Não se deve desistir de um sonho, ainda que seja de vingança. No dia mesmo em que Salvador Allende morreu, em plena resistência em defesa dos votos que o povo chileno lhe deu, aqueles ideologicamente afoitos, imediatamente bradaram que ele fora assassinado por algozes a soldo dos imperialistas yankees. Duvidar como? Mas horas depois, um professor italiano, daqueles de ensinar teatro para Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, acostumado a resguardar seus alunos da sanha da ditadura, me confidenciou, como mandava a discrição daqueles tempos obscuros:— Salvador não foi assassinado; ele se matou, sim. Um comunista de verdade, quando acuado, não se entrega.— Mas professor, não me lembro de nenhum comunista brasileiro que se suicidou. Mataram todos...— Não existe comunista brasileiro... Ou é brasiliano ou é comunista, mio caro!Recentemente, poucos antes das eleições presidenciais no Chile, concluíram que Allende se matou, mio caro. Doze dias depois, foi a vez do poeta Pablo Neruda, dignidade inflexível, parceiro da vida de Allende e de Jorge Amado. No mesmo fragor do golpe, afoitos da foice ideológica, logo culparam os imperialistas. Erraram. A ideologia cega. Não é preciso nem ser burro para perceber que matando ou não o presidente e o poeta, iam enfiar Pinochet no poder do mesmo jeito. Fora da Argentina, a América do Sul não tem vocação para mártir. O único que tivemos, parece, acabam de descobrir que fugiu para a França e enforcaram outro no lugar, um ladrão de nome Isidro Gouveia.Desde que o ditador bufão d. Alfredo Stroessner tomou o poder no Paraguai, falavam que ele abrigava carrascos nazistas. Um deles, Joseph Mengele, era visto pelos inimigos dos yankees apitando partida de futebol; criando vaca com genes de galinha para dar a gemada pronta; burro com gene de vagalume para dar carroça com pisca-pisca... Deu no que deu: o monstro de Auschwitz vivia pacatamente nos confins do bairro de Santo Amaro, em São Paulo.Para encurtar a história, a “Comissão da Verdade”, que teve todo o tempo à disposição para investigar, quer porque quer provar perto da eleição, que JK e Jango foram assassinados, mesmo com a maioria das testemunhas fora do mundo. Mas querem, nem que tenham de ressuscitar os dois.Enquanto isso, esta incômoda pergunta está sem resposta: por que os assassínios dos prefeitos Antônio da Costa Santos, de Campinas, e Celso Daniel, de Santo André, não estão na agenda da Comissão da Verdade? Ambos do Partido dos Trabalhadores, que está no Poder desde que os mataram, não merecem tanta atenção quanto as mortes de Jango e JK. Por que esse silêncio, essa desconversa e esse desinteresse incomodam tanto?O empenho será o mesmo após as eleições? E se descobrirem antes que Jango morreu do coração e JK, de acidente? A revelação também será feita antes ou o Brasil continuará usando mortos como cabos eleitorais? A Argentina ainda cobrará direitos autorais e Getúlio Vargas reclamará direitos de exclusividade.Pregado o poste: “Quem você manda para a forca?”