EM CAMPINAS

Projeto de lei prevê enterro de animais em cemitérios públicos

Ideia é que pessoas possam sepultar seus bichos de estimação em jazigo da família

Luis Eduardo de Sousa/ luis.reis@rac.com.br
14/04/2023 às 08:55.
Atualizado em 14/04/2023 às 08:55
Famílias poderão sepultar seus animais de estimação em suas sepulturas, caso lei seja aprovada pela Câmara (Alessandro Torres)

Famílias poderão sepultar seus animais de estimação em suas sepulturas, caso lei seja aprovada pela Câmara (Alessandro Torres)

A Prefeitura enviou à Câmara de Campinas um Projeto de Lei (PL) que prevê o sepultamento de animais domésticos em cemitérios municipais. O Legislativo vai apreciar o texto através da Comissão de Constituição e Legalidade. Após essa etapa, será encaminhado para votação em dois turnos. Se aprovado, segue para sanção do prefeito Dário Saadi (Republicanos). A ideia de propor um Projeto de Lei nesse sentido surgiu no fim do ano passado, quando a Serviços Técnicos Gerais (Setec) realizou uma pesquisa de opinião com a população sobre a possibilidade de sepultar animais e humanos no mesmo espaço. De acordo com a autarquia, 87% das pessoas responderam de forma positiva ao levantamento.

Ativistas que atuam em defesa dos animais enxergam a ação como positiva, mas entendem que é necessária a aplicação para todas as camadas sociais de forma a não elitizar a medida. Defendido institucionalmente pela Setec, o sepultamento de animais também é visto pela psicóloga Ana Silvia Rennó como uma grande contribuição para enfrentar a dor do luto.

A consulta pública foi realizada em novembro do ano passado com 780 pessoas, presencialmente nos cemitérios, no feriado de Finados, e através de formulário online. Além dos 87% que se mostraram favoráveis, 85,40% concordaram que os animais devem ser sepultados no jazigo das famílias. O texto enviado à Câmara, inclusive, prevê que poderão ser sepultados apenas animais das famílias que já têm jazigo, como explica o presidente da Setec, Enrique Lerena. "A família já tem um túmulo, que é uma concessão do espaço público. O que se discute é a liberdade que essa família tem para inserir o animal no mesmo espaço que o restante da família. A Setec não tem direito de mexer no espaço que, a partir da concessão, torna-se privado. Então, a discussão gira em torno de estabelecer um limite maior para que o proprietário enterre o animal no local".

A medida é vista pela fundadora do Projeto Adorável Vira Lata, Marines Barbosa, de 53 anos, como comercial. "Não vejo isso como uma forma de viabilizar o bem-estar animal, e sim como uma forma de arrecadar mais dinheiro. Vamos fazer a mesma consulta informando as pessoas das taxas que elas terão que pagar? Veja, e as pessoas que não possuem jazigos, as pessoas da periferia? É lá, na periferia, que os animais são descartados incorretamente. Vejo como uma medida que só beneficia a alta classe", comenta Marines, que cuida de cerca de 50 cães no abrigo em que dirige.

A falta de espaço nos cemitérios públicos é vista por Lerena como uma barreira para estender o sepultamento à população sem jazigos. "Nós só estamos estendendo uma liberdade que já é de quem tem o túmulo. Não vamos prestar serviços funerários, em princípio, e nem oferecer espaço para sepultamentos indiscriminadamente. O último cemitério inaugurado em Campinas foi em 1969, quando a cidade tinha metade da população que tem hoje. Não tem espaço para isso", comenta.

No projeto, que chegou à Câmara na última quarta-feira, está previsto o sepultamento de animais com até 120 kg e com declaração de óbito expedida pelo veterinário onde conste que a morte não foi por doenças transmissíveis a seres humanos. Campinas tem três cemitérios municipais onde a prática poderá ser adotada: Cemitério da Saudade, Cemitério de Sousas e Cemitério Parque Nossa Senhora da Conceição (Amarais).

A Câmara informou que o projeto, já protocolado, consta no ementário, que é o primeiro passo para conhecimento por parte dos vereadores. "Nós poderíamos adotar a medida através de um decreto, mas como é uma questão ainda polêmica na sociedade, achamos melhor enviar à Câmara e esperar a discussão do parlamento", frisa Lerena.

O projeto garante ainda que os restos dos animais possam ser removidos dois anos após o sepultamento, liberando espaço no túmulo. A Setec estabelecerá uma taxa de abertura de túmulo, que ainda será definida. O animal terá que chegar ao cemitério em recipiente apropriado para ser colocado na sepultura, já que o serviço não será oferecido pela autarquia.

Para a psicóloga e professora da Faculdade São Leopoldo Mandic, Ana Silvia Rennó, a medida é uma forma de materializar o luto em um espaço. Ela cita a importância dos animais de estimação na vida das pessoas. "É um afeto incondicional, é um apego seguro. Incondicional porque o relacionamento com o animal independe de condições, de contextos, como o relacionamento com outras pessoas, por exemplo. O animal não vai te abandonar, seu afeto está disponível a qualquer momento", explica. "Se a gente for pensar que essa característica de incondicional cria nas pessoas um amor tão grande, uma ligação emocional tão forte, temos que pensar que no momento da perda é um luto proporcional. Ter um lugar para colocar o animal é ter uma conclusão, dar um fim digno e assim estar mais preparado para viver esse luto" complementa.

O engenheiro de dados Vitor Fernando Gerin, de 23 anos, tem um cão da raça Akita Inu, originário das regiões montanhosas do norte do Japão. Kiro, como é batizado, tem dois anos e é a única companhia do dono, que vive sozinho e é favorável ao “sepultamento compartilhado”. "Não vejo problemas, porque o animal o normalmente se torna membro da família mesmo. Acharia legal o meu cachorro enterrado no jazigo da minha família", comenta.

O advogado Wilson Túlio Alves de Andrade, de 61 anos, tem como missão independente cuidar de animais nas ruas de Campinas. Ele é quem alimenta os gatos que vivem na Lagoa do Taquaral. "Gostaria até que isso se estendesse a todos os cemitérios públicos, para que todos os animais tivessem um lugar para serem sepultados. Resolveria até um problema ambiental, do descarte irregular de cadáveres", relata.

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