Com os anos, a invasão recebeu equipamentos públicos e ganhou status de bairro
Há 15 anos a catadora de reciclagem Maria Sueli Gomes, de 60 anos, ajudou a criar uma das maiores ocupações da América Latina, o Parque Oziel. Ao lado de líderes como o Gentil Ribeiro, conhecido como Paraíba, e do padre Nelson Ferreira de Campos, Sueli montou barracos no bairro e mobilizou os invasores em grandes manifestações, como a Marcha dos Sem-Teto para São Paulo. “Fomos a pé para São Paulo para reivindicar melhorias para a ocupação. Andamos durante uma semana, parando em cidades para comer e descansar, vivendo de forma improvisada. Naquela época a gente parava a cidade para fazer as manifestações”, contou.
Com o passar dos anos, e após inúmeros protestos, a invasão recebeu alguns equipamentos públicos e ganhou status de bairro. Tem hoje cerca de 3,2 mil domicílios, dos quais apenas 1,4 mil com ligações de água e esgoto, e mais de 30 mil habitantes (segundo dados da Prefeitura). Está em processo de regularização e começa a receber melhorias como rede de esgoto e asfalto em algumas ruas. O bairro, que antes era composto apenas por famílias pobres, hoje vivencia um fenômeno comum em várias comunidades “organizadas” da cidade: a desigualdade social.
A história da ocupação, contada por seus moradores, antigos líderes e pelo poder público revela que hoje não há mais razão para que invasões como essa se repitam. “Antes não havia esses programas do governo de moradia. A única saída para milhares de famílias era a invasão”, conta a dona de casa Augusta Maia Souza, uma das primeiras moradoras do bairro.
O que também ficou no passado foram as disputas pelo poder travadas por bandidos que queriam comandar o tráfico de drogas no bairro. Em 1998 os moradores da ocupação conviviam com o medo. “Uma lista com os nomes das pessoas marcadas para morrer circulava no bairro. E as pessoas eram mortas seguindo a ordem. Quando estava chegando o meu nome o bispo me transferiu”, contou o padre Nelson.
Pelo menos 60 sem-teto foram mortos somente em 1998. O filho de Maria Sueli Gomes foi um deles. Depois disso, ela fugiu para preservar a vida. Voltou anos depois, quando a situação estava mais calma, para ajudar a organizar a ocupação na Gleba B. “Havia muito medo. Eu não queria morrer, então fugi. Hoje não é assim, é muito mais tranquilo viver aqui agora”, afirmou.
Hoje Sueli está entre as cerca de 100 famílias que ainda vivem em péssimas condições na região. Depois de perder tudo o que tinha em um incêndio no dia 7 de setembro, a catadora de reciclagem vive em um barraco improvisado com menos de quatro metros quadrados. A casa, feita com tábuas encontradas no lixo, não a protege da chuva ou do frio. No local só há espaço para uma cama e um fogão quebrado, mas ela divide o quarto com uma de suas gatas e quatro filhotinhos. O pouco que tem reparte com os bichos que cria, três cães e cinco gatos. “Eles são os meus filhos, não os abandono por nada”, disse.
Vive em uma área de risco próxima a torres de alta tensão. Não tem banheiro, chuveiro e nem cozinha. Faz as necessidades em uma cabana improvisada com coberta entre duas árvores e cozinha em um fogareiro feito com tijolos. “Perdi tudo, mas recomeço de novo. Não tenho medo. Já fizemos isso uma vez e faço de novo”, disse, resignada com a vida.