Sabe aquela cena dos desenhos animados em que o cheiro da comida sobre o fogão “captura” os personagens e os faz flutuar? É mais ou menos assim que muitas pessoas se sentem ao passar por locais onde tem bolo saindo do forno. O aroma atiça o estômago e ativa a memória afetiva (relacionada a sabores, cheiros, vozes e músicas), trazendo à tona lembranças da infância. Afinal, quem nunca raspou a vasilha onde a massa foi preparada ou pediu para a avó uma fatia ainda quente? Passar o dedo para “roubar” um pouquinho da cobertura sem ser surpreendido pelos adultos, então, era quase obrigatório.
O fato é que preparar bolos em casa envolve muito mais do que misturar farinha de trigo, ovos, leite, açúcar, fermento e algum outro ingrediente que dá sabor peculiar à versão favorita. 4 Para alguns, chega a ser quase um ritual que envolve a transmissão de conhecimento de uma geração para outra e a manutenção de uma saborosa tradição, que tem seguidores fiéis como o pequeno Mateus de Freitas Branco. Para comemorar seu quinto aniversário, em agosto do ano passado, ele pediu para a mãe, Leila Lemes Branco, um bolo de cenoura. Nada de receitas incrementadas, com coberturas, recheios e decorações mirabolantes.
Para atender ao pedido do filho, Leila recorreu à boleira oficial da família, a tia Sonia Maria Leme Andreatta. “Ela sempre fez nossos bolos de aniversário, cresci ganhando dela esse delicioso presente. Para mim, não há bolo melhor que os da tia Sonia”, garante. Além das receitas preparadas para datas especiais, Sonia faz no dia a dia o “bolo à toa”, simples, sem recheio nem cobertura, servido a quem aparece para uma visita. “O Mateus adora me ajudar na cozinha, até sabe como quebrar os ovos direitinho. Quando o bolo vai para o forno, ele não vê a hora de ficar pronto e quer ser o primeiro a provar”, diz Sonia.
Foto: Edu Fortes/AAN Ajuda antes de se lambuzar: Mateus de Freitas Branco com a tia Sonia Maria Leme Andreatta em ação na cozinha e provando - e aprovando - o resultado
E se bolo de tia já é irresistível, imagina o da vovó... Maria Filomena Bischof da Silva costuma preparar o de cenoura com cobertura de chocolate para os netos e, mesmo que eles não estejam em sua casa na hora em que a receita sai do forno, ela faz questão de dividir a guloseima em porções iguais. “Separo uma parte para todos e ligo para que venham buscar Se faço para um e o outro não come, fica com ciúmes”, comenta. Até quem entrou depois para a família já tem seu bocado reservado. “O marido da minha neta já garantia a porção dele desde quando namoravam.”
Mãe de um casal, Maria diz que os três netos foram os mais privilegiados com seus bolos caseiros. Na época em que os filhos eram pequenos, ela preparava as delícias na padaria da família e não tinha muito tempo para fazê-los fora do expediente. “Hoje tenho mais tempo livre e, geralmente, faço o bolo de cenoura, o preferido das crianças”, informa. Detalhe: as “crianças” têm 32, 28 e 15 anos.
Foto: Rodrigo Zanotto /Especial para AAN Maria Filomena Bischof da Silva e o bolo de cenoura feito para os netos: Separo uma parte para todos e ligo para que venham buscar. Se faço para um e o outro não come, fica com ciúmes
Bolo de cenoura da vó Maria
INGREDIENTES
MASSA
3 ovos
3 cenouras grandes
2 xícaras (chá) de açúcar
2 xícaras (chá) de farinha de trigo
½ xícara (chá) de óleo
1 colher (sopa) de fermento
COBERTURA
8 colheres (sopa) de achocolatado em pó
4 colheres (sopa) de açúcar
½ colher (sopa) de manteiga
3 colheres (sopa) de leite
MODO DE PREPARO
Bata no liquidificador os ovos, a cenoura, o açúcar e o óleo. Em uma tigela, coloque o trigo e adicione a mistura. Por último, coloque o fermento, mexa e leve para assar. Para fazer a cobertura, leve os ingredientes ao fogo até desgrudar do fundo da panela. Quando o bolo estiver pronto, despeje sobre ele a cobertura.
Bolo da Orly
INGREDIENTES
MASSA BÁSICA
3 xícaras (sopa) de açúcar
3 colheres (sopa) de margarina
3 xícaras (sopa) de farinha de trigo
1 colher (sopa) de fermento
4 ovos
MODO DE PREPARO
Bata o açúcar com a margarina até virar uma pasta. Coloque o fermento e os ovos. Leve ao forno a 230ºC até dourar (cerca de 40 minutos). Com essa massa, é possível fazer sabores como coco, chocolate, maracujá e formigueiro – basta acrescentar o ingrediente desejado.
Foto: Dominique Torquato/AAN Especialista em alta confeitaria, Wagner Bertazzo também aprecia bolos simples, mas com ingredientes diferentes para incrementar a receita
Aceita um pedaço?
Bolo branco, mesclado, de chocolate, laranja, mandioca, cenoura, abóbora, coco, limão, abacaxi, fubá, baunilha, milho, maracujá, amendoim... As variações que a massa ganha durante o preparo são muitas e dependem das preferências de quem irá prová-la. No entanto, algumas características são necessárias para o bolo agradar: ele tem que ser fofinho, saboroso e bem-feito. Com essas qualidades, vira até fonte de renda.
“Eu e minha amiga resolvemos testar uma receita da avó dela. Como ficou gostoso, tivemos a ideia de vender pedaços de porta em porta no condomínio. Um dos mais pedidos, o bolo de milho fazia tanto sucesso que ficamos conhecidas como as meninas do bolo de milho”, conta a universitária Nicole Zuniga, de 18 anos, que começou a se aventurar no ramo aos 12 e por um período contou com a parceria de Helena Roloffi, da mesma idade.
Só que Helena mudou de casa e deixou Nicole sozinha no comando da confeitaria amadora. “No começo, pensei que teria vergonha de vender sozinha, mas, como tínhamos uma clientela fixa, os moradores começaram a pedir os bolos. Continuei preparando as receitas e, sozinha, passei a lucrar mais”, brinca Nicole. Cada pedaço generoso sai por R$ 2,50 e satisfaz os fregueses.
Foto: Rodrigo Zanotto /Especial para AAN As amigas Nicole Zuniga e Helena Roloffi testaram uma receita de família; o resultado foi tão bom que a dupla resolveu vendê-la no condomínio
“Adoro os bolos, mas o de milho é o top. Além disso, acho uma graça ela ter inventado um jeito de ganhar dinheiro com seus dotes culinários ainda tão jovem. Ela contou que, com as vendas, quase nem dá mais despesa para os pais. Pelo menos as baladas estão garantidas”, comenta a gerente administrativa Carla Narciso, uma das consumidoras mais fiéis.
Bem mais experiente do que Nicole, Wagner Bertazzo, proprietário de um ateliê de alta confeitaria em Campinas, também transformou talento em profissão. “Meu primeiro bolo, que não era tão simples assim, foi para o aniversário da minha sobrinha. Ele fez tanto sucesso que as pessoas começaram a encomendar”, conta. Mesmo sendo mestre em confeitos elaborados, ele aprecia bolos simples para o dia a dia, como os de milho, de fubá com goiabada e de laranja.
“Como adoro cozinhar, de vez em quando preparo alguns para a família e os amigos. Gosto de inventar e não sigo uma receita determinada. Incremento as versões simples com ingredientes como cream-cheese e ricota e aposto em combinações para sabores diferenciados. Outro dia, fiz vários bolos desses e distribui para conhecidos. Engraçado é que depois todo mundo queria encomendar”, diz.
Foto: Dominique Torquato/AAN Bolos da Orly e o confeiteiro Daniel Gomes Duarte: produtos da padaria e confeitaria têm gostinho de feito em casa
O mesmo sabor, sem trabalho
Para quem não tem tempo ou talento para a cozinha, a alternativa é recorrer a padarias que oferecem versões bem parecidas com as feitas em casa. Na Panetteria Fratelli, no Jardim das Paineiras, são confeccionados mais de 50 bolos diariamente. Entre os preferidos está o de cenoura com cobertura de chocolate, mas os frequentadores têm à disposição também os de chocolate, coco, banana, laranja e limão, entre outros. “Aqui sempre tem bolo fresquinho, para o café da manhã ou o chá da tarde”, avisa o gerente, Carlos Villar. Na casa, parte das receitas foi desenvolvida pelos proprietários e outras nasceram de testes feitos nos dez anos de funcionamento.
Na Orly, todas as semanas são preparados mais de 250 bolos de chá, boa pedida tanto para o café da manhã quanto para o lanche da tarde. “Elaboramos versões tradicionais, como as de laranja, fubá, cenoura, aipim, milho e chocolate”, informa o confeiteiro Daniel Gomes Duarte.
De onde vem?
Pesquisas apontam que o bolo mais antigo do mundo era egípcio e inicialmente feito com frutas e mel, segundo o livro História da Cozinha Faraônica – A Alimentação do Egito Antigo (Senac). Na Roma Antiga, bolos eram quebrados na cabeça da noiva para desejar sorte e filhos ao casal – esse pode ser um dos motivos para o doce ter se transformado em atração nas festas de casamento, aniversários e batizados. Um dos primeiros bolos trazidos ao Brasil foi o pão de ló, e o hábito de saboreá-lo com café foi trazido pelos portugueses, no século 19, segundo a obra. No livro e CD Receitas Cantadas de Célia e Celma (Senac), as gêmeas Célia e Celma cantam em ritmo de xote uma receita de bolo de banana-nanica que não leva farinha de trigo: “Quer ver como esse bolo é diferente? Você não usa farinha de trigo / Você só usa farinha de rosca e duas xícaras são suficientes / Amasse seis bananas graúdas e uma colher de fermento.”
Foto: Cesar Rodrigues/AAN Na Panetteria Fratelli, sempre tem bolo fresquinho de chocolate, cenoura, maracujá, laranja, coco e formigueiro