(Kamá Ribeiro)
Quem passa pela Avenida Barão de Itapura vai observar — no trecho sob o viaduto da Avenida Governador Pedro de Toledo — um colorido mural de 12 metros de extensão por 5 metros de altura, concluído em três dias (26, 27 e 28 deste mês) pelo artista campineiro Fabiano Carriero. Ele fez a pintura em homenagem a um artista de outro século, mas também campineiro, com o qual tem gostos semelhantes: a pintura e o mar. José Pancetti, de ascendência italiana, foi marinheiro e pintava paisagens, pessoas e ambientes praianos.
"Com esta homenagem, um mural numa via pública de Campinas, talvez possamos resgatar algumas lembranças, preservando a memória desse grande artista cuja obra também está exposta nos acervos de grandes museus", diz Carriero.
José Pancetti, nascido em uma família de imigrantes italianos, foi um dos grandes artistas modernos nascidos no município de Campinas e, não por acaso, dá nome ao Museu de Arte Contemporânea de Campinas — o MACC José Pancetti —, embora ainda seja pouco conhecido por parte da população.
A obra "Uma lembrança a Pancetti" pretende homenagear esse artista de relevância para o cenário cultural local pois, na visão de Carriero, "a cidade acaba esquecendo muita gente que passa por ela, então, é interessante mostrar certos momentos e nomes para aqueles que não têm acesso a essas histórias e sua colaboração artística e cultural para o município".
O artista escolheu a figura de um barco no mar para o mural. Conta que se inspirou ao pesquisar as marinhas nas quais Pancetti é conhecido. "Vi praias nas quais também já passei, como Itapuã (BA) e Saquarema (RJ), então resolvi pintar usando as mesmas referências, embora em época e olhar diferentes, com a coincidência de sermos da mesma cidade", diz Carriero. Ele acrescenta que colocou uma figura aleatória no barco para "tentar conduzir quem passa pelo local a ter a visão que o pintor marinheiro tinha". Durante a produção do mural, no último final de semana, ele conta que recebeu muitas manifestações positivas de gente passando e também buzinando, principalmente os motoristas de ônibus que circulam bastante pelo trecho.
UM MARINHEIRO PINTOR
O mural tem a inscrição: "Marinheiro da terra roxa rossa", justificada por Carriero com dados históricos. “Pancetti era filho de italianos, vindos da região da Toscana, "mas anos antes de navegar pelo litoral brasileiro, milhares de italianos iniciaram uma navegação por plantações de café sobre um outro 'mar', oculto no subsolo do interior paulista. A terra avermelhada, originária da decomposição das rochas basálticas chamou a atenção de boa parte desses italianos que trabalhavam nas plantações de cana-de-açúcar, algodão e café. Talvez admirados com a característica da terra que os acolheu, eles se referiam ao solo como sendo uma terra 'rossa' (tradução de vermelho, em italiano). Daí surgiu a denominação de parte do interior paulista, que até hoje é chamada de terra roxa”, relata Carriero.
José Pancetti, cujo nome de batismo é Giuseppe Pancetti, nasceu em Campinas e, aos 10 anos de idade, morou por um período na Itália. Ao retornar, trabalhou em São Paulo em vários ofícios, inclusive como pintor e cartazista. Após algumas tentativas fracassadas, ele ingressou na Marinha Brasileira em 1922. Nos navios em que serviu, era encarregado de zelar pelo compartimento de tintas, e chegou a pintar símbolos e identificação de embarcações, o que colaborou para que suas pinturas se tornassem famosas entres os militares, ajudando-o a se projetar no cenário artístico. Após alguns anos, ele passou a se dedicar exclusivamente às pinturas.
Apesar de ter realizado vários retratos e autorretratos, Pancetti é considerado um artista das paisagens, relata Carriero, para quem o mar e o ambiente praiano são muito frequentes em suas obras. Em Campinas, além de dar nome ao MACC, o artista foi homenageado com o nome de uma avenida, localizada no bairro Jardim Aurélia.
"O legado de Pancetti está em suas obras, que integram o acervo do MACC e em muitas histórias espalhadas pelos cantos da cidade", comenta.
Fabiano Carriero é artista plástico, muralista e gravador. Ele nasceu em Campinas, mas cresceu em Araruama (RJ). Formado em Artes Visuais pela PUC Campinas (2016), tem vários trabalhos espalhados pela cidade, entre eles murais e obras compostas por elementos brasileiros e fatos corriqueiros dentro de sua poética caricata. Participa da Feira do Centro de Convivência e mantém ateliê próprio desde 2011, hoje instalado na Vila Industrial.
O projeto em homenagem a Pancetti foi contemplado pelo edital de Arte Urbana — lançado em parceria entre as Secretarias Municipais de Cultura e de Desenvolvimento Sustentável — com a temática: Referências Étnicas da Formação da Cultura Campineira, pontuando a influência dos imigrantes vindos da Itália durante o final do século XIX e início do século XX.
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