POLÍTICA AFIRMATIVA

TJ determina que Unicamp matricule estudante excluído do sistema de cotas

Comissão avaliadora da universidade vetou o ingresso de um aluno autodeclarado pardo, mas admitiu a irmã dele, que teria os mesmos traços físicos

Luis Eduardo de Sousa/luis.reis@rac.com.br
13/06/2024 às 09:53.
Atualizado em 13/06/2024 às 09:53
O aluno autodeclarado pardo reprovado pela comissão avaliadora da Unicamp será matriculado, por determinação do Tribunal de Justiça, no curso de engenharia de computação (Rodrigo Zanotto)

O aluno autodeclarado pardo reprovado pela comissão avaliadora da Unicamp será matriculado, por determinação do Tribunal de Justiça, no curso de engenharia de computação (Rodrigo Zanotto)

Desde que adotou a política de cotas étnico-raciais, em 2019, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) já foi alvo de 39 ações na Justiça que questionam a acurácia do processo adotado para selecionar alunos autodeclarados pretos ou pardos que tenham optado pelo ingresso na instituição via cotas. Em ação recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou que a instituição matricule um aluno autodeclarado pardo que foi reprovado pela banca avaliadora. O jovem, candidato a uma vaga no curso de engenharia da computação, justificou ao judiciário que sua irmã, analisada pela mesma banca, foi admitida na universidade.

Em nota enviada à imprensa, a Unicamp afirmou ter recebido a determinação e informou que vai avaliar um possível recurso. A instituição afirmou, ainda, que tem compromisso com reduzir as controvérsias relacionadas a esse tema, "o que já vem se refletindo nas decisões judiciais recentes", que estariam diminuindo.

Dados mais recentes da universidade, divulgados a pedido do Correio Popular, indicam que 819 estudantes cotistas ingressaram em 2024, número recorde e que equivale a 23,39% do total de matriculados. Em 2023, foram 799 (22,54%), 774 em 2022 (24,3%), 744 em 2021 (23,1%) e 814 em 2020 (24,9%). A política de cotas da universidade, instituída em 2017 e implantada dois anos depois, assegura 25% das vagas aos candidatos pretos e pardos. A separação das vagas não anula a necessidade de uma boa nota na prova do vestibular.

Conforme o TJSP, a decisão do desembargador Rubens Rihl justifica que a recusa da universidade está mal fundamentada, e que a irmã aprovada tem os mesmos fenótipos do jovem, que também tinha um laudo médico para justificar sua condição de pessoa parda. Adicionalmente, o magistrado pontuou que toda a família do estudante se declara parda há anos, não configurando uma condição que se resume ao ingresso na universidade. A identidade do estudante não foi revelada pelo judiciário.

As 39 ações movidas contra a instituição conferem uma média de 7 processos anuais que contestam o modelo de avaliação adotado. A Unicamp explica, no entanto, que a quantidade de ações tem caído, graças a um aperfeiçoamento cada vez maior do processo avaliatório.

Os alunos que optam pela cota racial precisam passar por uma entrevista com a comissão de hétero-identificação. Entreanto, o processo só chega a essa etapa caso a fotografia do candidato, quando submetida à tecnologia de identificação visual, deixe dúvidas acerca da sua condição de preto ou pardo. No Brasil, a política afirmativa de cotas étnico-raciais reservada a pessoas negras (de tom de pele preto ou pardo) é destinada a quem possuir certas características fenotípicas (atributos físicos).

"Esse processo é ratificado, primeiro, por uma portaria do Ministério do Planejamento e também pelo Supremo Tribunal Federal, que, por unanimidade, aprovou o sistema de cotas e posteriormente essas bancas de hetero-identificação. Tanto é que hoje esse procedimento é adotado inclusive nos concursos públicos, até mesmo no do Poder Judiciário", explicou o advogado Ademir da Silva, que preside a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Campinas.

Vitor Gomes, 24, faz mestrado em tecnologia de alimentos, e é cotista na pós-graduação. Embora haja pequenas diferenças na avaliação racial, ele passou pelo processo de aferição, e faz críticas. "Acho que precisa um pouco mais de comunicação com o estudante para entender quais são suas questões pessoais, quais suas necessidades para a permanência estudantil. Achei muito técnico e, além de conferir a vaga, sabemos que há uma necessidade de manter os alunos cotistas na universidade, uma vez que, em sua maioria, estão em condições de maior vulnerabilidade que os demais", disse o jovem, que se autodeclara pardo.

Quanto à necessidade das cotas na universidade, o mestrando não tem dúvidas ao se mostrar favorável. "As cotas são, sim, necessárias. Mas, além delas, é preciso que haja uma aferição sobre os resultados do ingresso. É preciso saber se esses estudantes estão tendo o desenvolvimento necessário e se isso está se traduzindo em ascensão desses alunos após a formatura", sugeriu.

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