A paixão do jovem Maurício Paschoal Godinho por futebol é tão grande que ele joga presencialmente, no campo e também através do videogame (Ricardo Lima)
Ser nerd, hoje, é legal. E o Dia do Orgulho Nerd, comemorado em 25 de maio, oferece uma celebração às paixões deste público em relação ao videogame. Mas o que significa, em 2022, ser um “gamer”? É provável que a imagem que muitos têm deste perfil seja a do garoto jovem, sedentário e com poucos amigos. Mas esse retrato tão específico está muito longe de representar a imensa comunidade que joga.
O teórico norte-americano e designer de jogos Jesper Juul escreveu em seu livro “A Casual Revolution: Reinventing Video Games and Their Players” (A Revolução Casual: Reinventando Videogames e seus Jogadores, em tradução livre) que o termo “gamer” está muito associado àquele que passa mais de seis horas no dia jogando, tendo o seu console ou o seu computador montado especificamente para jogos. Para usar um termo compatível, seria o jogador “hardcore”, aquele que faz algo de forma extrema. “Conforme amadurece e tem responsabilidades, muitos acabam tendo menos tempo para jogar e vão para jogos mais casuais, que precisam de menos tempo. Mesmo esses ‘hardcore’, que também podem ser aqueles que gostam de jogos estrategicamente difíceis, gostam de jogar algo casualmente na fila do banco”, explica a pesquisadora e desenvolvedora de jogos campineira Julia Stateri, ao comentar a análise de Juul. Designer gráfica e jogadora de games desde os seis anos - incentivada pelo pai e por jogos como Final Fantasy 7 -, ela esclarece que independente do estilo, o “gamer” é essencialmente alguém que joga. E este público é cada vez maior e mais diverso.
Dados do gamer brasileiro
De acordo com o relatório elaborado pela Pesquisa Game Brasil (PGB), divulgado em abril deste ano, três em cada quatro brasileiros jogam em alguma plataforma e a mais utilizada é o smartphone, com 48,3% da preferência. O gênero do público prevalente pode surpreender alguns desavisados: mulheres são 51% dos gamers.
Diante dos dados do PGB, Julia comenta que existe um preconceito de gênero que é justificado pela discriminação por tipo de plataforma. “As pessoas tendem a não dar crédito para os resultados da pesquisa alegando que eles mostram mulheres como maioria porque elas jogam pelo smartphone. Logo, elas não seriam consideradas ‘gamers’. O que é bobagem, pois você pode ter perfis que são sobrepostos ou pessoas que jogam de maneiras diferentes, com tempo variado. Mas jogam”, reforça. A pesquisadora comenta ainda que alguns teóricos, como ela própria em seus trabalhos acadêmicos, até preferem utilizar o termo “pessoa que joga” para que este seja mais inclusivo e menos carregado de estereótipos.
Jogando para todos
Como jogadora, Julia revela que sempre gostou de games com narrativas mais elaboradas e ela usou a preferência para nortear o desenvolvimento do Visual Novel (um tipo de jogo eletrônico que costuma ter bastante narrativa e possibilidade de escolhas) intitulado Pequenos Nativoz. Nele, o jogador, que assume um personagem comum, de gênero neutro, tem a oportunidade de ajudar entidades do folclore brasileiro. Com a proposta de criar um ambiente aberto e acolhedor para todos que desejam jogar, Pequenos Nativoz já é inclusivo desde os bastidores: a equipe de desenvolvimento conta com pessoas cegas, transsexuais e indígenas. O produto final, por sua vez, oferece opções de controle para pessoas cegas, surdas, daltônicas, sensíveis a luzes piscantes, entre outros. “Ele faz parte de um projeto maior que oferece uma formação para as pessoas aprenderem a fazer jogos”, conta Julia, que convida os interessados a jogarem e testarem a versão demo de Pequenos Nativoz através do site oficinaludica.itch.io/pequenos-nativoz.
Dos gramados para a tela
O amor pelo futebol dentro de campo não tornou o campineiro Mauricio Paschoal Godinho, de 13 anos, avesso às partidas de videogame. Pelo contrário, as duas atividades se complementam. Ele explica que elabora as estratégias do time enquanto o jogo eletrônico Fifa também o ajuda a pensar nelas e nos treinos na vida real. Seu sonho é se tornar um jogador de futebol. “Hoje eu coloco o jogo no último nível de dificuldade para ser mais divertido”, revela o jovem. Para ele, qualquer nível mais baixo ficou muito fácil. “Eu nem lembro qual foi a última vez que eu venci meu filho no Fifa”, brinca Thiago Paschoal, educador físico de 32 anos, gamer desde pequeno. Ele e a esposa, Marina, jogavam videogames com o menino desde que ele tinha quatro anos. “Se aprimorou muito mais do que eu”, completa o pai, que garante que ainda se diverte jogando contra o filho. Maurício divide bem o seu tempo: estuda, tem muitos treinos presenciais de futebol e ainda brinca com os amigos. Mas as brincadeiras, revela, são tanto físicas quanto virtuais e não se vê deixando o hobby de lado. “Acho que na idade do meu pai eu ainda vou jogar”, compartilha o jovem.
Dividindo o controle
Se Thiago e Maurício disputam jogos, a relação de Israel Pinho, de 36 anos, e da filha Marília, de sete, é muito mais colaborativa. O analista administrativo lembra que quando a menina era mais nova, ficava fascinada assistindo enquanto ele jogava. Até que ela pediu para mexer no controle e o pai, orgulhoso, passou a compartilhar com ela. Literalmente, pois Marília adora jogar ao lado do pai games em que os dois possam trabalhar juntos em prol de uma missão. “Ela não gosta muito da parte do conflito, quando tem que combater os inimigos. Às vezes, pede que eu passe pela fase por ela”. Fã dos consoles, Israel tem como companheiro fiel seu Playstation 4, dispositivo que tem quase a idade de Marília. Para ele, os melhores jogos são os que permitem uma experiência imersiva em muitas dezenas de horas. “A gente acaba pagando caro por esses jogos. Então, quando eu vou escolher, penso naqueles que vão me dar diversão por mais tempo. Se possível, quero passar meses naquele mundo”, descreve. O analista conta que a filha compartilha da mesma preferência de jogos. “Eu gosto muito de jogos de mundo aberto para desbravar o cenário, temos missões, colecionáveis para achar. Quero pensar em como escalar a montanha, explorar a caverna e descobrir que tipo de segredos estão escondidos ali. Ela gosta disso também”. Para incentivá-la, Israel tem buscado cada vez mais opções de jogos que estejam alinhados com os interesses e idade da pequena.
Vida de jogo
A campineira Vanessa Sant’Anna Douat, de 32 anos, lembra que seus primeiros jogos de videogame vieram por volta dos cinco anos. Nas preferências, ela indica que sempre gostou de se envolver com o roteiro dos jogos. “Eu já chorei com histórias muito emocionantes, como Chrono Trigger. É quase um filme que você joga”. Eles sempre foram uma forma de reuni-la com outras pessoas. No começo, jogava com os primos, mas os laços formados através dos jogos nunca pararam de acontecer. “Eu fiz muitos amigos por causa deles. Até meu companheiro, eu conheci jogando”. Ela lembra que a história de amor começou com uma parceria capenga. “Ele jogou comigo, mas sofreu na minha mão porque eu não sabia nada daquele jogo na época”, brinca. Azar no jogo, sorte no amor, pelo menos naquele momento. Vanessa e Bruno já estão juntos há 10 anos e seguem jogando juntos. Hoje, a campineira participa de jogos NFT que, a partir de diferentes métodos, geram lucro para os jogadores e assim une o antigo hobby com uma forma de ganhar dinheiro. Ela tem metas para cumprir e chega a ficar oito horas por dia jogando. “Não é fácil”, afirma. Mas ela dá conta!