Ano da cineasta campineira Juliana Rojas tem sido intenso: premiada no Festival de Berlim, júri em Cannes e convidada para integrar o grupo de votantes do Oscar, agora apresenta seu novo filme na competição em Gramado
(Divulgação)
A cineasta Juliana Rojas não despontou recentemente. “Trabalhar Cansa” e “As Boas Maneiras” (disponível na Netflix), filmes que dirigiu ao lado do parceiro Marco Dutra, chamaram a atenção da mídia especializada já no lançamento, em 2011 e 2017, e colocaram o nome da diretora no radar de quem acompanha o cinema nacional. Mas 2024 tem sido um ano agitado para a diretora, que nasceu em Campinas: em maio, ela fez parte do júri da mostra Palma Queer do Festival de Cannes, principal festival de cinema do mundo; o nome dela está na lista de artistas brasileiros convidados em 2024 para integrar o grupo de votantes no Oscar; seu novo filme (que dessa vez dirige sozinha), “CIDADE; CAMPO”, estreou no Festival de Berlim e lá foi premiado na categoria de Melhor Direção da Berlinale Encounters; agora o longa chega para a competição do Festival de Gramado, que começa dia 9 de agosto. Muito em poucos meses.
Em conversa com o Correio Popular, Juliana pontua que tem sido um ano intenso e emocionante, mas não só para ela. A cineasta sempre acrescenta nas suas respostas o trabalho da equipe de produção como fator fundamental para os resultados conquistados, mesmo aqueles que soam individuais. “O filme [“CIDADE;CAMPO”] foi difícil de realizar. Ele começou com um aporte em 2018, depois tiveram alguns outros, mas foi o começo de um momento escasso de investimentos para o cinema, alvo de críticas do Governo Federal. Ainda tivemos a pandemia, que interrompeu a produção duas vezes. Estamos vivendo uma conclusão feliz de uma jornada desafiadora não só para o filme, mas para o cinema brasileiro que está voltando com força”, comenta, ao lembrar que a produção cinematográfica brasileira está marcando presença em vários festivais internacionais. É o caso de “Motel Destino”, do diretor Karim Aïnouz, que competiu pela Palma de Ouro em Cannes e “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, que estará nos festivais de Toronto e Veneza. A cineasta destaca o resultado positivo na seleção dos filmes na competição do Festival de Gramado, que considera fortes. “Ainda temos quatro mulheres diretoras, dos sete longas que competem. Isso é muito legal”, comemora.
VOTANTE DO OSCAR
Juliana explica que o convite para integrar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas não se restringe a votar nos filmes que serão indicados e vencedores do prêmio do Oscar, mas oferece também outras oportunidades de ter contato e apoiar o cinema feito por estudantes. “É um prêmio da indústria americana, mas nos últimos anos eles estão buscando diversidade, pessoas de outros países para a Academia. Como diretora mulher, brasileira, é muito legal ocupar esse espaço podendo trazer uma outra perspectiva para a seleção desse prêmio.”
“CIDADE; CAMPO”
O novo filme surgiu de um olhar mais íntimo da diretora para os próprios pais. Os dois saíram de cidades rurais antes de se estabelecerem em centros urbanos e essa migração foi marcante para ambos. “Sempre tive na minha família essa questão de como o lugar de origem nos define e essa sensação que enxerguei no meu pai de não pertencimento, não sendo totalmente da cidade, mas também não fazendo mais parte do campo. É uma sensação abstrata, mas queria representar em um filme com duas partes, uma da pessoa que sai do campo para a cidade e outra com aquele que deixa a cidade para ir para o campo”, conta Juliana. O pai da diretora faleceu pouco antes da produção e ela elaborou uma parte desse luto desenvolvendo a história de uma de suas personagens. “CIDADE; CAMPO” foi filmado na cidade de São Paulo na zona rural do Mato Grosso do Sul.
As três atrizes principais - Fernanda Vianna, Mirella Façanha e Bruna Linzmeyer - são parte de uma equipe majoritariamente composta por mulheres. Dentro da narrativa, a diretora escolheu o ponto de vista de mulheres por perceber “que entendemos muito da sociedade vendo ela sob uma perspectiva feminina”. Por um motivo semelhante, a escolha de profissionais por trás das câmeras também se deu em direção a artistas mulheres, transgêneros e não-binárias. “Eu achava importante tê-las, especialmente para funções que criam as imagens um olhar que fugisse da norma masculina cis”. O filme tem estreia prevista nos cinemas no dia 29 de agosto.
TERROR E FANTASIA
O cinema de Juliana é marcado por elementos do terror e até da fantasia. Em “CIDADE; CAMPO”, por exemplo, ela reflete o período de inseguranças de bastidores na história, criando um clima de fim de mundo. Com as mudanças climáticas e avanços de uma política de extrema direita no poder, pontua a cineasta, o filme continua atual. “Ele é muito construído sobre a ideia de como existir e sobreviver nesse mundo.” Já em “As Boas Maneiras” a diretora e roteirista constrói um drama que envolve diferenças de classe social e mescla com o horror sobrenatural. Ela confessa que o gosto não vem só de outras referências no cinema, mas da literatura fantástica e dos causos contados pelos familiares. Fantasmas, lobisomens e outras lendas faziam parte das histórias que ela ouvia. “Eu gosto muito do potencial de metáfora e de alegorias dessas histórias. Podemos falar de diversos sentimentos complexos através do fantástico e usar o horror para trazer reflexão. Muitas vezes o gênero do horror e da fantasia nos ajudam a processar uma realidade que é muito dura”, analisa ela.
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