CONFUSÃO DURANTE GREVE

Unicamp demite professor acusado de ameaçar estudantes com faca

Rafael de Freitas Leão estava afastado desde outubro; reitoria disse que o docente cometeu ‘falta disciplinar gravíssima’

Daniel Rocha/ daniel.rocha@rac.com.br
03/04/2024 às 09:02.
Atualizado em 03/04/2024 às 09:02
Logo após o acontecimento, a vítima (Gustavo Bispo, de azul), o professor e demais estudantes que presenciaram o ocorrido compareceram ao 1º Distrito Policial de Campinas: advogado de Bispo afirmou que processo em âmbito judicial aguarda por novas oitivas (Alessandro Torres)

Logo após o acontecimento, a vítima (Gustavo Bispo, de azul), o professor e demais estudantes que presenciaram o ocorrido compareceram ao 1º Distrito Policial de Campinas: advogado de Bispo afirmou que processo em âmbito judicial aguarda por novas oitivas (Alessandro Torres)

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) demitiu o professor do IMECC (Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica), Rafael de Freitas Leão, acusado de agredir o estudante Gustavo Bispo, com uma faca em mãos, em 3 de outubro do ano passado. A medida foi publicada na edição desta segunda-feira, dia 1º, do Diário Oficial do Estado de São Paulo. Ele ocupava o cargo há 16 anos.

A agressão ocorreu durante uma greve realizada por alunos da Universidade. A demanda era por melhores condições para a educação e os estudantes protestavam contra privatizações. O docente foi afastado de suas atividades logo após o episódio. 

Assim que foi publicada a demissão no Diário Oficial, a Reitoria da Unicamp divulgou uma nota dizendo que a decisão “foi tomada com base no relatório final da Comissão Processante Permanente que analisou o caso, referendado posteriormente pela Procuradoria Geral da Universidade”. O entendimento foi que Leão cometeu "falta disciplinar gravíssima", de acordo com diversas disposições estabelecidas pelo Estatuto dos Servidores da instituição.

O documento diz ainda que “o processo na Comissão Processante Permanente transcorreu conforme determinam as regras internas da Universidade, garantindo ao docente todas as possibilidades de exercer a sua ampla defesa”.

ÂMBITO JUDICIAL

Agora, além do processo administrativo ocorrido na Unicamp, há outro que acontece em âmbito judicial. De acordo com o advogado de Gustavo Bispo, Allan Cassoli, já houve uma primeira audiência de conciliação. Nela, o Ministério Público Estadual reconheceu a inversão dos polos da ação, em virtude de, à época dos fatos, o Boletim de Ocorrência (B.O.), realizado no 1º Distrito Policial de Campinas, ter trazido o professor como vítima de lesão corporal e incitação ao crime e o estudante como autor.

Esta ação teve início no Juizado Especial Criminal (JECRIM) e agora corre na 5ª Vara Criminal de Campinas. “A Dra. Adelaide (Albergaria) e eu fizemos o levantamento de todos os relatórios da Unicamp e constou verificado que os alunos são, de fato, as vítimas. O processo agora está aguardando novas oitivas de quem esteve envolvido no evento, como os seguranças da Universidade”, explica Cassoli.

Sobre a demissão de Leão, ocorrida ao final do processo administrativo da Unicamp, ele afirma acreditar que aconteceu, primeiramente, por causa da luta dos alunos que "não baixaram a cabeça em nenhum minuto". Ele acrescenta que, agora, é preciso aguardar o desenrolar do processo penal "para que se consiga esclarecer tudo da melhor maneira possível".

RECURSO

A partir da publicação no Diário Oficial do Estado, Leão conta com trinta dias de prazo para recorrer da decisão da Comissão Processante Permanente. Segundo Affonso Pinheiro, advogado de Rafael de Freitas Leão no âmbito do processo administrativo da Unicamp, a ideia é ir até a última instância.

Ele explica que “a primeira instância seria um pedido de reconsideração da decisão (proferida anteriormente) ao reitor Antonio José de Almeida Meirelles com base em alguns fundamentos que serão propostos nesse recurso. Ele poderá reformar a sua decisão ou mantê-la. Se ele a mantiver, esta terá que ser submetida ao Conselho Universitário (Consu). Se este também mantiver a decisão, então a última instância será o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). E nós vamos percorrer todas as instâncias caso essa decisão seja mantida, porque nós entendemos que a pena aplicada foi exacerbada. Foi totalmente desproporcional ao que aconteceu e totalmente alijada das provas que foram feitas no processo”.

Pinheiro completa dizendo que “(Leão) já tinha passado por um episódio semelhante no ano de 2016 quando os alunos deflagraram uma greve dentro da Unicamp. Alunos que não pagam faculdade, que são sustentados pelo Estado e pelos impostos, e que fizeram greve com uma pauta que não tinha absolutamente nada a ver com a vida acadêmica. Agora, nesse episódio de 2023, a mesma situação se repetiu. Ele foi impedido de dar aula e, de certa forma, foi até agredido”.

Sobre a ação em âmbito judicial, da qual ele não é o advogado responsável, e sim José Pedro Said Junior, Pinheiro explica, como já mencionado, que ela foi impetrada em razão do Boletim de Ocorrência que foi elaborado no dia dos fatos e da instauração do inquérito policial, onde o professor constou como vítima e não como agressor. 

“Nesse processo houve a intervenção de duas deputadas, uma estadual (Mônica Seixas) e uma federal (Sâmia Bonfim), além da vereadora Mariana Conti, daqui de Campinas, (todas filiadas ao PSOL), que pediram providências ao Ministério Público para que processasse o professor, por elas entenderem, absurdamente, que houve, inclusive, tentativa de homicídio da parte dele, coisa que é totalmente díspar daquilo que está comprovado por perícia dentro do processo. Inclusive, o processo saiu do JECRIM para uma vara criminal comum justamente por conta da intervenção das deputadas”, completa Pinheiro.

O advogado José Pedro Said Junior, representante de Rafael de Freitas Leão no âmbito do processo judicial que corre na 5ª Vara Criminal de Campinas, foi procurado, mas até o fechamento desta edição não havia enviado posicionamento a respeito do assunto.

HISTÓRICO

Em 3 de outubro do ano passado, de acordo com o Diretório Central de Estudantes (DCE) da Unicamp, os alunos decidiram iniciar uma paralisação e um grupo foi comunicar ao professor Rafael de Freitas Leão sobre a decisão, pedindo para que todos saíssem da sala de aula.

Bispo, então diretor do DCE, disse, à época dos acontecimentos, que o docente teria reagido de forma violenta. O estudante alegou que o professor foi para cima dele e de um colega com uma faca, que possuía uma lâmina de 20 centímetros, e teria tentado esfaqueá-lo. Neste momento, Gustavo disse ter usado uma mesa para se defender, conseguindo fugir. Leão teria ainda jogado spray de pimenta no rosto de alguns estudantes.

De acordo com o B.O., o professor disse ter sofrido ameaças de alunos em 2016, e que, por isso, carregava um spray de pimenta e faca para se defender. Ele afirma que, ao chegar à Unicamp pela manhã, teria visto um grupo de alunos se aglomerando na entrada da sala, tendo sido abordado por Bispo. A alegação do professor foi que o estudante o empurrou e disse que ele não daria aula em decorrência da paralisação.

Neste momento, o professor teria pegado a faca e o spray de pimenta, com o estudante tendo se afastado e ele guardado os objetos, porém muitos jovens teriam se aglomerado e avançado contra ele. Somente a partir desta situação que o spray de pimenta teria sido utilizado.

Após os acontecimentos, todos foram levados para o 1º Distrito Policial, na região central de Campinas. No dia seguinte, 4 de outubro, a universidade afastou o professor de suas funções e anunciou a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar que viria a ser conduzido pela Comissão Processante Permanente da Unicamp.

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