Famílias poderão sepultar seus animais de estimação em suas sepulturas, caso lei seja aprovada pela Câmara (Alessandro Torres)
A Prefeitura enviou à Câmara de Campinas um Projeto de Lei (PL) que prevê o sepultamento de animais domésticos em cemitérios municipais. O Legislativo vai apreciar o texto através da Comissão de Constituição e Legalidade. Após essa etapa, será encaminhado para votação em dois turnos. Se aprovado, segue para sanção do prefeito Dário Saadi (Republicanos). A ideia de propor um Projeto de Lei nesse sentido surgiu no fim do ano passado, quando a Serviços Técnicos Gerais (Setec) realizou uma pesquisa de opinião com a população sobre a possibilidade de sepultar animais e humanos no mesmo espaço. De acordo com a autarquia, 87% das pessoas responderam de forma positiva ao levantamento.
Ativistas que atuam em defesa dos animais enxergam a ação como positiva, mas entendem que é necessária a aplicação para todas as camadas sociais de forma a não elitizar a medida. Defendido institucionalmente pela Setec, o sepultamento de animais também é visto pela psicóloga Ana Silvia Rennó como uma grande contribuição para enfrentar a dor do luto.
A consulta pública foi realizada em novembro do ano passado com 780 pessoas, presencialmente nos cemitérios, no feriado de Finados, e através de formulário online. Além dos 87% que se mostraram favoráveis, 85,40% concordaram que os animais devem ser sepultados no jazigo das famílias. O texto enviado à Câmara, inclusive, prevê que poderão ser sepultados apenas animais das famílias que já têm jazigo, como explica o presidente da Setec, Enrique Lerena. "A família já tem um túmulo, que é uma concessão do espaço público. O que se discute é a liberdade que essa família tem para inserir o animal no mesmo espaço que o restante da família. A Setec não tem direito de mexer no espaço que, a partir da concessão, torna-se privado. Então, a discussão gira em torno de estabelecer um limite maior para que o proprietário enterre o animal no local".
A medida é vista pela fundadora do Projeto Adorável Vira Lata, Marines Barbosa, de 53 anos, como comercial. "Não vejo isso como uma forma de viabilizar o bem-estar animal, e sim como uma forma de arrecadar mais dinheiro. Vamos fazer a mesma consulta informando as pessoas das taxas que elas terão que pagar? Veja, e as pessoas que não possuem jazigos, as pessoas da periferia? É lá, na periferia, que os animais são descartados incorretamente. Vejo como uma medida que só beneficia a alta classe", comenta Marines, que cuida de cerca de 50 cães no abrigo em que dirige.
A falta de espaço nos cemitérios públicos é vista por Lerena como uma barreira para estender o sepultamento à população sem jazigos. "Nós só estamos estendendo uma liberdade que já é de quem tem o túmulo. Não vamos prestar serviços funerários, em princípio, e nem oferecer espaço para sepultamentos indiscriminadamente. O último cemitério inaugurado em Campinas foi em 1969, quando a cidade tinha metade da população que tem hoje. Não tem espaço para isso", comenta.
No projeto, que chegou à Câmara na última quarta-feira, está previsto o sepultamento de animais com até 120 kg e com declaração de óbito expedida pelo veterinário onde conste que a morte não foi por doenças transmissíveis a seres humanos. Campinas tem três cemitérios municipais onde a prática poderá ser adotada: Cemitério da Saudade, Cemitério de Sousas e Cemitério Parque Nossa Senhora da Conceição (Amarais).
A Câmara informou que o projeto, já protocolado, consta no ementário, que é o primeiro passo para conhecimento por parte dos vereadores. "Nós poderíamos adotar a medida através de um decreto, mas como é uma questão ainda polêmica na sociedade, achamos melhor enviar à Câmara e esperar a discussão do parlamento", frisa Lerena.
O projeto garante ainda que os restos dos animais possam ser removidos dois anos após o sepultamento, liberando espaço no túmulo. A Setec estabelecerá uma taxa de abertura de túmulo, que ainda será definida. O animal terá que chegar ao cemitério em recipiente apropriado para ser colocado na sepultura, já que o serviço não será oferecido pela autarquia.
Para a psicóloga e professora da Faculdade São Leopoldo Mandic, Ana Silvia Rennó, a medida é uma forma de materializar o luto em um espaço. Ela cita a importância dos animais de estimação na vida das pessoas. "É um afeto incondicional, é um apego seguro. Incondicional porque o relacionamento com o animal independe de condições, de contextos, como o relacionamento com outras pessoas, por exemplo. O animal não vai te abandonar, seu afeto está disponível a qualquer momento", explica. "Se a gente for pensar que essa característica de incondicional cria nas pessoas um amor tão grande, uma ligação emocional tão forte, temos que pensar que no momento da perda é um luto proporcional. Ter um lugar para colocar o animal é ter uma conclusão, dar um fim digno e assim estar mais preparado para viver esse luto" complementa.
O engenheiro de dados Vitor Fernando Gerin, de 23 anos, tem um cão da raça Akita Inu, originário das regiões montanhosas do norte do Japão. Kiro, como é batizado, tem dois anos e é a única companhia do dono, que vive sozinho e é favorável ao “sepultamento compartilhado”. "Não vejo problemas, porque o animal o normalmente se torna membro da família mesmo. Acharia legal o meu cachorro enterrado no jazigo da minha família", comenta.
O advogado Wilson Túlio Alves de Andrade, de 61 anos, tem como missão independente cuidar de animais nas ruas de Campinas. Ele é quem alimenta os gatos que vivem na Lagoa do Taquaral. "Gostaria até que isso se estendesse a todos os cemitérios públicos, para que todos os animais tivessem um lugar para serem sepultados. Resolveria até um problema ambiental, do descarte irregular de cadáveres", relata.