CADERNO C

Um olhar turistico para a Vila Industrial

O primeiro bairro de Campinas ganha projeto de lei na Câmara Municipal para transformá-lo empolo de turismo cultural, histórico, gastronômico e arquitetônico

Cibele Vieira/cadernoc@rac.com.br
27/08/2024 às 15:40.
Atualizado em 19/09/2024 às 14:01
Cena da Vila Industrial — bairro com vários imóveis tombados, que deve se tornar, oficialmente, Polo Turístico em breve (Kamá Ribeiro)

Cena da Vila Industrial — bairro com vários imóveis tombados, que deve se tornar, oficialmente, Polo Turístico em breve (Kamá Ribeiro)

O projeto de lei que estabelece a criação do “Polo Turístico da Vila Industrial”, bairro localizado na região central de Campinas, foi apro vado quanto à legalidade no dia 21 de agosto e volta a ser discutido amanhã pela Câmara de Vereadores. A proposta, que precisa ainda ser aprovada quanto ao mérito e sancionada pelo prefeito para se tornar lei municipal, argumenta que a Vila Industrial é o primeiro bairro da cidade, tem o único acervo arquitetônico do município com real valor histórico e o maior número de bens tombados. A proposta está sendo bem aceita, desde que o polo turístico proposto seja ligado à cultura e à história, sem deteriorar o patrimônio e as características atuais do bairro, que se tornou um reduto de artistas e boêmios. 

A arquiteta e escritora Ana Villanueva conheceu a Vila Industrial em 1994, durante suas pesquisas de mestrado. Gostou tanto que comprou e restaurou uma casa de 1924, onde mora até hoje. Ela conta que o bairro surgiu no final do século XIX, após a implantação do pátio ferroviário e da estação da Cia. Paulista (1872). “Surgiram, primeiramente, as casas dos operários da Cia. Paulista e, depois de 1900, os da Cia. Mogiana. No bairro, foram instaladas indústrias como Cortumes e o Matadouro Municipal, e os hospitais dos variolosos e dos laza rentos”, relata. Em um segundo momento, chegaram ao bairro os cinemas, como o Cine Casablanca (onde hoje é o Teatro Castro Mendes). O bloco Nem Sangue Nem Areia e dois times de futebol também foram fundados ali, local em que surgiu a primeira igreja de bairro da cidade, a São José, ativa até hoje. 

Pelo seu isolamento do Centro, causado pela separação física das linhas férreas, o bairro Vila Industrial se manteve preservado em quase sua totalidade, comenta Ana. Para ela, a Vila tem muitos elementos históricos para se transformar em Polo Turístico, porém, um turismo ligado à cultura e à história, e não com grandes eventos. “Patrimônio e turismo podem ser harmônicos e é este objetivo que deve ser perseguido para não transformar um bairro residencial em totalmente comercial. Deve ser feito um plano diretor de ocupação, em consonância com estudos das tradições locais e história do bairro antes da implantação de qualquer transformação”, diz. 

O vereador autor do projeto de lei, Jorge Schineider, argumenta que “hoje, o tombamento de boa parte dos imóveis originais não está sendo suficiente para manter essas preciosidades históricas e o projeto pretende ser o primeiro passo para que todas as riquezas do primeiro bairro operário de Campinas possam ser, efetivamente, sustentadas e desfrutadas pelos amantes da história e cultura”. 

REDUTO DO SAMBA 

O músico José Guilherme de Souza Tardelli veio com a família para a Vila Industrial em 1956, onde teve uma infância repleta de amigos, futebol de rua e de terra, de brincadeiras (carrinho de rolemã, betis, pipas, queimada, bate-cachão, pique e outras), de bailinhos de garagem e, mais tarde, com as rodas de samba, os desfiles de Carnaval e seu despertar para a música. Favorecido pelo ambiente boêmio, tocou em muitos bares, fez inúmeras parcerias, participou de festivais e compôs vários sambas-enredo. Ele lembra que o local onde hoje está o Correio Popular sediava os ensaios da bateria da escola de samba Ubirajara e antes foi também a discoteca “Fábrica de Areia”. 

Hoje, o músico acompanha o projeto que tramita na Câmara e avalia que nada mais justo do que transformar a Vila industrial em Polo Turístico, pois é rica em histórias. Ele relembra que o bairro sediou clubes, bares e botecos onde os artistas se reuniam para tocar e contar causos. Os Carnavais eram animados pelos blocos do Índio e o Nem Sangue nem Areia– fundado em 1946 e mantido até 1976, só retornando às ruas do bairro em 2009 —,onde desfila até hoje. 

BOTECOS E BOTEQUINS 

Um dos bares “raiz” da Vila é o conduzido pelo carioca André, o conhecido “Rei do Mé”, que já soma 47 anos de história no bairro. Ele conta que seu sonho, quando veio do Rio de Janeiro para Campinas, era ter um botequim e conseguiu realizá-lo com a compra de um empório, onde abriu seu negócio. “Hoje é uma alegria ver os netos dos primeiros clientes que continuam frequentando meu bar”, comenta. Ele acompanhou as mudanças da Vila, que antes tinha muita gente que vinha de fora para trabalhar em suas indústrias e comércios. 

“Esse pessoal sempre gostou do ambiente tranquilo, dos barzinhos com música, da comida simples e boa, dos petiscos diferentes, sempre foi um ambiente boêmio”, afirma. Na sua opinião, as mudanças trouxeram muitos restaurantes e bares novos para o bairro, reforçando sua tendência gastronômica. Ele comenta que, ainda hoje, recebe muitos turistas nos finais de semana, que gostam das casas antigas, apreciam a calma do bairro, o que o torna um ponto histórico estratégico, inclusive porque não está tão degradado como o Centro da cidade. Por isso, acha que a criação do Polo Turístico pode ser uma boa iniciativa.

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