Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo e membros da Alesp e da Câmara Municipal de Campinas se posicionaram contra a ideia que está em análise
Cafeicultura é uma das principais atividades agrícolas do país, com uma produção no ano passado de 55,1 milhões de sacas, crescimento de 8,2% em comparação ao ciclo de 2022; um dos temores é que eventual venda da área de sete hectares possa prejudicar pesquisas que estão em andamento (Alessandro Torres)
O risco de venda de parte da Fazenda Santa Elisa, pertencente ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e mais importante centro de pesquisa do café do país, gerou preocupação e manifestações contrárias da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) e de membros da Assembleia Legislativa e da Câmara Municipal. A ideia está em análise pelo Governo do Estado de São Paulo. “O IAC faz um trabalho grandioso, que precisa ser preservado. Temos expectativa de que o governador reveja essa proposta”, afirmou o presidente da entidade que reúne produtores rurais paulistas, Tirso de Salles Meirelles. Já o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) e o vereador Gustavo Petta (PCdoB) cobraram explicações do governo estadual.
O presidente da Faesp enviou um ofício ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) colocando a sua posição. “A venda da área, caso seja concretizada, representa ameaça direta ao patrimônio genético armazenado e às pesquisas em curso, com impacto na sustentabilidade e competitividade da cafeicultura brasileira”, acrescentou Tirso Meirelles. A Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (SAA) confirmou, em reportagem publicada pelo Correio Popular na quinta-feira (17), que realiza estudos para avaliar a viabilidade de venda de áreas pertencentes à Pasta. O órgão reforçou que “áreas que contém pesquisa em andamento e bancos de germoplasma de culturas perenes, como o café, não serão alteradas”.
No entanto, a SAA deixou dúvidas quanto ao futuro da Fazenda Santa Elisa, onde foram desenvolvidas, desde 1932, variedades responsáveis hoje por 90% do café cultivado no Brasil, maior produtor mundial. “Atualmente, o Instituto realiza a duplicação do material genético das espécies vegetais de seus bancos de germoplasma, inclusive o café, em sua Estação Experimental de Mococa, como uma estratégia de segurança para a preservação de material genético”, ponderou a Secretaria em nota oficial enviada ao jornal.
RISCOS
“A Faesp avalia que a eventual transferência das pesquisas para outra localidade seria um processo dispendioso e demorado, comprometendo os avanços científicos em desenvolvimento. A entidade defende que decisões sobre a venda de bens públicos considerem não apenas os aspectos financeiros, mas também os impactos sociais, econômicos e ambientais a longo prazo”, detalhou Tirso Meirelles. No ofício enviado ao governador, a entidade solicitou que ele reconsidere a possibilidade da venda da área e que preserve a unidade de pesquisa do IAC, “essencial para o desenvolvimento e a sustentabilidade da cafeicultura e da agropecuária brasileira”.
No caso da Fazenda Santa Elisa, a possibilidade de comercialização envolve uma gleba do centro experimental de 7 hectares, pouco mais de 1% do total de 692 hectares, denominada de gleba São José. Nela existem exemplares únicos de diversas espécies de café, além de abrigar a população mais antiga do mundo da variedade arábica clonada por cultura de tecidos. Segundo a Associação Paulista de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), também contrária à venda de área do centro de pesquisa, foram mais de 20 anos de estudos para se atingir a viabilidade técnica e longevidade desses pés da planta.
“Por um interesse financeiro imediatista estão colocando à venda áreas que têm uma grande importância científica, de preservação de áreas remanescentes de matas, proteção da biodiversidade, que afetará a produção de água e as condições climáticas”, criticou a presidente da associação, Helena Dutra Lutgens. De acordo com ela, outras parcelas de centros de pesquisas e preservação também estão sob risco de venda no Estado, entre elas do Instituto Florestal, Instituto de Zootecnia e fazendas experimentais em São Roque, Tietê e Pindamonhangaba.
Segundo a Secretaria de Agricultura, a decisão sobre o futuro das áreas será tomada somente após a conclusão do levantamento sobre a possível alienação. “Toda e qualquer decisão tem como premissa garantir que as áreas de pesquisa em andamento sejam preservadas, modernizadas e valorizadas e serão tomadas em conjunto com a diretoria dos institutos estaduais”, argumentou a pasta.
LEGISLATIVO
O risco de venda da Fazenda Santa Elisa levou integrantes dos legislativos estadual e municipal a manifestarem preocupação quanto ao futuro das pesquisas em desenvolvimento e se posicionarem contra o desmembramento de glebas para venda. “O governador não pode virar um corretor de imóveis e ficar vendendo tudo, privatizando tudo, terceirizando tudo”, criticou o deputado estadual Carlos Giannazi. O governo paulista, apontou, já anunciou a realização de leilão para vender também a sede administrativa do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo (Iamspe), no Ibirapuera, área nobre na capital, e outros 30 prédios públicos. “Nós vamos fazer uma forte reação no Estado. Não vamos deixar”, ressaltou o parlamentar.
Em relação à Santa Elisa, ontem à tarde Giannazi deu entrada em um requerimento na Comissão de Atividades Econômicas da Assembleia pedindo a convocação do secretário Estadual de Agricultura e Abastecimento, Guilherme Piai Filizzola, a prestar esclarecimentos na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. O vereador Gustavo Petta, presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara de Campinas, marcou uma reunião para o próximo dia 30, às 14 horas, para discutir o desmembramento de parte da fazenda experimental do IAC para venda. Ele pretende reunir representantes da Secretaria de Agricultura, APqC, direção do Instituto Agronômico, Faesp e Prefeitura para discutir a situação da unidade.
“A gente ficou muito assustado, muito preocupado com essa possibilidade (venda de parte da Santa Elisa). Isso terá um impacto negativo na ciência, na questão da pesquisa, mas também ambiental”, analisou. O centro de pesquisa tem 35% de sua área ocupada por matas ciliares, cerrados, várzeas, Mata Santa Elisa, nascentes, córregos e represas. As primeiras nascentes do Ribeirão Quilombo, afluente do Rio Piracicaba, estão nessa área.
IMPORTÂNCIA
“Eu vejo como uma atitude irresponsável, tanto do ponto de vista científico quanto do ambiental”, opinou Gustavo Petta. “Queremos saber o que está motivando isso, qual o propósito. Esse é o primeiro movimento, mas é claro que nós vamos, junto com os pesquisadores, tentar impedir que a venda seja consumada. Nós não conseguimos pensar quais seriam os argumentos que justificariam essa venda a não ser uma tentativa do governo estadual de arrecadar mais”, pontuou o vereador.
Os prejuízos para as pesquisas com o café, advertiu a Associação dos Pesquisadores, teria impactos também na economia nacional. A cafeicultura é uma das principais atividades agrícolas do país, com uma produção no ano passado de 55,1 milhões de sacas, crescimento de 8,2% em comparação ao ciclo de 2022, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão do Ministério da Agricultura e Pecuária.
São Paulo é o terceiro maior Estado produtor, com o café estando no sexto lugar das exportações do agronegócio paulista. De janeiro a setembro deste ano, as vendas ao exterior do café renderam ao Estado US$ 944,21 milhões (R$ 5,36 bilhões), de acordo com balanço divulgado pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), órgão da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento.
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