A tradicional troca de artes entre pessoas de diferentes locais, gratuitamente e via Correios, volta a ganhar espaço em Campinas com oficina e convocatória
O artista João Bosco está incentivando a prática da arte que circula via postal por meio de oficinas gratuitas e uma exposição com participação internacional (Alessandro Torres)
Um envelope ilustrado com desenhos e símbolos revela que dentro está uma obra de arte, de criação pessoal, artística e livre, que pode correr o mundo, mas não pode ser comercializada. A prática de trocar artes na forma de correspondência surgiu na década de 1960, entre artistas plásticos americanos que resolveram se expressar livremente e sem barreiras, criando a modalidade de arte postal (do inglês ‘mail art’). Essa vertente chegou a ser usada como protesto à censura no Brasil durante a ditadura militar. Campinas já foi bastante atuante nessa prática, inclusive sediando exposições internacionais nos anos 1990. Agora, a arte postal vem sendo retomada com o incentivo de oficinas e com uma convocatória internacional.
Até 28 de setembro artistas brasileiros e de outros países podem enviar suas artes para Campinas, onde será realizada, em novembro, uma Exposição Internacional. A temática é a "Sala dos Toninhos, espaço de sonho", sediada na Estação Cultura, cujo nome homenageia três Antônios: o maestro e compositor Antônio Carlos Gomes; o Toninho escravizado que ouviu o boi falar; e o Toninho (Antonio da Costa Santos) arquiteto, que entrou na política, virou prefeito e foi assassinado. Como a convocatória já foi divulgada há alguns meses, artistas da Espanha, Grécia, Alemanha e Estados Unidos já atenderam, enviando suas criações.
O responsável pela iniciativa é o artista João Bosco, que desde março ocupa o local com oficinas patrocinadas pela Funarte, para cursos de Iniciação a Monotipia, Colagem e Arte Postal. São aulas abertas e gratuitas, destinadas a quem tem interesse de conhecer e se iniciar nas artes plásticas, inclusive pessoas em tratamento de saúde mental. O curso de Arte Postal terá início em outubro e prevê aulas todas as sextas-feiras até novembro, das 14h às 17h, no espaço paralelo à Sala dos Toninhos, na Estação Cultura. São 30 vagas destinadas a maiores de 16 anos e interessados podem se inscrever gratuitamente pelo linktr.ee do instagram @culturavivacampinas ou @saladostoninhos.
O artista autodidata João Bosco trabalha com o processo de resgate: das artes, das pessoas, das memórias. Em Campinas ele desenvolveu um significativo trabalho de ateliê no serviço de saúde Cândido Ferreira, com os frequentadores conquistando premiações relevantes. "Essas atividades usam como metodologia a prática do encontro e a percepção de linguagens e poéticas individuais, onde as conexões se fazem. Deste modo, o exercício se torna crítico e de sensibilização, pois é ousar buscar ferramentas para conscientizar-se do que percebe de si e do mundo, e traduzir esse entendimento em imagens", explica o artista ao falar sobre as oficinas.
Ele conta que escolheu a Sala dos Toninhos como tema da convocatória por ser um espaço que "celebra a liberdade da arte que se move, grita, age, que não se desmancha no cinza, mas com sangue abre o caminho que reverbera. A Sala dos Toninhos é o espaço para receber a arte postal homenageando todos os Toninhos de ontem e hoje, que trilham seus sonhos", diz.
UMA ARTE LIVRE
A arte postal tem como característica a troca de manifestações artísticas sem comércio, democrática e popular, podendo ser realizada por qualquer pessoa. Para participar, é preciso atender alguma convocatória que é emitida por grupos em diferentes locais em todo o mundo. Geralmente as convocatórias estipulam tamanho e tema, mas a técnica é livre. Podem ser feitas colagens, pinturas, fotos, desenhos, aquarelas ou usar qualquer outra técnica. Não há jurados e nem censura, é livre criação, só não pode vender.
No início da criação, a arte postal foi usada como alternativa para os artistas veicularem seus trabalhos fora das galerias, além de permitir a troca entre países, inclusive durante a Guerra Fria. No Brasil, a partir de 1980, se tornou mais presente em universidades e museus, e conquistou novos interessados. Algumas pessoas usam cartas ilustradas, envelopes decorados, cartões postais, objetos tridimensionais, entre outros. E alguns até criam carimbos personalizados para identificar suas artes.
PROTESTO CONTRA AS TARIFAS
Quando o Correio Postal é o canal usado para a troca de manifestações artísticas, a tarifa para enviar as cartas acaba sendo, muitas vezes, um fator limitante por conta dos valores cobrados, principalmente nas remessas para o exterior. Nesse sentido, vários grupos estão fazendo uma campanha mundial pelo Facebook por uma tarifa diferenciada para a remessa de artes postais, coordenada pela artista italiana Maya Lopez Muro. Durante a pandemia, a troca de artes foi feita temporariamente pela internet, mas depois retomou as postagens.
PROGRAME-SE
Convocatória de Arte Postal
Tema: ‘Sala dos Toninhos, espaço do sonho’ Tamanho: 10x15cm Técnica: livre
Prazo de envio: até 28 de Setembro
Endereço postal: Sala dos Toninhos (a/c Everaldo Cândido), Rua Mestre Tito, 62, Vila Industrial
CEP: 13035-400 - Campinas/SP - Brasil