A veterinária Jacqueline e a filha Beatriz adotaram dois gatos que foram abandonados (Arquivo Pessoal)
A dona de casa Rosângela M.M, de 54 anos, é apaixonada por cães e gatos. Sempre que uma vizinha viajava, ela cuidava da cachorrinha Collie, que “se enturmava” bem com os pets de sua casa. Esse histórico facilitou a decisão de adotar de vez a “hóspede temporária”, quando a vizinha mudou de cidade e não tinha como levar o bichinho de estimação. “Sei que não foi uma decisão fácil para ela, mas eu entendo os motivos. Não pensei duas vezes e fiquei com a Collie”, revela.
Rosângela toca em um ponto bastante delicado, que é a decisão de não levar o pet. Quem ama os animais sabe bem como eles são considerados membros da família e essa escolha costuma ser julgada e condenada por quem olha a situação de fora. A estudante Rafaela G; S.V., de 25 anos, passou por isso recentemente. “Eu tinha três cachorros e morava em uma casa grande, com quintal. Mas, por questões financeiras, precisamos nos mudar para um apartamento pequeno. Eu fiquei desesperada por não ter como levar os três e não sosseguei até que consegui uma pessoa responsável e com condições para assumir os cuidados de dois deles”, relata.
Aumento do abandono
Ficar para trás na mudança dos tutores também não é fácil para os pets. Quando eles são bem acolhidos, em dias ou semanas se adaptam à nova morada e aos novos tutores. No entanto, também há casos em que eles são abandonados. “Quando as pessoas estavam isoladas, trabalhando em casa, parece que sentiram falta de companhia e o número de adoções cresceu. Agora, que tudo está mais caro e difícil, é observado um movimento inverso, com um grande descarte de animais nas ruas”, afirma a veterinária Jacqueline Menegon Arroyo. Essa tendência é confirmada pelo Departamento de Bem-Estar Animal da Prefeitura, que, entretanto, não tem números precisos.
A veterinária conta que ocorreram vários casos de falecimento de idosos que tinham animais e seus descendentes não os quiseram e os deixaram na rua. Ela, inclusive, adotou um gatinho nessa situação, quee hoje está recuperado e vivendo bem com a nova família.
Traumas emocionais e físicos
Ao ser abandonado, o animal perde sua referência. Nas ruas, ele passa fome, frio, medo e é maltratado. Após o resgate, podem surgir sintomas relacionados ao trauma sofrido. Jacqueline trata atualmente de uma cachorra que, além de muito medrosa, come as patas. “A automutilação é um dos distúrbios emocionais provocados pelo trauma do abandono.”, explica.
Entre os distúrbios comumente desencadeados estão o medo do ser humano – não se aproximam com receio de apanhar – e agressividade. Há ainda os sintomas físicos, como problemas na pele. No caso de pets resgatados, Jacqueline recomenda carinho e paciência, pois eles precisam de tempo para se readaptarem. “Toda vez que algum animal sai de sua zona de conforto, ele precisa de um período de adaptação. Se a situação estiver se prolongando muito, é interessante levá-lo para uma consulta com um veterinário comportamental.
Entre janeiro e dezembro de 2021, a Coordenadoria de Fiscalização Ambiental de Campinas realizou 1.235 vistorias após denúncias de maus tratos e abandono de animais, com 1.589 atendimentos e orientações.