Contação de histórias, músicas e animações são usadas pelos educadores para quebrar estereótipos (Natt Fejfar)
A ancestralidade indígena está no cotidiano dos brasileiros, seja ao comer uma pamonha, ao comentar sobre o caipira, ao ler uma placa indicando os caminhos para Piracicaba, Atibaia e muitas outras cidades. Entretanto, embora as raízes desses povos estejam em nosso DNA, sua presença é quase invisível. Somente em Campinas, existem hoje cerca de 40 etnias indígenas registradas, mas pouco se sabe sobre elas. Para tirar a invisibilidade e os estereótipos que cercam essas pessoas, o coletivo Kurumi tem trabalhado, produzindo materiais didáticos para orientar professores sobre como abordar o tema junto às crianças.
Laura Baldassin Tomé, 30 anos, nasceu e mora em Valinhos e, embora tenha a ancestralidade paterna do povo Puri (já extinto), somente foi batizada com o nome indígena de Aiyra (que significa "filha") em 2022, depois de se reconectar com suas origens nos anos em que morou na Bahia e em Alagoas. Ela é formada em Artes Cênicas pela Unicamp e hoje integra o coletivo Kurumi, criado em 2021 para apoiar os professores. "Os materiais didáticos atuais ainda mantêm a figura do indígena como uma pessoa amazônica, cabelo tigelinha, que anda pelado pelas matas, sem acesso à tecnologia ou recursos urbanos", relata Aiyra.
Com palestras e oficinas nas escolas, o projeto Kurumi é todo feito por voluntários e já rendeu apostilas didáticas em formato e-book para professores, animações em 2D com temáticas indígenas, músicas do álbum "Kurumi d'aldeia", a criação de materiais educativos e o desenvolvimento de jogos de tabuleiro, cartas e plataformas online. Aiyra conta que o público-alvo são crianças de 2 a 10 anos e, indiretamente, suas famílias. “Estamos buscando expandir para todos os níveis educacionais e o financiamento dos projetos é feito via venda de apostilas."
As apostilas e guias já beneficiaram mais de 150 educadores e 4.500 alunos indiretamente, "mas ainda há resistência por parte de alguns educadores, que se mostram relutantes em alterar suas percepções sobre esses povos", comenta.
O coletivo está em processo de formalização como Organização da Sociedade Civil (OSC), uma entidade sem fins lucrativos, e é formado por indígenas e educadores indigenistas voluntários. "Isso é crucial porque precisamos recontar a história de maneira justa e verdadeira", diz Aiyra, que precisou recorrer diretamente às fontes, consultando bibliografias dos próprios povos indígenas para produzir esses materiais. A ideia da entidade é ser uma ponte entre os educadores e as culturas indígenas.
Eles contam que, apesar de o Brasil ter hoje 305 etnias e 274 línguas indígenas, esses ainda são povos invisibilizados. Além da produção dos materiais de apoio educacional, o coletivo pretende "engajar comunidades indígenas na produção literária e capacitá-las tecnicamente na criação de animações em 2D, e na utilização de mídias digitais de forma crítica e criativa, com a produção de conteúdo que desconstrua estereótipos.
Com educadores voluntários em várias regiões do Brasil, a produção dos materiais didáticos conta com o trabalho da arte-educadora Aiyra Laura Tomé, a educadora Natalia Vieira, o ilustrador e quadrinista Kuriporã que também é designer de jogos, o ilustrador e historiador Leo Alves e o profissional de marketing Victor Martins. Essa equipe produziu em abril de 2024 uma coleção de três apostilas com a temática "Como abordar temas indígenas na escola: um guia teórico prático de educação para as relações étnico-raciais".
As informações sobre o projeto estão no Instagram @kurumi.ere, no site www.projetokurumi.com ou pelo e-mail kurumiarte@gmail.com