“O Brasil tem hoje um grande potencial nesse esporte com excelentes jogadores”
Fábio Santos exibe um bumerangue de duas asas ao lado de outros competidores (Divulgação)
Arremessar um bumerangue é uma brincadeira, certo? Sim, mas para muitos representa mais do que isso. A atividade se define como um esporte, com direito a uma federação internacional, associação brasileira e no qual um campineiro está entre os destaques do mundo. Trata-se de Fábio Santos, de 39 anos, integrante de um grupo que colocou o Brasil na condição de referência da modalidade.
“O Brasil tem hoje um grande potencial nesse esporte, excelentes jogadores e ótimos ‘shapers’, como são chamados os fabricantes de bumerangues. A maior fábrica do mundo desse artefato está aqui no país, é a Bahadara, em São Paulo”, resume Santos, que é cego do olho direito e, mesmo assim, já ganhou título brasileiro e alcançou o vice-campeonato mundial da modalidade.
A segunda colocação em um Mundial, o campineiro obteve na competição disputada na cidade de Perth, na Austrália, em 2014, na categoria de velocidade (Fast Catch). Na ocasião, a equipe brasileira ficou em quarto lugar na classificação geral e o campeão individual foi André Caixeta Ribeiro. Atleta de Patos de Minas, Caixeta conquistou o bicampeonato este ano, em Bourdeaux, na França, e é hoje o primeiro colocado do ranking mundial. Por equipes, o Brasil terminou o campeonato de 2022 na terceira colocação.
Santos se interessou pelo bumerangue em 2003, quando participou de uma feira de exposição no Sesi Santos Dumont. No evento, ele conheceu Carlos Martini Filho, o Magrão, proprietário da Bahadara, que lhe passou dicas sobre o esporte. “Fiquei curioso e comprei o meu primeiro bumerangue”, lembra o campineiro, que iniciou a prática sozinho, com base nas informações do manual do produto e das instruções passadas por Magrão. “Depois de cinco meses de erros e acertos, consegui fazer o bumerangue voltar e, a partir de então, fui evoluindo.”
O envolvimento maior com o bumerangue aconteceu em 2010, quando, aliás, a realidade se configurava numa impossibilidade de prosseguimento no esporte. Dois anos antes, após passar por quimioterapias, ele se submeteu a um transplante de medula óssea para vencer a batalha contra uma leucemia e, no procedimento, perdeu a vista direita. A superação veio com a ajuda de amigos que o estimularam a não desistir da sua grande paixão. “Tive que me readaptar para jogar, pois perdi a noção de profundidade. Mas a dedicação e a força que recebi de outros bumeranguistas foram importantes para superar as adversidades e conseguir os resultados”, celebra o único jogador monocular da modalidade dentro do circuito mundial.
Há bumerangues de vários formatos, mas os mais comuns são os de duas ou três asas. O lançamento é sempre feito na vertical, com ligeira inclinação para a direita ou para a esquerda. “Um bom lançamento leva em conta a rotação do artefato na saída da mão e a direção do vento”, explica Santos. As asas talhadas de forma similar a de um avião – achatadas embaixo e arredondadas em cima – permitem o voo e o retorno. Os mais usuais em competições são compostos de polipropileno, fibra de vidro ou de carbono e de madeira. Mas também existem bumerangues de plástico e até é possível fazer com papelão.
Os arremessos, às vezes, surpreendem. “Na Austrália, fiz um arremesso em que o bumerangue voou por mais de sete minutos até desaparecer no céu”, conta o campineiro. “Um amigo alemão foi encontra-lo perto de um lago.” As disputas ocorrem em seis modalidades, sendo que a mais curiosa é a acrobática, na qual o jogador pega o objeto em seu retorno com os pés, pelas costas, com as mãos entre as pernas ou até após um chute.
Diretor da Associação Brasileira de Bumerangue (ABB), Santos está em busca de um local para a realização do 17 º Campeonato Brasileiro, que acontecerá em abril ou maio de 2023. A intenção é sediar o evento em Campinas ou Paulínia após a pouca participação dos competidores na edição deste ano, em setembro, em Patos de Minas.
“No Brasil, temos hoje cerca de 40 bumeranguistas aptos para competir, mas no último campeonato brasileiro só houve 15 participantes”, explica o jogador e também dirigente. “Ficou difícil o transporte até Patos de Minas e aqui na região a logística facilita em função do fácil acesso.”
Em Campinas, a ABB selecionou três áreas e ainda tenta a liberação de uma delas para a realização do evento. As opções são o gramado central da pista de treino do Jockey Club, à margem da Via Anhanguera, a Pedreira do Jardim Garcia ou o gramado em frente ao Instituto Agronômico de Campinas, na região dos Amarais. As duas primeiras áreas são particulares e a do IAC pertence ao Governo do Estado.
Caso não haja possibilidade da realização em Campinas, a opção será mesmo organizar na Praça Brasil 500 de Paulínia, onde um grupo já costuma se reunir para praticar a modalidade e competir. A médio prazo, o projeto da ABB é formar uma equipe com pelo menos seis atletas para competir no próximo Mundial, que será em 2024, no Havaí. O desafio é levantar recursos.
“Estamos sem apoio”, lamenta Santos. “Chegamos a ter a parceria de um baco em um passado recente, mas hoje ainda estamos em busca de um patrocínio”, completa o campineiro, reconhecendo a impossibilidade de viver apenas do bumerangue. Além de atleta, ele também é técnico em bioquímica e cursa a faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Unip.