O ativo senhor de 84 anos tem oito livros publicados e deve lançar mais dois ainda este ano (Diogo Zacarias)
A paixão pelos livros arrebata muitas pessoas. Pela lógica, ter esse apego é uma característica fundamental de quem dirige instituições relacionadas à literatura, mas para o presidente da Academia Campinense de Letras (ACL), Jorge Alves de Lima, é algo ainda maior. Além de ajudar a preservar o passado e valorizar o presente, é preciso pensar na literatura do futuro.
O ativo senhor de 84 anos tem oito livros publicados - e deve lançar mais dois ainda este ano -, escreve para o Correio Popular, vive antenado com os movimentos culturais que acontecem no Brasil e no mundo e nem pensa em parar. Além dos encontros mensais da entidade, ele faz questão se movimentar para ajudar a despertar o interesse das novas gerações pelos livros.
Jorge elogia a participação feminina no universo da literatura e acredita que é preciso olhar para todas as vertentes e formatos. Também se orgulha por ser um dos representantes do Brasil no Prêmio Camões de Literatura, que engloba textos brasileiros, portugueses e de demais países de língua portuguesa. “O fundador da Academia, Francisco Ribeiro Sampaio, era apaixonado por “Os Lusíadas”, de Camões. Mal sabia ele que um dia a instituição que fundou teria um representante brasileiro no Prêmio Camões”, afirma.
Quando não está lendo ou envolvido com o seu trabalho, gosta de ouvir música – popular e clássica são os seus estilos preferidos – em CD, vinil e até no Youtube. Entre uma atividade e outra, aconteceu a nossa conversa em uma ampla sala da ACL.
Qual é o cenário da literatura em Campinas?
Campinas está ocupando um bom espaço na literatura brasileira, com trabalhos extraordinários. Temos escritores e escritoras de alto nível, que não retratam apenas as situações da cidade, mas também o aspecto universal. Eles são ativos e têm surgido novos talentos. A literatura nunca morre. Falando um pouco de história, no século 19, tivemos aqui a escritora Júlia Lopes de Almeida, que foi uma das mentoras da Academia Brasileira de Letras. Porém, na formação da instituição, Machado de Assis e outros escritores não quiseram que ela se tornasse imortal por ser mulher.
E aqui, como é a representatividade feminina?
É muito equilibrada. Sempre tivemos grandes escritoras. Eu começaria citando Cecília Prada, que além de escritora é uma grande jornalista – até ganhou um Prêmio Esso de Jornalismo. Outro nome é Ana Maria Melo Negrão, que escreveu “Asilo de Órfãs” entre outros livros. Temos Vera Pereira, Nilze Goraieb, que escreve livros infantis, Dulce Braga, uma escritora angolana que mora em Campinas. Temos ainda Célia Siqueira Farjallat, que escreveu no Correio, a professora Isolde Helena Brans, Maria Lúcia Gurgel, Regina Márcia Moura Tavares, Ivanilde Baracho de Alencar e Maria Conceição Arruda Toledo, entre outras. Aliás, quando foi fundada a Academia, a Conceição lutou para que uma mulher fizesse parte. Nos anos de 1960, ela conseguiu esse feito e indicou Maria José Morais Pupo Nogueira. Na época, isso rendeu muitos debates e a Conceição veio depois a ser integrante da Academia.
Hoje, como está a composição da ACL?
São 40 membros, mas considerando os atuantes, somos 26. Só nessa pandemia perdemos cinco membros (Luiz Carlos Cândido Martins Sotero da Silva, Rubem Costa, José Roberto Martins, professor Alexandre dos Santos Ribeiro e João Plutarco Rodrigues Lima).
Quais as características essenciais de um escritor?
A sensibilidade é fundamental para captar as energias, o meio em que se vive, a sociedade, as pessoas, os estágios da vida. O escritor tem que refletir a realidade em que vive em sua obra e isso é possível tendo sensibilidade. Isso vai servir de pistas para o futuro. Daqui a 80 anos um historiador poderá encontrar detalhes sobre épocas passadas nos livros. Mas, os jornais também são igualmente importantes. O Correio, por exemplo, é a história viva da cidade desde 1927. Nos documentos oficiais, não há detalhes. Nos livros e jornais, sim. Quando escrevi sobre Carlos Gomes, por exemplo, fiquei impressionado com fatos que se não fosse o jornalismo, teriam passado despercebidos. Um deles é que na missa de corpo presente de Carlos Gomes na capital do Pará, que aconteceu na Catedral da Sé de Belém, entrou um rouxinol que pousou na cruz e cantou. Encontrei essa informação numa edição dA Província do Pará da época. Nunca nenhum historiador tinha percebido isso e o repórter foi quem registrou. Aqui em Campinas, no sepultamento, a cena se repetiu com um canário da terra.
O que os escritores campineiros mais trabalham?
Por aqui é bem equilibrado. Campinas sempre foi um celeiro da cultura e a ACL é um núcleo central dessa cultura. Nossa cidade também tem muitos poetas. Começou com Bento Quirino, Francisco de Lima dos Santos e Guilherme de Almeida e hoje tem o clube dos poetas, que inclui alguns anônimos, mas que escrevem muito bem.
O que a academia tem promovido para valorizar a produção de Campinas?
A pandemia atrapalhou muito os nossos planos. Fizemos uma reforma na sede para corrigir um problema de vazamento. Seguimos com as sessões literárias e agora a casa está bem movimentada com as visitas das escolas para verem a exposição dos 95 anos do Correio Popular. Eu vejo a Academia como uma motor para alavancar a cultura, sobretudo nas escolas periféricas. Queremos que as crianças aprendam a amar os livros, se formem leitores e entre elas surjam novos escritores e poetas.
Como o senhor vê o futuro da literatura em Campinas?
Acho que o trabalho das escolas, os institutos, academias, o Centro de Ciências, Letras e Artes e todas as entidades culturais são o núcleo principal de produção da literatura no futuro.
O que o senhor acha dos novos escritores que estão se destacando no cenário nacional?
O Brasil sempre teve grandes escritores. Começou com Machado de Asis, José de Alencar, depois Jorge Amado, Carolina Maria de Jesus, que é um exemplo de sensibilidade e de como transmitir sua mensagem. O talento é fundamental.
E quem tem o talento, qual é o melhor caminho para começar?
Recomendo pegar o seu material bem escrito e procurar uma boa editora. Hoje quem paga o livro é o próprio escritor. Ele é um cliente. Para as editoras, está difícil financiar os autores, mas isso não pode desmotivar as pessoas. Pelo contrário. O que precisa é querer fazer! Se não der certo com a primeira editora, procura outra.