Matias, de 5 anos, junto com os país, Bianca e Michel Lazinho: brincadeiras criativas e estimulantes (Leandro Torres)
É no quintal da chácara onde mora que Matias, 5 anos, passa a maior parte do tempo quanto não está na escola. Por lá, tem a oportunidade de subir em árvores, jogar bolinha de gude, correr pelo gramado atrás das galinhas, dos quatro gatos e do cachorro, além de tomar banho de mangueira. Nessas atividades divertidas vai se beneficiando com a luz solar e não perde a oportunidade de pular nas poças formadas em dias de chuva. Questionado sobre o que mais gosta de fazer nas férias, Matias responde que sua diversão preferida é brincar no quintal e vai logo subindo em sua árvore favorita que, com dois pedaços de madeira, se transformou numa casinha na árvore. A cena descrita acima até poderia fazer parte da série O Começo da Vida, dirigida por Estela Renner, disponível na Netflix, que retrata de forma poética os cuidados que se deve ter com uma criança na primeira infância. Além disso, a série valoriza a importância do brincar na primeira infância. O fato é que a pedagoga Bianca e o fotógrafo Michel Lazinho optaram morar numa chácara quando se casaram – ela vivia em um apartamento e Michel cresceu em outra chácara -, pois queriam que o filho pudesse aproveitar os benefícios da natureza, no meio de árvores, flores, animais, das brincadeiras que não necessariamente precisam ter pilhas e controles remotos. “Queríamos que ele desenvolvesse um olhar amoroso pelas coisas mais simples da vida e acredito que estamos conseguindo”, comemora Bianca. A pedagoga tinha a certeza que o contato com a natureza ajudaria a estimular também a criatividade e a imaginação do filho. “Nas mãos do Matias, um cabide vira um arco e flecha, um galho se transforma numa espada, as folhas que caem no chão viram gotas de chuva, as frutas do quintal, como a pitanga, a cereja e a jabuticaba fazem parte do piquenique com os amigos e primos”, conta. A mais recente novidade da família é um carrinho de rolimã que o Michel construiu com a ajuda do Matias. “No final de semana, aproveitamos para brincar bastante com ele, já que passamos o dia todo no trabalho e ele na escola. Acredito que o que temos de mais precioso para oferecer a ele é nosso tempo e disponibilidade para estarmos juntos de verdade, brincando, se divertindo”, conta Michel. Para Bianca, esses momentos ajudam a unir ainda mais a família, além de desenvolver as potencialidades do filho. “É brincando que ele experimenta o mundo, trabalha suas relações sociais. Por meio das brincadeiras, Matias é estimulado a encontrar estratégias para atingir um objetivo e assim desenvolve suas habilidades. Acreditamos que essa experiência vai ajudá-lo a ser um adulto mais confiante e feliz”, diz a mãe e pedagoga. Infância democrática O líder Nelson Mandela já alertava que o verdadeiro caráter de uma sociedade é revelado pela forma como ela trata as suas crianças. Por isso, valorizar a infância e o livre brincar é essencial para construir um mundo mais justo e equilibrado. “E é por meio do brincar que uma criança passa a entender do que ela gosta, como percebe o outro, o mundo e a si mesma. O brincar por si só já valoriza a primeira infância, estimulando o desenvolvimento social, emocional e cognitivo”, diz Patrícia Bigmard Torres, diretora pedagógica do Instituto Dona Carminha, que atende crianças de 0 a 5. “Algo que me encanta nas brincadeiras é o quanto é democrática, não discrimina ninguém e tem o poder de envolver todo mundo. Brincar vai além de qualquer condição financeira, basta ter criatividade e muita vontade de entrar no mundo da fantasia da criança”, diz Bianca. Aos dois anos, a pequena Helena, que mora num prédio, adora passear nos parques, pracinhas e bosques com os pais Regina e Jefferson Riviera, mas quem pensa que ela fica só nos brinquedos tradicionais, se engana. “Ela gosta de subir em árvores, seguir o caminho das formigas, brincar de fazer bolinhos de areia e está sempre tentando vencer desafios e obstáculos”, conta Regina. O casal, que trabalha com aluguel de brinquedos infantis, procura estimular bastante a filha nas brincadeiras. “Sei que faz parte do crescimento dela levar uns tombinhos de vez em quando, ralar o joelho. Tentamos proteger dos perigos, mas sem deixar que ela cresça e aprenda com os desafios”, diz Regina. De tanto Carolina Zanola e Silva, 3 anos, brincar com as panelas da mãe e da avó pela casa, a menina acabou ganhando uma cozinha de brinquedo para preparar bolos, doces e sopas imaginárias para toda a família. “É muito engraçado ver as combinações de comida que ela faz, do tipo sopa de morangos (sua fruta preferida) e macarrão de melancia”, lembra a assistente administrativa Priscila Zanola. Priscila, que também é mãe de Yago, de 15 anos, dedica parte da noite, após chegar do trabalho, para brincar com a filha. Carol frequenta a creche Irmã Maria Angela. “Ela está na fase de brincar que é minha mãe e eu sou a filhinha dela. Durante essa brincadeira, percebo quais são os valores que estou passando para ela, onde acerto ou erro, pois ela repete muito da minha fala”, diz a mãe. Asas à imaginação O psicanalista português Eduardo Sá afirma no livro O Ministério das Crianças Adverte: Brincar Faz Bem à Saúde que crianças que não brincam podem se tornar homens e mulheres que não se arriscam e não lutam por um sonho. Mariana Herrera, psicopedagoga e proprietária da escola Quintal das Borboletas, especializada em pedagogia Waldorf, também acredita na importância do brincar na vida dos pequenos. “O brincar oferece as crianças um baú de vivências que se tornam um aprendizado vivo que será levado para o resto da vida. Quando, por exemplo, estão no parque brincando com terra seca ou terra molhada já estão se preparando para conhecer os diferentes tipos de solos”, destaca. Na escola que recebe crianças até 5 anos, o livre brincar faz parte da rotina, seja no parque, na horta quando se encantam com minhocas, quando plantam uma sementinha e acompanham até florescer, quando sobem em árvores, soltam pipa. Ela conta que já recebeu uma criança, bem pequena, que ficava parada olhando para uma parede por um bom tempo. Questionada porque olhava para a parede ela disse que estava brincando de assistir televisão. “Crianças costumam imitar o que os adultos fazem, repetem as experiências, então é fundamental estar atento ao que estamos ofertando a elas”, conta. Tecnologia sim, mas com limites Mas será que estamos conseguindo dar o devido valor do brincar para as crianças? O médico pediatra Daniel Becker alerta para o uso excessivo de tecnologia e distração absurda das crianças na palestra Crianças, já para fora, realizada no TED X, disponível no Youtube. “Hoje, boa parte das crianças perderam espaço da rua, a convivência com os primos e amigos. Muitos crescem com agendas lotadas de atividades ou passam uma boa parte do tempo envolvidas com tablets, celulares, jogos eletrônicos e, com isso, acabam não tendo espaço para brincar e ser criança. Vale destacar que tédio e vazio são fundamentais na infância, pois permitem momentos de consciência que geram a criatividade e a imaginação. Não podemos amputar isso de nossas crianças”, diz o pediatra. A proposta do médico é que a família comece a oferecer, uma parte do que é mais precioso atualmente para todas as pessoas, o tempo de estar junto. Bianca, mãe do Matias, sabe que a tecnologia também faz parte do mundo atual, mas acredita que isso não pode ser o protagonista da infância. “Vejo crianças que são viciadas em celulares e tablets desde bebês. Não podemos privar as crianças da tecnologia, mas temos que ter muito cuidado e limite para oferecer os eletrônicos. Claro que Matias pede para brincar com eletrônicos, mas colocamos limite de tempo e o que ele pode ver”, conta. A diretora do Instituto Dona Carminha também acredita que não é possível negar o uso da tecnologia para esta geração que já nasceu conectada. Mas cabe aos responsáveis pelas crianças usar a tecnologia de forma responsável e positiva. “A criança precisa brincar, correr, usar a imaginação, não deve ficar restrita somente à tecnologia. Caso faça uso de eletrônicos, que seja por pouco tempo, sem comprometer seu desenvolvimento”, diz. Território do Brincar Renata Meirelles passou dois anos percorrendo todo o Brasil - de abril de 2012 a dezembro de 2013 - com a família (marido e dois filhos), no projeto Território do Brincar para registrar com fotos e vídeos do que brincam as crianças brasileiras. Para ela, as brincadeiras universais nos unem e enquanto brincam as crianças estão se ajeitando dentro da verdade do mundo e de si mesmas. O material virou o documentário Território do Brincar, feito em parceria com David Reeks e que está disponível no site www.videocamp.com/pt/movies/territorio-do-brincar. Entre as brincadeiras retratadas poeticamente estão pular corda, pular elástico, fazer barcos ou aviões de papel, contar histórias de terror em volta da fogueira, construir carrinhos e outras. As cenas delicadas do documentário são capazes de transportar qualquer adulto de volta à infância. O filme mostra como muitas das brincadeiras se repetem, seja em comunidades carentes ou em condomínios fechados. “Seja em meio à pobreza ou à riqueza, as crianças mostram toda sua satisfação e potência enquanto brincam”, diz Renata. A pesquisa a fez acreditar ainda mais nas palavras da pesquisadora Lídia Ortelo que diz que haverá um dia que a revolução virá pelas crianças. Foto por: Leandro Torres Foto por: Leandro Torres Foto por: Renata Meirelles Foto por: Renata Meirelles Foto por: Leandro Torres Foto por: Leandro Torres Foto por: Leandro Torres Foto por: Leandro Torres Exibir legenda 1100
Entre árvores, bolinhas de gude, carrinho de rolimã, animais, família presente e simplicidade, a criança fica feliz e tem chance de ter um futuro promissor.
Entre árvores, bolinhas de gude, carrinho de rolimã, animais, família presente e simplicidade, a criança fica feliz e tem chance de ter um futuro promissor.
Projeto mostra do que brincam as crianças brasileiras: pular corda, construir carrinhos, fazer barcos ou avião de papel.
Projeto mostra do que brincam as crianças brasileiras: pular corda, construir carrinhos, fazer barcos ou avião de papel.
Patrícia Torres diretora pedagógica no Instituto Educacional Dona Carminha - Vila Lemos.
Fotos no Instituto Educacional Dona Carminha - Vila Lemos .
Helena, de 2 anos, gosta de seguir o caminho das formigas e de brincar nas árvores.
Helena, de 2 anos, se diverte dentro do túnel. Para ir à Lua Enquanto não têm foguetes para ir à Lua os meninos deslizam de patinete pelas calçadas da rua. Vão cegos de velocidade: mesmo que quebrem o nariz, que grande felicidade! Ser veloz é ser feliz (...). De Cecília Meireles