete dias.
"O hospital é abastecido de forma diária, de acordo com a necessidade, mas na última semana houve mais casos e, assim, tivemos que fazer o uso racional do oxigênio", explica. "Há aumento de consumo e, infelizmente, diminuição da oferta."
Silva conta que o hospital teve ontem ao menos 100 pacientes, entre enfermaria e unidade de tratamento intensivo, com necessidade de oxigenação. "No momento, não temos pacientes sem oxigênio, mas temos uma oferta que não vai suprir todos. Chegam muitos pacientes a cada hora e não sabemos até quando vamos conseguir ofertar para essa quantidade de pessoas." Segundo ele, o hospital aguarda o suprimento vindo de outros Estados.
Segundo Marcellus Campêllo, secretário Estadual da Saúde do Amazonas, empresas fornecedoras de oxigênio entraram em colapso por não conseguir atender à demanda, que dobrou em relação ao primeiro pico da pandemia, em abril e maio.
"No 1º pico, o consumo máximo foi de 30 mil metros cúbicos de oxigênio e, neste momento, estamos com consumo acima de 70 mil cúbicos de oxigênio. O número mais que dobrou em relação ao pico de 2020. Ontem à noite, fomos informados do colapso do plano logístico em relação a algumas entregas que estariam abastecendo a cidade de Manaus, o que causará interrupção da programação por algumas horas", disse.
Com o colapso da rede de atendimento, o Amazonas deve transferir pacientes a outros Estados. A ideia é que ao menos 750 pessoas recebam tratamento em outras cidades. O governador Wilson Lima (PSC) afirmou que o Amazonas vive "o momento mais crítico da pandemia, algo sem precedente". Em 2020, as redes de saúde e funerária do Estado já colapsaram.
O governo federal irá apoiar a transferência dos pacientes, em aviões militares. A ideia é transferir pacientes com quadros "moderados", que exigem uso de oxigênio, mas têm ainda condições de serem transportados.
O vice-presidente Hamilton Mourão informou ontem que aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) transportarão a Manaus mais de oito toneladas de material hospitalar, entre camas, cilindros de oxigênio, macas e barracas.
Brasil pede aviões dos EUA para transportar oxigênio
Aviões da Força Aérea dos Estados Unidos poderão auxiliar no transporte de cilindros de oxigênio no Amazonas, onde houve uma explosão de casos de Covid-19. Segundo o deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), o governo brasileiro pediu à Embaixada dos Estados Unidos que disponibilize as aeronaves.
"Tem lugar que tem oxigênio, mas não tem uma aeronave que transporte oxigênio em cilindro. O único que tem capacidade para transportar os cilindros entrou em pane e está em manutenção", disse Ramos. "Já falei hoje (ontem) com o ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e estamos tentando, junto à Embaixada, a liberação de um avião da Força Aérea norte-americana, um Galaxy, para levar o oxigênio", afirmou.
Procurada, a Embaixada dos EUA disse, por meio de sua assessoria, que está ciente do pedido e que está em contato com as autoridades brasileiras para tratar do assunto.