Estudantes que deixam suas casas para estudar em outra cidade enfrentam desafios financeiros e emocionais, mas encontram rede de apoio entre os colegas
Programa social da Unicamp oferecido a estudantes que não têm condições de pagar aluguel (Alessandro Torres)
Ao terminar o ensino médio, muitos jovens têm o desejo de sair do ninho para estudar fora. Isso pode representar o ingresso na faculdade dos sonhos ou, então, a almejada independência da família, mas a mudança de cidade nesse período de tantas transformações pode ser desafiadora.
Campinas é casa de grandes universidades, portanto, atrai o olhar de muitos que aspiram à aprovação para o ensino superior. O distrito de Barão Geraldo, graças à proximidade da Unicamp, PUC-Campinas e Facamp, se transformou em uma região de grande concentração de estudantes, muitos deles vindos de longe.
Rede de apoio é essencial
Rony Petersen, de 22 anos, deixou a pequena cidade de Paulo Afonso, no norte da Bahia, para estudar Letras na Unicamp. O jovem conheceu a universidade pelo podcast literário “30 minutos” e o Cursinho Popular Marielle Franco, que está estabelecido em Campinas, mas que durante a pandemia ministrou aulas online para estudantes de todo o País. Rony foi um deles.
“Já tinha vontade de deixar a minha cidade e gostei bastante do perfil do curso de Letras da Unicamp, mas eu não tinha dinheiro. Então, as minhas professoras do cursinho fizeram uma vaquinha para pagar a minha taxa de inscrição e para cobrir os custos de duas viagens a Campinas para fazer a primeira e segunda fases do vestibular”, lembra. A aprovação veio, mas junto com a alegria, também a preocupação de morar tão distante da cidade natal e de suas referências. Mas as professoras e colegas da universidade, a primeira rede de apoio local do estudante, mais uma vez, ajudaram com hospedagem temporária e até indicação de contatos para que ele conseguisse ingressar no Programa de Moradia Estudantil, onde mora hoje.
Rony enfrentou dificuldades financeiras e as diferenças de costumes de sua cidade natal, a 2,2 mil km de Campinas (Alessandro Torres)
Rony lembra que o início foi desafiador. Para visitar Paulo Afonso e a família, ele leva em média 44 horas no percurso de ônibus, praticamente dois dias de viagem para cobrir os mais de 2,2 mil quilômetros de distância. O clima de Campinas, mais frio que a terra natal, impactou (foram várias gripes desde então), assim como as diferenças culturais entre ele e os colegas, mas tudo foi um processo de adaptação. “Esse apoio que tive foi fundamental para me instalar bem aqui. Tive muita sorte de encontrar pessoas atenciosas e Campinas me acolheu de uma forma que eu não imaginava.”
Por um lado, os programas de apoio da universidade, como o Bolsa Auxílio-Social, a isenção da taxa do restaurante universitário e a própria Moradia Estudantil, são fundamentais para que Rony consiga se manter estudando em Campinas. Mas os amigos que fez por aqui também foram imprescindíveis para que ele veja o local como um lar. “Hoje, eu olho para a Unicamp e para a Moradia e penso que essa é a minha casa”, reforça. Mesmo depois de terminar a graduação, ele pretende continuar estudando e morando na cidade.
Momento de aprendizagem
Como o colega Rony, José Eduardo Nunes Alves, de 20 anos, veio para a Unicamp estudar Letras. Um dos fatores que o influenciou a optar por Campinas foi a presença de um tio que mora em Sumaré. “Dava uma certa segurança saber que eu tinha alguém que poderia me ajudar com informações. Se algo acontecesse, eu teria algum amparo”, lembra. O estudante morou com o parente por um mês e meio, tempo que usou para procurar uma residência definitiva mais próxima da faculdade. Foi o suficiente e, hoje, mora sozinho em uma kitnet na região entre Unicamp e PUC-Campinas.
Um dos maiores desafios de José Eduardo foi lidar com questões que eram novas e bastante burocráticas. “Eu já fazia comida e cuidava da casa, mas tive que resolver problemas com a CPFL, lidar com documentos e, no começo, até pegar ônibus era uma coisa bem complexa. Não foi algo pesado, mas eu precisei aprender”, recorda. “Mas acho que foi um tempo muito bom. Tive que entender e resolver coisas que ninguém faria por mim. Foi um crescimento pessoal.”
José Eduardo veio morar em Campinas, apesar de considerá-la perigosa (Alessandro Torres)
Campinas não era um lugar atrativo para José Eduardo, pelo contrário. Vindo da pequena Bastos, no interior paulista, com apenas 25 mil habitantes, ele via a metrópole como um lugar inseguro e até perigoso. “Os amigos que eu fiz, muitos vindos de realidades parecidas com a minha, me ajudaram a não me sentir sozinho. Eles também foram me mostrando que eu não precisava ficar com medo, a todo momento, de ser assaltado.” Ele ainda prefere a tranquilidade de um município menor e informa que na região da Cidade Universitária em Campinas encontrou algo parecido, mas para o futuro o estudante espera poder mudar para uma cidade menor nos arredores. “Aqui na região, temos mais oportunidades do que na minha cidade”, complementa.
Saindo de Campinas
Inácio Portinari Rogatto, de 21 anos, fez o caminho contrário de Rony e José Eduardo. Ele nasceu e viveu em Campinas, sempre na mesma casa. Mas durante o ensino médio, cresceu dentro dele o sonho de cursar Agronomia. “Uma vez que nenhuma faculdade em Campinas oferecia o curso, obrigatoriamente eu teria de sair de casa para uma faculdade mais distante.” O jovem foi aprovado na faculdade de Engenharia Agronômica, na UNESP de Jaboticabal, localizada a 250 quilômetros de Campinas, mas, contra as expectativas, passou os dois primeiros anos cursando de casa. Afinal, com a pandemia, as aulas estavam acontecendo remotamente.
Depois dos dois anos iniciais, foi a hora de fazer a mudança física, que trouxe várias dificuldades. “No primeiro ano, tive problemas para me adaptar à faculdade, à cidade e às pessoas. Eu cresci e vivi em Campinas, convivendo com as mesmas pessoas desde meus 5 anos. Acho que isso fez com que eu demorasse mais para me adaptar em Jaboticabal.” De acordo com Inácio, um dos principais problemas foi o sentimento de solidão, pois isso resultou em outros obstáculos. “Demorei para fazer amigos, não tinha para quem pedir ajuda nas matérias, não tinha carona para ir para a aula, demorei para conhecer a faculdade e como ela funciona e não tinha com quem sair no tempo livre.”
Depois de se sentir solitário, Inácio encontrou apoio em amizades que construiu na faculdade (Arquivo pessoal
No primeiro ano, Inácio morava sozinho em um apartamento e a solidão o impelia a voltar para Campinas todo final de semana, 6h30 para ir e mais 6h30 para retornar a Jaboticabal. Esse difícil ano foi passando e, ao longo dele, os amigos chegaram. “Fui conhecendo cada vez mais as pessoas ao meu redor e passei a me forçar a enturmar. Foi quando eu percebi que não era só eu que tinha problemas sociais ou dificuldades com as matérias da faculdade.”
As coisas mudaram desde então. Hoje o estudante tem um carro, facilitando a vinda a Campinas, mora com outros dois amigos em um local mais próximo da faculdade e tem pessoas com quem pode contar. “Posso dizer que minha qualidade de vida é muito melhor do que antes. Pensei muitas vezes em desistir, mas é preciso colocar na balança o que é mais vantajoso para você, desistir de tudo que você construiu e começar do zero, ou se esforçar e mudar hábitos para concluir o seu objetivo maior”, conclui.
Segundo José Mário Guastala, corretor e dono de imobiliária que atua em Barão Geraldo há mais de 35 anos, a relação de oferta e demanda de imóveis naquela região enfrenta uma situação atípica em comparação ao restante da cidade. “Temos menos imóveis disponíveis, está faltando. É uma tendência na nossa região. Inclusive, os que estão para alugar provavelmente serão logo locados. Para comércio, temos imóveis sobrando, mas locais residenciais estão faltando.”
O auge da procura, segundo o corretor, costuma acontecer entre o final de fevereiro e início de março, quando as aulas começam nas universidades. Com base em sua experiência, ele não recomenda que os estudantes esperem tanto para começar a procura pelo imóvel. “Também há o problema de expectativas. Muitos estudantes chegam desejando um imóvel com determinadas características: querem algo com um preço acessível, que esteja perto da universidade, que tenha ar-condicionado e vaga de garagem. E muitas vezes, eles não vão encontrar esse lugar ideal”, avalia. O especialista recomenda que os estudantes comecem a pesquisar sua futura moradia o quanto antes, mesmo que remotamente, para não enfrentarem problemas.
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