Campinas dispõe de alguns serviços de atendimento ao idoso, como o Centro Dia, que acolhe pessoas a partir dos 60 anos de idade: “eu convivo diariamente com colegas, mulheres em idade avançada, que me contam sobre situações de negligência em casa”, lamenta Leonice Nunes (Alessandro Torres)
Os casos de violência contra a pessoa idosa estão em alta em Campinas, conforme dados divulgados nesta semana pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Assistência Social. Os números indicam que somente em 2023 foram 224 notificações, o que representa uma elevação de cerca de 35% em relação ao ano anterior, quando foram registrados 165 casos. A Pasta chegou a divulgar 144 registros, mas o Sisnov (Sistema de Notificação de Violência), mantido pela própria administração e base para a divulgação de dados, apontou 21 casos a mais. A Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social admitiu que a diferença entre os dados do sistema e os divulgados anteriormente pela Pasta aconteceu por uma falha interna.
Secretaria atrela aumento a uma maior conscientização
De acordo com o Sisnov, há um aumento expressivo nos últimos três anos, conforme noticiado em reportagem do Correio Popular no ano passado. Os 165 casos registrados em 2022, por exemplo, já são 75% maiores que as notificações de 2021, quando foram 95 casos. Em 2020, foram 84 notificações contra 101 e 104 registros em 2019 e 2018, respectivamente. A pequena queda observada em 2020 e 2021 coincide, no entanto, com os anos mais intensos da pandemia de covid-19, que causaram uma subnotificação acerca de diversos tipos de violência.
O aumento da violência preocupa o município, embora a secretária de Desenvolvimento e Assistência Social, Vandecleya Moro, considere que a conscientização tem levado mais pessoas a denunciar. Neste mês, a administração promove a campanha "Junho Violeta", com objetivo de conscientizar sobre a violência contra o idoso. O slogan da campanha deste ano é "Superando Desafios. Construindo nosso amanhã!". Já a psicóloga Ana Silvia Rennó, da faculdade São Leopoldo Mandic, avalia que isso pode causar um aumento de doenças ligadas ao mal-estar emocional, como depressão e ansiedade, nos idosos.
PERFIL
Conforme os dados de 2023, a maior parte das vítimas tem entre 60 e 69 anos, ou seja, entrou há pouco tempo na faixa etária considerada idosa pela lei - a partir dos 60 anos. Esse recorte enquadra 49% das vítimas. Outros 36% têm idade entre 70 e 79 anos, restando 15% com 80 ou mais.
Na distribuição por regiões do município, os casos são preponderantes na região leste (57 casos), seguida por região sul (56), norte (50), noroeste (37) e sudoeste (24). As duas regiões que lideram são, conjuntamente, as que possuem maior população idosa da cidade.
Não há estratificação por sexo nas estatísticas de 2023, porém, 67% das vítimas em 2022 eram do sexo feminino e 33% do masculino. Em 2024, os dados foram contabilizados até abril e revelam 68 casos, equivalente a 30,36% do total do ano passado. Para a secretária Vandecleya Moro, cuja pasta é responsável por políticas voltadas a essa população, o aumento se justifica por uma suposta maior conscientização da população, que reflete em maior número de denúncias. Ela admite, no entanto, que o fenômeno é preocupante.
A secretária destaca que são quatro os tipos mais comuns de violência contra a pessoa idosa: patrimonial, psicológica, física e negligência - quando se nega cuidado ao ente familiar. “A maioria dos casos se apresenta como negligência, de familiares que ignoram as necessidades do idoso. Nós tentamos sempre sensibilizar a família antes de tomar qualquer medida de acolhimento, pois é importante para a pessoa idosa estar perto da família”, diz Vandecleya.
Enquanto os casos de negligência são os mais frequentes, as violências físicas e psicológicas aparecem na sequência. A maior parte dos casos é protagonizada por filhos, seguida por "outros" (que pode ser, por exemplo, um cuidador), cônjuge, a própria pessoa e indivíduos com relação familiar. O recorte refere-se a autores não identificados.
DOR INSUPERÁVEL
Aos 72 anos, Leonice Nunes relembra dos anos dedicados a cuidar de famílias devido à sua profissão antes da aposentadoria, voltada ao serviço doméstico. Hoje, vivendo sozinha e acometida por intensas dores na coluna, precisa de apoio diário para realizar suas atividades, mas ressalta que nenhuma dor supera as da violência que acomete colegas da mesma idade.
“Eu convivo diariamente com colegas, mulheres em idade avançada, que me contam sobre situações de negligência em casa. Elas choram ao se lembrar de todos os cuidados praticados com os filhos que hoje sequer dão atenção, e isso é muito triste. É péssimo saber que esses atos são cada vez mais comuns”, conta a idosa, com lágrimas nos olhos.
Leonice frequenta quase todos os dias o Centro Dia, serviço de acolhimento oferecido pela Prefeitura. No local, ela interage com outros idosos e se beneficia das refeições, serviço de fisioterapia, massagem e outras atividades recreativas. “As pessoas poderiam ter mais empatia com o idoso, lembrar que nós contribuímos tanto com a sociedade, cuidamos dos filhos e agora somos nós que queremos carinho, cuidado e interação”, complementa.
Nadir Santos, 71 anos, compartilha do pensamento de Leonice. Aposentada, ela teme que cada vez mais os jovens percam o carinho com o idoso. “Hoje em dia parece que tudo é muito superficial. A tecnologia colocou todo mundo em frente ao celular, mas nós, idosos, somos como crianças. Gostamos do abraço, da prosa, do contato, e tudo isso parece que está se perdendo. Ao meu ver, contribui para uma geração cada vez mais fria e, consequentemente, mais violenta”, pontua.
CONSEQUÊNCIAS
Segundo a psicóloga Ana Silvia Rennó, os atos de violência têm como consequência a piora da saúde emocional dos idosos. “Atos de violência, como insultos, desvalorização e ridicularização, podem minar a autoconfiança e a autoestima do idoso, além de potencializar a ansiedade e depressão. Outro ponto relevante: muitos idosos, ao experienciar violência, tendem a se isolar para evitar novos abusos. Esse isolamento pode resultar na diminuição do suporte social, o que é crucial para a saúde emocional.”
A psicóloga explica que os cuidados voltados aos idosos devem incluir atividades com foco na promoção de estratégias que envolvam os aspectos psicológicos, social e espiritual. “Atividades físicas regulares, estimulação cognitiva (leitura, quebra-cabeças, caça-palavras), conexões sociais (participar de atividades em grupo em igrejas, clubes, praças). Cuidar da alimentação e garantir que o idoso se sinta seguro onde vive são alguns exemplos.”
JUNHO VIOLETA
Segundo a Prefeitura, durante a campanha do Junho Violeta será trabalhada a sensibilização em relação aos tipos de violência, como reconhecer os sinais, como se proteger e onde denunciar esses casos. Adicionalmente, a campanha atua divulgando os direitos das pessoas idosas. A campanha Junho Violeta foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa em 2006.
Atualmente, Campinas dispõe de alguns serviços de atendimento ao idoso, como os Centros de Referência de Assistência Social (Cras), os Centros de Referência Especializado de Assistências Social (Creas), além dos serviços de alta complexidade, das instituições de longa permanência para idosos (ILPIs) e do Pop Rua, para aqueles que estão em situação de rua.
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