Genosil Pinheiro, de 70 anos, tem uma loja de telefones em frente ao Palace Hotel desde 1997; o comerciante tem memórias da época em que o espaço funcionava a todo vapor (Rodrigo Zanotto)
Prédios tradicionais que compõem o cenário do Centro de Campinas se encontram sem ocupação, mas já sediaram faculdade, repartições públicas e empreendimentos. Há anos estes imóveis estão sem função e, em alguns casos, com elevadas dívidas de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Caso do antigo Palace Hotel, no cruzamento entre as ruas Irmã Serafina e Dr. Ferreira Penteado. O antigo hotel de luxo, que encerrou as atividades em 2004, virou alvo de depredações e passou a contribuir com a poluição visual da área central. A Prefeitura ajuizou ação contra o proprietário para tentar transferir a posse ao poder público e, de acordo com a Secretaria de Justiça, a conclusão desse caso pode nortear futuras ações em relação a outros prédios. Especialistas avaliam que os imóveis desocupados são um prejuízo para o município, mas podem ser um bom negócio para o mercado.
A reportagem percorreu quatro dos edifícios, localizados no polígono formado pela Avenida Dr. Moraes Salles, Rua Irmã Serafina, Avenida Anchieta, Rua Barreto Leme, Rua Luzitana, Rua Marechal Deodoro, Rua Dr. Ricardo, Avenida Lix da Cunha, Rua Lidgerwood, Largo Marechal Floriano, Avenida 20 de Novembro e Viaduto Miguel Vicente Cury. A região serviu de base para elaboração da lei de incentivos urbanísticos e fiscais, sancionada em dezembro do ano passado como estímulo à revitalização do Centro.
Requalificar a região Central de Campinas é um dos desafios da Prefeitura. Tanto que um plano denominado Programa de Requalificação da Área Central (PRAC) foi criado para estudar medidas que tragam mais pessoas ao Centro.
Sem uso, no entanto, os edifícios conferem prejuízo ao município, seja financeiro ou urbanístico. Para a secretária de Urbanismo, Carolina Baracat Lazinho, sanar o problema é fundamental para que os imóveis voltem a “dar vida” a região Central. Em contrapartida, a responsável pelo Urbanismo vê a situação como problemática, já que envolve questões como manutenção do patrimônio, processos judiciais e finanças.
O caso do Palace Hotel, que completa 20 anos sem operações em 2024, é emblemático. O prédio acumula dívida de R$ 43,45 milhões só de IPTU.
“Já são 20 anos dessa forma e é um entrave para revitalizar o Centro. Tudo o que é abandonado é degradante do aspecto social e acho que isso aí não tem mais saída”, diz Genosil Pinheiro, de 70 anos, que tem uma loja de telefones em frente ao Palace desde 1997.
O comerciante tem memórias da época em que o espaço funcionava a todo vapor. “Da operação do hotel eu peguei o final, mas lembro que funcionava o restaurante, lembro que alugavam escritórios de advocacia”, recorda.
Em abandono, o edifício virou tela para pichadores, que preencheram todos os espaços. Ainda com sinais de quebradeira e desgaste, o local virou um marco de poluição visual.
O vendedor Rafael da Costa, de 34 anos, diz que, anos atrás, o prédio até virou um facilitador para criminosos que almejavam furtar comércios do entorno. “Eles (criminosos) entravam no prédio e, como não tinha segurança nenhuma, conseguiam acesso a outros imóveis. Já roubaram a loja aqui, levaram algumas coisas”, diz o lojista, que trabalha com móveis usados.
Em 2020 a Administração realizou um mutirão de limpeza no local e admitiu a intenção de ficar com o espaço. À época, a dívida do IPTU era de R$ 23 milhões.
“Diante do diagnóstico de abandono e ausência de providências por parte do proprietário, estão sendo estudadas três alternativas: encampação, arrecadação e posterior transferência da propriedade para o Poder Público”, diz em nota a Prefeitura.
Atualmente o proprietário busca vender o imóvel, que já tem mais dívidas que o valor venal. Um casal vive no local e atua como segurança. “A gente cuida aqui e agora ninguém mais entra no prédio, que está à venda”, explica José Eduardo dos Santos, de 30 anos, morador do local.
Caso o imóvel seja transferido para o poder público, a destinação será estudada. “Com relação à ação jurídica, informa-se que a execução de IPTU contra o Palace Hotel já se encontra ajuizada e tramitando”, conclui a Prefeitura.
Outro exemplo é o edifício de 64 anos da sede social do Clube Semanal de Cultura Artística de Campinas, que passa por reforma desde o ano passado. O espaço, localizado a poucos metros do Palace Hotel, está sem ocupação desde 2016, quando uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), que funcionava por lá desde 2012, foi fechada pelo Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa).
Há um projeto para que o imóvel seja sede do ‘Boulevard Masserani’, que será um misto de atrações culturais, como um piano bar, e lojas Inicialmente, a conclusão da reforma foi prevista para abril de 2022. No entanto, a Administração informou que o projeto de reforma e alvará de execução só foram emitidos em setembro último pela Pasta de Urbanismo. O presidente do Clube, Claudinei Cremonesi, explicou que as obras estão em andamento e o Boulevard deve ser entregue em julho. “O clube alugou para um grupo de empresários, que vai tocar o empreendimento. Um percentual da arrecadação será revertido ao clube. As obras estão acontecendo”, relata.
Outros dois exemplos são o Pátio dos Leões e o antigo prédio do Poupatempo, ambos na Avenida Francisco Glicério.
O primeira sediou, até 2015, parte dos cursos da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas.
Em nota a PUC disse que, apesar do local estar fechado, realiza manutenção constante do espaço. Revelou ainda que tem um projeto para transformar o local em uma área de cultura e lazer, mas por enquanto, não há data definida.
O prédio conhecido como Solar do Barão de Itapura foi comprado pela universidade em 1941, quando foi fundada a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Durante a ditadura militar foi eleito pelos estudantes como principal espaço para os debates e manifestações através dos quais organizaram lutas políticas de resistência ao regime e por demandas estudantis.
Por fim, há o prédio que sediava o Poupatempo, no cruzamento com a Rua Dr. Ferreira Penteado, e está fechado desde 2020. Inicialmente, a repartição foi fechada em razão da pandemia, mas meses depois o Estado anunciou que não voltaria às atividades, sendo entregue ao proprietário.
Sobre os dois edifícios, a Prefeitura alegou que não pode informar em relação aos débitos de IPTU.
DESAFIO
A secretaria de Planejamento e Urbanismo disse que a situação é de difícil regularização, mas que há atuação para contornar a situação. “A gente tem uma reunião essa semana sobre o Palace e estamos nos empenhando para que esses prédios voltem a ter vida. O Centro precisa que o antigo e o novo convivam em harmonia, para que ao final da gestão nós possamos concluir a revitalização e deixar o legado de uma região central mais operante. As dificuldades para que isso aconteça se encontram no campo jurídico, mas a Pasta responsável também está trabalhando para ver quais desses prédios podem ser transferidos”, fala Carolina Baracat Lazinho.
Já o secretário de Justiça, Peter Panutto, explica que são difíceis os casos de prédios, como os citados em razão do processo judicial, que costuma ser demorado. “Muitos se encontram em situação de litígio judicial (débitos tributários, disputas sucessórias, ocupações irregulares). No entanto, a transferência de titularidade desses imóveis não é algo simples, já que nenhum ato expropriatório pode ser levado adiante sem que seja observado o devido processo legal. Assim sendo, é compreensível que todo e qualquer processo de arrecadação, desapropriação ou adjudicação de um imóvel não ocorra com a celeridade almejada”, avalia.
A arquiteta Gabriela Celani, professora e pesquisadora do curso de urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que prédios como os citados oferecem diversos prejuízos para a cidade. “Em primeiro lugar, o pavimento térreo desocupado contribui para criar um aspecto de abandono da rua para o pedestre, criando também uma sensação de insegurança e depreciação do entorno. Além disso, um edifício desocupado é um desperdício da infraestrutura urbana existente no local, que custou caro para ser instalada e que custa caro para ser mantida”, explica.
A especialista diz que é possível revitalizar esses edifícios, o que pode ser mais barato e sustentável. “Prédios antigos requerem um grande investimento porque frequentemente eles já não atendem às normas atuais de acessibilidade e de prevenção a incêndios. Mesmo assim, eles representam uma excelente oportunidade, principalmente, se forem bem localizados. Reformar é bem mais barato que demoli-lo e construir um novo”
A professora de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas, Ana Paula Farah, também avalia a questão como prejuízo. “Do ponto de vista urbanista é um prejuízo como um todo, na dinâmica do território e para a população. A única coisa é que é lucro para os especuladores e para o mercado imobiliário. E é um lucro que vai para poucos”. E completa. "Precisa fazer um grande projeto de requalificação pensando na cidade como um todo. O reuso desses prédios pode ser promovido com um bom diagnóstico, que traga à tona todos os detalhes possíveis, para propor ações”, finaliza.