Médica caminha nos corredores do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp: 83% dos pacientes curados da covid apresentam algum tipo de dificuldade cognitiva (Ricardo Lima/ Correio Popular)
Pacientes que passaram pela covid-19 podem desenvolver sequelas cerebrais decorrentes da exposição ao vírus, independente se foram acometidas pela doença de maneira severa ou assintomática. É o que aponta, preliminarmente, a terceira fase de um estudo inédito realizado no InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). O estudo identificou a disfunção cognitiva em algum grau em quase todas as pessoas que passaram pela infecção do coronavírus.
Entre as disfunções cognitivas destacadas estão problemas de concentração, fadiga, sonolência e dificuldade para dormir até lapsos de memórias mais severos provocados por pequenos danos no cérebro.
O alerta é para as pessoas acometidas por algum grau de disfunção cognitiva no pós-covid-19, que não realizaram nenhuma atividade de estímulo cerebral, que podem ficar propensas a desenvolver doenças psíquicas como depressão, ansiedade, pânico entre outros problemas que afetam a sociabilidade e a qualidade de vida futura.
Entre os exercícios de estímulo às atividades cerebrais estão a leitura, praticar o jogo da memória, fazer tricô ou crochê, caminhar entre outras. "Todas as atividades de estímulo da atenção e coordenação das funções cognitivas são muito importantes. O importante é as pessoas praticarem. Até aqueles jogos de aplicativos de celular voltados para as funções cognitivas, e que parecem ser bobinhos, são importantes ferramentas de estímulo para a atividade cerebral", destaca a neuropsicóloga Lívia Stocco Sanches Valentin, professora que lidera o estudo do InCor.
Iniciado em março, a pesquisa que usou o jogo digital MentalPlus®?para avaliação e reabilitação da função cognitiva, apontou logo no início da pandemia, que mais de 80% dos infectados pela covid apresentaram as sequelas relacionadas a disfunções cognitivas sérias.
Segundo a pesquisadora, esse número vem evoluindo junto com a pesquisa, e já é possível concluir que as disfunções cognitivas acometem todos os pacientes da covid-19 em algum grau, e que as intervenções terapêuticas devem ser iniciadas assim que os diagnósticos forem sendo confirmados. Ela explica que essas sequelas estão associadas à dessaturação de oxigênio causada nas vítimas da covid-19 durante a ação do vírus no organismo.
"O vírus também favorece a formação de trombos nos pequenos vasos, como aqueles que irrigam não apenas os pulmões, mas o cérebro. Isso nos preocupou muito, porque poderia causar tanto hemorragias, se por acaso os trombos levassem ao rompimento dessas minúsculas artérias, quanto isquemias, quando o sangue não passa por causa do obstáculo de um coágulo. Foi então que já não tínhamos a menor dúvida de que o cérebro estava ameaçado", conta.
O que chama atenção é que as sequelas acontecem independentemente da idade da pessoa, do nível de escolaridade ou se a covid-19 acometeu o paciente com sintomas graves, leves ou até mesmo se passou despercebida. "Os prejuízos em determinadas áreas da massa cinzenta são inevitáveis", conclui.
A pesquisa
Os números apontados pela cientista mostram que depois que a covid-19 passa, 83,3% dos pacientes desenvolvem alguma dificuldade cognitiva para executar suas tarefas cotidianas. Em 62,7% das pessoas, a memória de curto prazo fica comprometida, e elas se esquecem do que acabaram de fazer, por exemplo. Enquanto 26,8% dos pacientes não se recordam tão bem do passado remoto, por causa de avarias na memória de longo prazo.
A capacidade de alternar a atenção e cuidar de mais de uma coisa ao mesmo tempo diminuiu para 43,2% dos que foram infectados. Já a capacidade de focar totalmente em algo importante, chamada de atenção seletiva, deixa de ser a mesma para 28,1% dos indivíduos. A percepção visual em 92,4% dos casos também fica afetada.
A pesquisadora reforça que as sequelas, por menores que possam ser, se não forem tratadas se transformam em transtornos psíquicos que podem ter consequências sérias. "Os problemas cognitivos se não tratados podem levar a casos de pessoas deprimirem com mais facilidade. É de extrema importância que independentemente do grau da sequela, as pessoas no pós-covid exercitem as atividades cerebrais", disse,
De acordo com a pesquisadora, a recuperação física não significa uma recuperação cognitiva. "Se a recuperação das funções cognitivas não ocorrer de forma plena, as chances de o problema evoluir para casos psíquicos são grandes. Por isso é importante um diagnóstico rápido para uma rápida intervenção terapêutica", disse.
O médico pneumologista Ronaldo Macedo, informou que 90% dos pacientes atendidos por dia em seu consultório, em Campinas, são de pessoas acometidas com sequelas do coronavírus. Segundo ele, as sequelas variam desde quadros de depressão até a perda do condicionamento físico. "Fazemos a avaliação dos pacientes e eles não apresentam quadros de problemas no pulmão ou coração, mas tem sintomas de fadiga, e relatam quadros de depressão, medo da doença entre outros aspectos", disse.