Os períodos de estiagem previstos para a Primavera deverão impactar a produção de alimentos, como as hortaliças, o que refletirá no preço ao consumidor (Cedoc)
Muita água, sorvete, sucos, água de coco (e por que não também aquela cervejinha bem gelada no fim de tarde?), ar-condicionado, ventilador, chapéu, boné e protetor solar serão necessários nos próximos meses. A Primavera, que chega oficialmente às 3h50 deste sábado, 23 de setembro, promete ser quente, muito quente. As previsões de temperaturas nas alturas têm um “culpado” principal: o El Niño, um fenômeno natural que é caracterizado pelo aumento da temperatura do Oceano Pacífico. Este “menino”, que já bagunçou o clima em outros anos, chega mais uma vez trazendo consequências, entre elas o calor intenso.
Por isso, a estação das flores está ganhando um novo apelido: “Primavera de fogo”, já que o calor intenso e a seca são, juntos, propícios às queimadas. A região de Campinas está classificada como área de observação e de atenção, mas o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) considerou em nível de alerta 546 municípios brasileiros e mais 493 localidades em alerta alto. No Sudeste, o norte de Minas Gerais é o mais crítico.
Isso não significa tranquilidade na Região Metropolitana de Campinas (RMC), onde as temperaturas nos meses de julho e agosto já ficaram em média 2 a 3 graus acima do chamado normal climatológico, como explica Angélica Prela Pantano, pesquisadora científica na área de climatologia do Instituto Agronômico de Campinas (IAC)/ Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA). “Ainda é cedo para falar como serão os próximos meses, pois o El Niño pode ir perdendo a força, mas acreditamos que esse padrão de 2 ou 3 graus acima da média permaneça na Primavera”, afirma.
O que tem deixado muitas pessoas preocupadas é o fato de que o efeito mais intenso do El Niño está apenas começando. Segundo a Agência de Atmosfera e Oceanos dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês), estima-se em 95% a probabilidade de o fenômeno se prolongar até fevereiro de 2024, fazendo do Verão ainda mais quente.
Para manter bem-estar, a medicina recomenda elevar o consumo de água e outros líquidos (Alessandro Torres)
Angélica esclarece que o El Niño está consolidado como “moderado” (há três classificações: fraco, moderado ou forte), por isso realmente deve se estender até os primeiros meses de 2024. “Quando o aquecimento das águas do Pacífico é leve, é chamado El Niño fraco, e em nossa região nem sentiríamos as consequências dele, pois esse aquecimento fica mais no Rio Grande do Sul e chega no máximo até o Paraná. Já quando ele é de moderado para forte ou forte, a massa de ar quente avança e chega até o Centro-Oeste, por isso já estamos sentindo aqui”, explica. A estimativa dos meteorologistas é que ele siga na categoria moderado. “O aquecimento está mais estabilizado, mas traz consequências como chuva no RS e vai subindo, causando a falta de chuva aqui, por conta do bloqueio atmosférico por causa dessas massas de ar quente e daí o perigo são os temporais, principalmente aqueles de fim de tarde, pois vem uma massa fria e aqui está uma condição muito quente com um pouco de umidade por conta de pancadas, e vem chuva repentina e causa os temporais. Diferente do Sul, onde tem acontecido os ciclones”, completa.
O IMPACTO NO CULTIVO DE ALIMENTOS
Há dois meses as previsões indicavam chuvas na região de Campinas a partir de 10 de setembro, mas agora nesta véspera de início da Primavera, a previsão já mostra que elas chegarão mais no final do mês ou até no começo de outubro, ou seja, o período de seca foi prolongado. “O ar está seco, e as chuvas são poucas, em forma de pancadas localizadas, insuficientes para derrubar a temperatura em nível regional. Quando passa a chuva, já fica tudo abafado e à noite as temperaturas seguem altas”, diz Angélica. “As previsões indicam uma Primavera mais quente e com pouca chuva”.
Com isso, o impacto no cultivo de alimentos já é esperado. A especialista elenca a cultura do café, de frutas cítricas e das hortaliças como as que devem ser mais afetadas na RMC. “O cafezal, por exemplo, acabou de florescer, precisa de água para a formação do grão. O produtor precisará apostar em irrigação. O mesmo acontece com as hortaliças, que já exigem bastante água, e nessa condição também precisarão de irrigação”, diz.
O calor intenso deve interferir na floração de espécies mais sensíveis às alterações climáticas (Alessandro Torres)
O consumidor deve sentir logo o impacto ao comprar as hortaliças, que pela escassez, devem ficar mais caras. “A rúcula é o principal exemplo”, cita Angélica. Mas não para por aí, as frutas cítricas, sobretudo a laranja, precisam da água das chuvas que costumam vir na Primavera para o chamado “enchimento” do fruto. E na Serra da Mantiqueira o cultivo das azeitonas também deve ser impactado, pois por lá é época de florescimento e em outubro começa a frutificação. “Se tem pouca água, o fruto fica menor e aí ou o produtor tem que usar irrigação e isso encarece o preço final dos produtos. Quem não tem essa possibilidade de manejo, vai produzir menos e com qualidade inferior”, confirma. “O consumidor é quem sempre paga”.
Mas ela alerta que não é algo específico deste ano. Ou vem chuva demais, ou seca prolongada e isso tem acontecido há vários anos. “Essas variabilidades afetam qualquer cultura no campo”. Um levantamento da empresa Swiss Re com dados desde 1970 mostrou que todos os anos com mais perdas relacionadas ao clima se deram a partir de 2004, sendo os piores períodos os anos de 2020, 2021 e 2022. As catástrofes de maior impacto também estão mais diversas geograficamente e em relação ao tipo de evento climático (antes eram mais concentradas em furacões).
O fato de termos tido um inverno com poucas possibilidades para usar botas e casacos, e estimativas de primavera e verão mais quentes, não se deve apenas ao El Niño. “O aquecimento global certamente tem ‘culpa”, pois temos vistos calor extremo, frio extremos e muita chuva em várias regiões do planeta”, ressalta a pesquisadora do IAC.