Agentes de saúde aplicam nebulização contra a proliferação do mosquito causador da dengue em residência; a Secretaria de Saúde confirmou 120.278 casos da doença no período de 1˚ de janeiro e 4 de novembro, com 80 óbitos confirmados, configurando a pior epidemia da dengue na cidade (Alessandro Torres)
Um aumento de apenas 1˚C na temperatura média pode desencadear um crescimento cumulativo de até 40% nos casos de dengue, revela estudo inédito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A pesquisa ganha especial relevância em 2024, ano em que Campinas enfrenta a pior epidemia de sua história, com 120.278 casos confirmados e 80 óbitos, coincidindo com registros de temperaturas sistematicamente acima da média histórica.
Campinas enfrenta a pior epidemia de sua história em 2024.
A investigação científica, desenvolvida pelos pesquisadores Igor Cavallini Johansen, do Núcleo de Estudos de População (Nepo), Bernardo Geraldini, doutorando do Instituto de Economia (IE), e Marcelo Justos, do Centro de Estudos em Economia Aplicada, Agrícola e Meio Ambiente (CEA), analisou minuciosamente os dados de incidência de dengue registrados pela Secretaria de Saúde estadual, cruzando-os com informações meteorológicas do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) no período de janeiro de 2013 a dezembro de 2022.
Os resultados do estudo revelaram uma descoberta surpreendente: contrariando expectativas anteriores, a precipitação pluviométrica não apresentou correlação estatística significativa com a propagação da dengue em Campinas. Em contrapartida, a variação de temperatura mostrou-se um fator determinante no aumento da incidência da doença.
Utilizando modelos estatísticos sofisticados, os pesquisadores mapearam o impacto das variações térmicas na última década. O primeiro modelo demonstrou que um incremento de 1˚C na temperatura média histórica resulta em um aumento de aproximadamente 20% nos casos. Um modelo mais complexo, que considerou múltiplas variáveis climáticas, revelou um cenário ainda mais expressivo: um aumento de 1˚C provoca uma escalada de 16,8% no mesmo mês, seguido de 10,4% no mês subsequente e mais 10% nos dois meses seguintes, totalizando um crescimento de quase 40% na incidência de dengue em apenas dois meses.
Na contramão de estudos anteriores que associavam chuva à proliferação da dengue, a pesquisa de Campinas revelou uma dinâmica complexa. Igor Cavallini, pesquisador do Nepo, destaca um episódio emblemático: em 2015, um ano de severa seca, a cidade registrou sua pior epidemia até então, com 22 óbitos e 65.754 casos. "A escassez hídrica levou a população a armazenar água de forma improvisada, criando ambiente propício para a multiplicação do Aedes aegypti", explica.
O estudo evidencia a temperatura como fator ambiental crucial, mas Cavallini alerta: um único elemento não desencadeia uma epidemia. "A transmissão resulta de uma complexa interação entre três componentes fundamentais: presença do vetor, circulação de um sorotipo específico e existência de uma população suscetível", ressalta. Essa cadeia multifatorial tem provocado epidemias significativas em Campinas, exigindo estratégias de prevenção cada vez mais sofisticadas.
Questionado sobre a possibilidade de aplicar essas conclusões a outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, como febre amarela, chikungunya e zika, o pesquisador foi categórico: "Apesar da similitude do vetor e do potencial de transmissão, não é possível extrapolar diretamente nossos achados". A próxima etapa da pesquisa promete expandir horizontes: aplicar a mesma metodologia em diferentes regiões para compreender as nuances locais da cadeia causal da dengue. "Nosso objetivo central é contribuir para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento mais eficazes e personalizadas", concluiu Cavallini, sinalizando o caráter inovador e pragmático do estudo.
TEMPERATURAS
As projeções climáticas para Campinas revelam um cenário preocupante. Segundo Bruno Bainy, meteorologista do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), as previsões sazonais apontam para temperaturas acima da média até março de 2025, com incremento de 0,5˚C. Embora menos intenso que o registrado em 2024 - quando as variações alcançaram entre 1˚C e 3˚C acima da média histórica - o panorama climático mantém-se alarmante.
"Nossas projeções indicam uma tendência de aquecimento que deve persistir por décadas, até que o planeta encontre um novo equilíbrio climático", alerta Bainy. Essa instabilidade térmica não representa apenas uma questão meteorológica, mas configura-se como um potencial catalisador para a proliferação de vetores de doenças tropicais, especialmente o Aedes aegypti.
SITUAÇÃO
A Secretaria de Saúde confirmou 120.278 casos de dengue no período de 1˚ de janeiro e 4 de novembro, com 80 óbitos confirmados, configurando a pior epidemia da doença na cidade. A pasta reiterou o alerta feito desde 2023 com objetivo de sensibilizar a população para a mitigação do casos e óbitos, afirmando que a melhor forma de prevenção é eliminar qualquer acúmulo de água que possa servir de criadouros para o Aedes aegypti, principalmente em latas, pneus, pratos de plantas, lajes e calhas, mantendo vasos sanitários inutilizados fechados e também a vedação das caixas d'água.
O coordenador do Programa de Arboviroses de Campinas, Fausto de Almeida Marinho Neto, ressaltou que a intensificação do período de calor favorece a proliferação do mosquito, reforçando a importância do descarte adequado de todo material em desuso que possa conter ovos e acumular água, servindo de criadouros. "Separe dez minutos por semana, isso faz toda a diferença para a prevenção e combate à dengue".
Na nota, a secretaria de saúde afirmou que a pessoa que estiver com febre deve procurar imediatamente um centro de saúde imediatamente para diagnóstico clínico, apelando para que a população não banalize os sintomas e também não realize a automedicação, o que pode comprometer a avaliação médica, tratamento e recuperação. As pessoas que estiverem com suspeita de dengue ou com a doença confirmada e apresentarem sinais de tontura, dor abdominal muito forte, vômitos repetidos, suor frio ou sangramentos devem buscar o quanto antes por auxílio em pronto-socorro ou em UPA.
Procurada pela reportagem do Correio Popular, a assessoria de imprensa da secretaria de saúde informou que desde dezembro de 2023 os estoques dos principais insumos usados no tratamento de dengue foram reforçados, a fim de garantir o atendimento dos pacientes na rede municipal de saúde. Com relação ao monitoramento, toda pessoa diagnosticada ou com suspeita da doença, após atendimento no SUS municipal, recebe, via WhatsApp, mensagem disparada pelo chatbot que auxilia a pasta no acompanhamento do paciente. Até o dia 10 de outubro, 46.838 pacientes foram acompanhados, destes, 15.891 foram reencaminhados aos serviços de saúde.
Ainda segundo a assessoria, a Prefeitura criou o Grupo de Resposta Unificada (Gru), que envolve todas as áreas com o objetivo de agilizar respostas e fiscalizações para denúncias que tratam de criadouros. Até 17 de outubro foram visitados 1.410.268 imóveis e 224.582 passaram pelo processo de nebulização. A Secretaria de Serviços Públicos também informou que intensificou o trabalho de coleta de lixo e entulhos e, com isso, passou a recolher 4 mil toneladas a mais de resíduos urbanos por mês.
PERFIL
De acordo com o Painel de Monitoramento da Dengue, divulgado pelo site da Prefeitura Municipal (campinas.sp.gov. br/sites/arboviroses/painel-demonitoramento), entre as faixas-etárias que correspondem de zero a mais de 80 anos de idade, as mulheres representam a maioria das pessoas com casos confirmados, totalizando 55%, enquanto a incidência de casos para o sexo masculino foi de 45%. Com relação aos sintomas apresentados pelos pacientes atendidos estão, febre (93,2%), dores de cabeça (72%), dores no corpo (69,9%), dores nos olhos (24,6%), vômito (21,9%), dores nas articulações (7,2%) e exantema, que é uma erupção cutânea, geralmente avermelhada, que pode aparecer em manchas planas, pequenas vesículas ou bolhas, (4,4%).
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