Após perder o emprego de auxiliar de serviços, Francisco Freitas trabalha como jardineiro, junto com a mulher e filho (Ricardo Lima)
A Região Metropolitana (RMC) atingiu o total de 1.050.641 de inadimplentes em abril, o equivalente a quase toda população de Campinas, estimada em 1,2 milhão de pessoas. O número é o segundo maior da série histórica da Serasa Experian, iniciada em janeiro de 2019, ficando atrás apenas de março de 2020, quando chegou a 1.058.939 endividados.
Já o montante de dívida é recorde, atingindo R$ 5,14 bilhões em abril, o que equivale à soma dos orçamentos deste ano de cinco municípios da RMC: Paulínia, Americana, Santa Bárbara d´Oeste, Sumaré e Hortolândia totalizam R$ 5,5 bilhões. O total de débitos em abril é 2,9% maior do que os R$ 4,97 bilhões registrados em março deste ano e 9,53% superior aos R$ 4,69 bilhões do mesmo mês de 2021.
Para o economista Cândido Ferreira da Silva Filho, do Observatório da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC), o crescimento da inadimplência é resultado da crise econômica, composta por alta inflação, queda do poder aquisitivo, salários defasados, aumento dos juros, alta taxa de desemprego e precarização do mercado de trabalho. Ele explica que as vagas com carteira assinada foram substituídas por prestadores de serviços. “Esse conjunto de fatores faz parte da crise que atinge principalmente a classe média”, afirma.
Francisco de Assis Léo de Freitas perdeu o emprego de auxiliar de serviços gerais há seis anos e, desde então, não conseguiu mais trabalho com carteira assinada. Para sobreviver, comprou um cortador de grama, ferramentas e hoje trabalha como jardineiro autônomo.
A queda do poder aquisitivo o levou a perder o carro financiado por não ter condições de arcar com as prestações, mas continuou com a dívida. Além disso, há um ano, deixou de pagar o cartão de crédito, que está bloqueado. O que ganha hoje dá para as despesas de alimentação e contas de água e luz. “Se eu pagar o cartão e o financiamento, não como. Não vou tirar comida da mesa para dar para o banco.”.
O trabalho informal de jardineiro inclui a mulher e o filho. “Não dá para ter empregado”, explica. Freitas acredita que o pior já passou e quer agora começar a se reerguer. No entanto, diz não ter condições de quitar as dívidas do financiamento e do cartão de crédito, que aumentam todo mês por causa dos juros. “Só vou conseguir pagar se o banco der desconto.”
Monte Mor
Proporcionalmente, Monte Mor é a cidade da RMC com o maior número de devedores: tem 21.621 inadimplentes, o que equivale a 35,05% da população de 61.707 pessoas. Tairini Rodrigues Pereira, moradora da cidade, está com o aluguel da casa atrasado há dois meses e há três não paga as contas de água e luz. “A gente paga a que está mais atrasada para evitar o corte”, explica Tairini, que vive com o marido e cinco filhos. Ontem, para piorar a situação, foi informada que perdeu o Auxílio Brasil de R$ 400, o antigo Bolsa Família. “Vou atrás para saber o que aconteceu, não posso ficar sem”, explica.
O benefício emergencial é o que ajuda a família a reforçar a renda dos bicos do marido, que tira em torno de R$ 1,5 mil por mês como servente de pedreiro. Ele está desempregado desde março de 2020. Um alento para Tairini é que recebeu o vale-gás de R$ 110 do governo estadual. “Vou comprar fralda para o meu filho de 2 anos.
A operadora de caixa Valéria Santos, que trabalha em uma loja no Centro de Monte Mor, convive diariamente com o cenário de inadimplência por causa do crediário próprio do estabelecimento. “De cada dez contas, três ou quatro estão atrasadas. Mas logo as pessoas procuram acertar.” Para evitar problemas maiores com as contas atrasadas, a loja ficou mais criteriosa na concessão de crédito e, há três anos, mantém convênio com uma financeira. Nesse caso, as dívidas atrasadas ficam sob responsabilidade da instituição, pois a loja recebe pontualmente as contas.
Em todo o País
De acordo com a Serasa, a situação na RMC acompanha o quadro nacional. Em abril, o País alcançou o número recorde de 66.232.670 consumidores com o nome no vermelho — o maior da série histórica do índice, iniciada em 2016. Além disso, no mesmo mês, a soma das dívidas chegou a R$ 271,6 bilhões. Os segmentos de bancos e cartões são responsáveis por 28,1% dos débitos, enquanto contas básicas como água, luz e gás representam 22,9%.
Na comparação com abril de 2021, o setor de financeiras foi o que teve maior aumento na participação de inadimplência, subindo de 9,6% para 12,4%. “As financeiras costumam oferecer crédito para perfis de risco, como os de consumidores inadimplentes. Por isso, quanto mais instável ficar o cenário econômico, mais a inadimplência desse setor tende a crescer”, explica Luiz Rabi, economista da Serasa.
Silva Filho, do Observatório da PUC, acredita que uma mudança na situação econômica ocorrerá somente com a posse do novo governo federal em janeiro. Porém, acrescenta, os reflexos começarão a ser sentidos a partir do segundo semestre de 2023 ou início de 2024. Para ele, o momento é de cautela: procurar manter os empregos, cortar supérfluos e evitar fazer dívidas. Esses são cuidados tomados pela vendedora autônoma Susi Tosa, que há quatro anos divide as tarefas de dona de casa com a de MEI. Ela vende salgados, queijos, bolos e pães caseiros na rua para reforçar o orçamento. “Se não tem dinheiro para comprar à vista, vamos passar sem comprar”, afirma Susi, que foge do cartão de crédito e de financiamentos.