Crea-SP apontou risco de falência do atual modal em relatório divulgado e sugeriu, entre outras necessidades, o aumento da infraestrutura ferroviária
Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo destacou que mais da metade dos 5 mil quilômetros de malha ferroviária do Estado está abandonada (Alessandro Torres)
O Trem Intercidades (TIC) São Paulo-Campinas, que terá o leilão de concessão realizado em oito dias (29/2), é o primeiro passo para evitar o iminente colapso no transporte rodoviário da macrometrópole paulista, que reúne 173 municípios e cerca de 29 milhões de habitantes, o equivalente a 64,45% de toda a população do Estado, que é de 44,4 milhões de pessoas.
O risco de falência do atual modal foi apontado em relatório elaborado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (Crea-SP), que indicou, como soluções, a necessidade de aumento da infraestrutura ferroviária, criação de plataformas logística multimodais, maximização do transporte intermodal e melhoria da eficiência do serviço rodoviário de cargas.
O risco de colapso também foi trazido à tona durante a terceira audiência pública realizada na última quinta-feira (15), em São Paulo, para discutir os impactos ambientais e sociais do TIC Eixo Norte e segregação noroeste do transporte de carga.
A macrometrópole que seria impactada pelo problema envolve cinco regiões metropolitanas: Campinas, São Paulo, Jundiaí, Baixada Santista, Vale do Paraíba e Litoral Norte. Juntas, as cinco somam 20% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e são cortadas por algumas das principais rodovias brasileiras, como Dutra, Anhanguera, Bandeirantes e Imigrantes.
“O Estado tem o melhor sistema rodoviário do país, mas, se nada for feito, a sobrecarga existente hoje vai levar ao colapso”, disse o engenheiro e ex-presidente do Crea-SP, Vinicius Marchese Marinelli, que elaborou o relatório e fez a entrega ao governo paulista.
O estudo apontou que as rodovias são responsáveis por mais de 80% do fluxo de 1,2 bilhão de toneladas de cargas por ano e quase 100% de passageiros, sendo necessário criar alternativas de transporte para evitar a falência desse modal.
Atualmente, o tráfego trava nos horários de pico, ou por causa de acidente, na chegada a capital pelas rodovias Bandeirantes e Ayrton Senna (antiga Trabalhadores), que dá acesso ao Vale do Paraíba. Para o Crea-SP, essa realidade impõe severos danos à competitividade logística com negativas repercussões para o sistema produtivo paulista e o meio ambiente.
IMPACTOS
O Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto de Meio Ambiente (EIA/Rima) apontaram que a previsão é que em 2031, quando estiver plenamente em funcionamento, os novos projetos ferroviários entre Campinas e a capital transportem 140 mil passageiros por dia.
Esse volume é equivalente a tirar de circulação 2,8 mil ônibus de passageiros ou 28 mil automóveis, considerando cinco ocupantes em cada um. O cálculo refere-se aos dois serviços a serem criados, o TIC São Paulo-Campinas e o Trem Intermetropolitano (TIM), que ligará Campinas, Valinhos, Vinhedo, Louveira e Jundiaí.
O cálculo não considera os cerca de 340 mil passageiros diários da Linha 7-Rubi, que já existe e também faz parte do pacote de concessão do Eixo Norte. O EIA/Rima indicou ainda que o segundo empreendimento, que é a construção de um ramal exclusivo para cargas de Jundiaí até São Paulo, prevê que cada vagão movimente um volume semelhante a três ou quatro caminhões, ou seja, um trem com 120 vagões substitui aproximadamente 368 veículos que deixariam de circular pelas rodovias.
O Crea-SP defende recuperar a malha ferroviária no Estado de São Paulo, uma vez que 2,6 mil quilômetros do total de 5 mil estão abandonados. De acordo com a entidade, é preciso construir terminais intermodais para integrar os sistemas ferroviário e rodoviário e melhorar a eficiência da circulação de cargas, além da integração com as hidrovias nas cidades onde os rios são navegáveis. “O que entregamos ao governo é um estudo técnico que apresenta soluções possíveis de serem aplicadas para evitar o colapso”, disse Vinicius Marchese.
Para o especialista em transporte intermodal Carlos Eduardo Nascimento, que participou da última audiência pública, os investimentos no transporte ferroviário de passageiros e carga estão atrasados há décadas. “Infelizmente, desde que foram privatizadas a Fepasa e a Rede Ferroviária Federal, foram abandonados os trabalhos de desenvolvimento de pesquisas e planejamentos em ferrovias”, afirmou. As duas estatais foram repassadas para a iniciativa privada no final dos anos 1990.
“No final do século 19 e início do 20, todas as cidades queriam ter ferrovias. Hoje é o contrário, as cidades querem extinguir”, criticou Carlos Nascimento. Para ele, é preciso investir nesse modal também no transporte interestadual e defendeu a instalação da ligação por trens entre Campinas e Belo Horizonte (MG) e Curitiba (PR).
CONCESSÃO
A Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística divulgou, por meio de nota, que “o objetivo é alcançar esse equilíbrio, em São Paulo, por meio da integração, por exemplo, de ferrovias e hidrovias, o que vai impactar na redução de custos, acidentes e emissão dos gases de efeito estufa.” O Trem Intercidades, a partir de Campinas, marcará o reinício do transporte ferroviário de passageiros no Estado. O governo tem planos de lançar, no próximo ano, a licitação do serviço entre São Paulo e Sorocaba, além de estudar novas ligações para São José dos Campos e Santos.
O TIC Eixo Norte, que prevê investimento de R$ 13,5 bilhões, será implementado através de Parceria Público-Privado (PPP), com concessão por 30 anos para a iniciativa privada. O empreendimento beneficiará cerca de 15 milhões de pessoas em 11 municípios, gerando mais de 10,5 mil empregos, entre diretos, indiretos e induzidos, segundo estudos feitos pelo governo paulista.
O Trem Intercidades será um serviço expresso com 101 quilômetros de extensão e três paradas, em Campinas, Jundiaí e na Estação Barra Funda, na capital. Ele será operado com o trem mais rápido do Brasil, com capacidade para atingir até 140 km/h. Já o Trem Intermetropolitano será um serviço parador, com cinco estações, e velocidade entre 64 e 95 km/h. As obras estão previstas para terem início no segundo semestre do próximo ano.
Para o governo estadual, a criação de novas opções de mobilidade entre as três metrópoles ligadas pelo TIC Eixo Norte terão impactos sociais, econômicos e ambientais positivos. De acordo com EIA/Rima, o pico dos novos serviços está programado para ser atingido em 2055, quando a estimativa é que o volume de passageiros seja de 221,5 mil por dia.
Esse número é o equivalente a deixar de circular 4.430 ônibus pelas rodovias Anhanguera e Bandeirantes, reduzindo as emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal causador do efeito estufa, em 116,47 toneladas por mês. Para se ter uma projeção desse impacto, seriam necessárias plantar 717,66 mil árvores para compensar essa liberação do gás, apontou a Calculadora de CO2 da Fundação Mata Atlântica.
O governo considera ainda que a reativação do serviço de trens de passageiros será um novo vetor para o desenvolvimento econômico das cidades atendidas. O leilão do TIC será o primeiro das 13 concessões e privatizações que o Estado tem programado para este ano. Em 16 de abril, será leiloado o lote de rodovias do Litoral Paulista. Estão previstas ainda a concessão das linhas 11, 12 e 13 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM); construção do túnel imerso entre Santos e Guarujá; dos lotes rodoviários Nova Raposo, Rota Sorocabana e Lote Paranapanema; e privatizações da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae). Os outros projetos previstos são de criação e concessão da loteria paulista, manutenção dos prédios e de serviços pedagógicos de 33 novas escolas e construção de 5,5 mil moradias na região central da capital.
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