Carlos Quirino conversa com com seus alunos em momento de descontração; prioridade é a escola (Divulgação)
Não há como dissociar o final de semana de um jogo de futebol. Uma pelada, um bate bola ou uma simples troca de passes. Cumprir tal tarefa na infância e na adolescência é prazer puro. Diante da escassez dos campos de futebol e proliferação das escolinhas de futebol, restam poucas opções para crianças de baixa renda na modalidade preferida do brasileiro em estado puro. Um destes locais encontra-se em Praça de Esportes do Jardim Paranapanema, localizado próximo ao Centro de Treinamento do Guarani. Ali, há 33 anos o lema é único: divertir-se com a bola. Sem compromisso. Tudo pela paixão pelo futebol.
Tudo começa cedo. Logo ás 07h30, as primeiras crianças chegam e vestem o colete e se preparam para a divisão dos times. Primeiro os mais novos. São crianças de 08 a 10 anos Tudo sob o olhar atento do funcionário público, Carlos Quirino Felipe, o Carlão e de seu braço direito, o educador social Paulo Ferreira Oliveira, o Paulinho. Carlão, aos 63 anos, sabe que para as crianças tudo é brincadeira. Para ele, é algo sério. Primeiro porque está em constante contato com os pais, que liberam seus filhos para passar o sábado pela manhã sob a sua responsabilidade. Além disso, existe uma regra de ouro: se o rendimento escolar cair o garoto fica proibido de participar.
Até hoje, não existiu qualquer intenção de montagem de time atuar em campeonatos. A meta é fazer com que a criança brinque, participe. sinta e viva o lado romântico do futebol. De acordo com Carlos Quirino, o espaço não cobra nada porque a maioria dos participantes são de famílias de baixa renda, que não possuem condições de pagar uma escolinha de futebol. “Alguns pais sequer têm um automóvel. Muitos lutam com a vida para viabilizar o pão de cada dia”, disse.
Todos aproveitam cada minuto. Na atividade acompanhada no sábado pela manhã pela reportagem do Esportes Já, as 30 crianças presentes dedicaram-se com afinco não somente aos jogos como também nas outras atividades propostas pelos monitores voluntários, como na cobrança de pênaltis ou até no processo de aquecimento. Tudo com alegria, sem compromisso e com desejo de curtir o futebol. Todos aparecem vestidos como se estivessem em casa. Alguns com camisas de clubes como Barcelona e Paris Saint Germain. De todas as crianças presentes, apenas uma vestia uma camisa de clube brasileiro, no caso o Flamengo.
Pietro, de 10 anos, vestia uma camisa azul da Seleção Brasileira. Ele conta que não perde um sábado. Sua chegada para bater uma bola aos sábados veio por intermédio do convite de amigos que já frequentavam o local. “Aqui a regra do grupo é primeiro a escola e depois o futebol”, conta Pietro. Ele não nega: aproveita brechas durante a semana para bater bola em uma escola localizada nas proximidades do Jardim Paranapanema. E o fanatismo continua em casa “Assisto todo jogo que passa na televisão. E acompanho o Flamengo”, arrematou o garoto, que assegura: a maioria dos garotos presentes naquela manhã também torcem pelo rubro negro carioca.
Nem todos. Gabriel, de 14 anos, vestia uma camisa do Paris Saint Germain e não escondia a idolatria pela dupla formada por Messi e Neymar. Os sábados pela manhã são feitos para tentar reproduzir aquilo que vê na televisão. “Eu vim por curiosidade e fiquei”, disse.
Já Guilherme, de 13 anos, vai na contra mão e utiliza o gramado da praça de esportes para colocar em prática os seus dotes de zagueiro. “Eu chego junto”, disse, já no encerramento no bate bola. Mas sábado que vem tem mais. Afinal de contas, o sonho não pode parar.
Assegurar um espaço para que crianças joguem futebol de maneira descompromissada virou um assunto sério. Pelo menos para os componentes da Sociedade Beneficiente, Esportiva e Recreativa do Jardim Paranapanema. Apesar do encontro semanal existir há 33 anos, o projeto passou a contar com uma entidade responsável a partir de julho de 2001. A expectativa é que nova diretoria da entidade seja formulada para 2023.
Mesmo com filhos e netos, Carlos Quirino Felipe, o Carlão pensa em todos os detalhes. Desde encontrar uma maneira de lavar os uniformes utilizados , até na água potável consumida pelos garotos após as atividades no gramado da Praça de Esportes do Jardim Paranapanema. “Eu saio daqui, levo os uniformes, tiro a terra e deixo de molho um período. Depois lavo, estendo os uniformes e espero secar”, explicou Carlão.
A disciplina também faz parte do cardápio de conduta. Na atividade acompanhada pela reportagem do Esportes Já, tanto Carlão como o auxiliar Paulo Ferreira Oliveira, o Paulinho transmitiam orientações de como os garotos deviam bater na bola e aconselhavam sobre como deviam se tratar uns aos outros. Uma recomendação era de que evitassem termos chulos. E todos escutam com atenção. Porque mais do que participar de um jogo de um futebol, as crianças sabem que estão recebendo aulas gratuitas de cidadania. “Eu só agradeço a oportunidade concedida pelo Carlão”, arrematou o garoto Pietro, de 10 anos.