Estrutura popularmente conhecida como ‘Prédio do Relógio’, patrimônio tombado, passou por repaginação em toda a sua extensão
Novas vidraças foram instaladas no que antes era a Oficina de Locomotivas da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro; telhado também sofreu intervenções e foi reformado (Rodrigo Zanotto)
A primeira etapa da revitalização do Pátio Ferroviário foi entregue na sexta-feira (1º) pela Prefeitura de Campinas. Trata-se da revitalização de parte do prédio onde funcionava a Oficina de Locomotivas da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, estrutura tombada pelo patrimônio da cidade. Ela foi repaginada com a instalação de novas vidraças em toda a sua extensão e reforma do telhado. As intervenções foram mostradas ao público e à imprensa durante cerimônia realizada no interior do prédio.
A requalificação do espaço de 7 mil m², que é popularmente conhecido como Prédio do Relógio, se iniciou em novembro do ano passado. A previsão anterior era que a obra fosse concluída em abril. Em junho, a Administração informou que a obra estava em fase final e anunciou ainda que o Pátio Ferroviário receberia ainda um projeto paisagístico, um parque-escola e um espaço de inovação para empresas de tecnologia. Assim sendo, a requalificação da Oficina de Locomotivas configura-se como a primeira parte da requalificação total do espaço.
O investimento dispensado para as alterações soma R$ 5,6 milhões e foi obtido através de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), ofertado como contrapartida para o município para emissão de alvará a um empreendimento imobiliário.
O Pátio Ferroviário, há mais de 20 anos, é visto como um “abacaxi a ser descascado” pelas gestões que administraram a cidade desde o encerramento das atividades ferroviárias no local. Requalificar a área é uma das bandeiras do prefeito Dário Saadi (Republicanos) e integra o pacote de ações do governo para requalificar toda a área central, que sofre com a desocupação nos últimos anos.
O prédio será palco de uma mostra de arquitetura de decoração, a “Campinas Decor”. Depois, se juntará à Estação Cultura e ao antigo prédio da Fábrica Lidgerwood – que deverá ser revitalizado e virar um museu – na composição de um complexo cultural (veja mais abaixo).
Durante a cerimônia de entrega do prédio, o Dário admitiu que a questão do Centro é um problema para sua gestão. O prefeito, no entanto, atribuiu os problemas da região central à proporção da cidade. “Em cidade grande, Centro é problema. Já viu alguma cidade grande que não tenha problema com sua região central?”, questionou durante o evento.
O complexo ferroviário é tido como marco divisório entre o Centro e a Vila Industrial, núcleos que experimentaram níveis diferentes de desenvolvimento. As intervenções no local também são tidas como dificultas em razão da burocracia exigida mesmo para as mais simples modificações. Isso porque a propriedade não pertence à Prefeitura, e sim à União. Além disso, todo o complexo é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), o que exige aprovação do órgão para mudanças. Há outro fator que contribui para complexificar ainda mais a questão, conforme explica o arquiteto e urbanista Fábio Muzetti, docente da PUC-Campinas.
“É um problema para o político que estiver à frente da cidade enfrentar. Além de todas as outras questões, custa caro por causa da complexidade de se realizar uma obra que preze pelo restauro de um bem tombado. Não à toa, isso sempre foi deixado de lado. Quem mexer naquilo resolve boa parte da cidade”, avaliou Muzetti.
Em entrevista concedida, Dário relembrou que não se realizava mudanças efetivas no espaço desde a gestão do exprefeito Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, eleito em 2000 e assassinado em 2001. “Tivemos duas ações importantes nos últimos 30 anos. A primeira foi do ex-prefeito Toninho quando criou a Estação Cultura e o Ceprocamp, e agora a do Prédio do Relógio. Muita gente falava que isso aqui era um 'abacaxi' que levaria décadas para ser resolvido, pela complexidade da legislação, mas acredito que isso aqui vai ganhar vida com todas as ações e gerar uso ao município.”
Apesar de a entrega ter sido realizada na sexta-feira (1), ainda há ajustes a serem feitos que, segundo o prefeito, serão concluídos até o fim de setembro. A mostra “Campinas Decor” deve acontecer no começo de 2024. “Acho que as ações que estão sendo tomadas, ainda que sejam esporádicas, estão dando andamento à coisa. Sempre foi uma briga nossa ter um plano completo, mas compreendemos que é complexa a situação. O plano que está sendo desenvolvido não é o melhor do mundo, mas está em curso – e isso já é alguma coisa”, frisou Muzetti.
CULTURA
O prédio do relógio será incorporado ao conjunto de espaços da Secretaria Municipal de Cultura. A titular da pasta, Alexandra Caprioli, explicou que o plano é integrar o espaço à Estação Cultura. O trajeto entre os dois locais será repaginado pelo projeto de paisagismo. Também haverá, no caminho, um parque-escola, que deverá trabalhar a educação ambiental. Segundo a Administração, os dois projetos estão em fase de licitação.
“Da perspectiva do patrimônio, é extremamente importante para manutenção da história. O segundo olhar é dos usos, pois só conseguimos preservar os patrimônios quando eles têm uso. Teremos um novo espaço para receber e mostrar, exposições, intervenções culturais e que, agora sim, atingirá seu propósito de ser”, ressaltou Caprioli.
De acordo com a secretária, a integração entre os espaços dá à cidade um arcabouço maior, inclusive para realizações de eventos maiores que os comumente realizados, como festivais de música.
Uma última parte do complexo será utilizada para criação de um núcleo de tecnologia e desenvolvimento, a ser ocupado por startups do segmento através de chamamento público. Para isso, no entanto, a Prefeitura precisa da cessão da área, que pertence à União. Recentemente, o governo federal concedeu mais um ano de uso à Prefeitura. O Executivo campineiro aguarda a posse total do espaço.
CUIDADOS
Na visão de Muzetti, a requalificação da área exige também um olhar voltado à Vila Industrial, uma vez que o uso do espaço deve atrair empreendimentos imobiliários ao local. Parte da Vila Industrial também é tombada.
“Com essa mudança, o que deve acontecer? Uma volta das pessoas para o Centro da Cidade, o que hoje não ocorre. Todo mundo quer ir para a periferia e ficar na beira da rodovia. Quando você transforma a cidade, proporciona vida e segurança, reúnem-se atrativos às pessoas que se interessam em voltar a morar no referido local. Isso tem que ser intermediado, porém, com todo o cuidado do mundo para evitar um abocanhamento desordenado por parte do mercado imobiliário”, finalizou.