FIM DE UM CICLO

TJSP deve desocupar prédio histórico do Palácio da Justiça

Poder Judiciário afirma que o prédio será devolvido ao Estado, seu proprietário

Luis Eduardo de Sousa/luis.reis@rac.com.br
07/08/2024 às 10:28.
Atualizado em 07/08/2024 às 11:04

Através das vidraças das portas do Palácio da Justiça, é possível constatar a presença de diversos materiais ainda a serem retirados, como caixas, cadeiras e um amontoado de papéis. Além disso, parte das urnas eletrônicas utilizadas no município permanece no local (Kamá Ribeiro)

O icônico Palácio da Justiça, localizado no coração de Campinas, pode encerrar suas atividades em breve, de acordo com informações fornecidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). A instituição confirmou, na semana passada, um planejamento para transferir as últimas repartições ainda em funcionamento no prédio para a Cidade Judiciária, situada no Jardim Santana.

Segundo o TJSP, a transferência encontra-se em fase de estudos, sem uma data específica para sua concretização. No entanto, esse movimento resultará no esvaziamento do espaço, uma vez que a Justiça Eleitoral, que ocupou parte do local por 13 anos, também iniciou, há duas semanas, sua mudança para outro edifício, na rua General Osório. O Judiciário paulista afirma que o prédio será devolvido ao Estado, seu proprietário.

Inaugurado em 1942, o Palácio da Justiça abriga o Fórum de Campinas desde sua fundação. Atualmente, funcionam no local a 1ª Vara do Júri, o Juizado Especial Cível e o setor de intermediação de acordos do Tribunal. Uma servidora ouvida pela reportagem revelou que apenas o 1º andar é ocupado pelos servidores, com trabalhos realizados somente às segundas, quartas e quintas-feiras, sempre a partir das 13h.

A Prefeitura de Campinas, em nota, informou ter sido comunicada pelo TJSP sobre a mudança e afirmou que "iniciará tratativas para a reocupação do imóvel, avaliando sua destinação com os responsáveis no esforço de trazer novos usos para o local", demonstrando interesse pelo prédio. A desocupação, se concretizada, contraria os esforços da Administração para revitalizar a região central, que enfrenta um severo esvaziamento de público desde o início da pandemia de covid-19, em 2020.

Há quatro anos, o prédio, que apresenta evidentes sinais de desgaste, foi cercado por telas e andaimes, sinalizando o início da recuperação de sua estrutura. No entanto, nenhuma intervenção foi iniciada até o momento. O TJSP informou que uma licitação foi aberta para a obra de revitalização, mas a empresa vencedora não apresentou as condições necessárias para executar o projeto, resultando no cancelamento da licitação. Diante disso, o órgão realiza uma nova licitação para retomar a reforma.

O tombamento do Palácio da Justiça, instalado durante o período varguista, foi reconhecido pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) há mais de uma década, devido à sua importância histórica, cultural e arquitetônica. Essa última leva em consideração o conceito de sua arquitetura, projetada no estilo 'art déco' pelo arquiteto José Maria Neves, que atuou com Prestes Maia na concepção de diversos equipamentos públicos.

A construção do Palácio da Justiça representa um marco histórico para Campinas, que à época vivenciava um período de crescimento e industrialização. O espaço foi palco de diversos episódios marcantes da história da cidade, como o julgamento do notório sequestrador Andinho, criminoso símbolo do medo coletivo em Campinas, condenado a mais de 700 anos de prisão.

Anivaldo Almeida, 70 anos, conhecido como Almeida, testemunhou alguns desses episódios. Presente no local desde 2000, ele se recorda de um tempo em que o fórum gerava intenso movimento na região, fortalecendo inclusive seu negócio. "Isso aqui era um movimento danado. Advogado para todo lado, juiz, partes, polícia. Formavam-se filas aqui", contou Almeida, ressaltando que os magistrados e advogados impulsionavam seu trabalho: "cheguei a engraxar mais de 10 sapatos por dia".

O idoso também se lembra da época do julgamento de Andinho e de outros episódios marcantes na história da metrópole. "Teve uma vez que uma mulher foi baleada aqui em frente, em dia de audiência. Foi uma correria protagonizada por resgate, polícia e imprensa", relata.

Tão antigo quanto Almeida é o taxista Sebastião Messias, 68 anos, que faz ponto no local há 29 anos e se recorda do intenso fluxo de pessoas no fórum. "O movimento naquela época era uma coisa surreal, se estendia madrugada adentro. Me lembro que as pessoas saíam do Fórum tarde, não tinham opção e apelavam ao táxi, assim como os advogados. O movimento aqui era igual ou até superior ao que era na rua 13 de Maio", contou.

COBIÇA

Apesar de sua privilegiada localização no centro de Campinas, o Palácio da Justiça encontra-se atualmente subutilizado e vulnerável ao desgaste causado pelo tempo. As paredes decoradas com mármore escuro apresentam pichações e resquícios de vandalismo. Através das vidraças das portas, é possível constatar a presença de diversos materiais ainda a serem retirados, como caixas, cadeiras e um amontoado de papéis. Além disso, parte das urnas eletrônicas utilizadas no município permanece no local.

Mesmo diante desse cenário, o prédio desperta o interesse devido à sua localização privilegiada. O presidente da Câmara Municipal, Luiz Rossini (Republicanos), já manifestou, em entrevista ao Correio Popular, seu apoio à ideia de transferir o legislativo para o referido edifício.

O vereador afirmou que a mudança seria favorável e fundamental para o processo de requalificação do Centro, demonstrando disposição em aceitar a transferência caso houvesse possibilidade. Rossini também revelou que, no passado, já ocorreram conversas nesse sentido, mas a pauta não avançou.

A reportagem procurou a presidência da Câmara para comentar a informação de que o espaço pode ser desocupado em breve, mas não obteve retorno até o momento da publicação.

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