Donos de bares e restaurantes divergem sobre o tema; entidade que representa o setor estuda ingressar na Justiça para tentar barrar obrigatoriedade
O gerente Elielson Donizete trabalha em restaurante que já fornece água aos clientes: "Ouvimos pessoas que tiveram experiências no exterior e elas foram categóricas em falar o quanto isso é comum" (Rodrigo Zanotto)
A lei 17.747/23, que o obriga bares e restaurantes do Estado de São Paulo a fornecer água filtrada gratuita aos consumidores, entrou em vigor na quarta-feira (13) e já tem dividido opiniões de responsáveis e clientes de estabelecimentos locais. A entidade que representa o setor em mais de 40 municípios do Interior de São Paulo estuda ir à Justiça contra a determinação, por entender que o fornecimento não deve ser imposto por meio de medida legal.
O projeto de lei, de autoria do deputado Átila Jacomussi (Solidariedade), foi aprovado pelos deputados na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) no final de agosto. De acordo com o texto, os estabelecimentos deverão deixar visível, seja no cardápio ou em cartazes, que há água potável e filtrada disponível no local. O Executivo estadual ainda irá definir detalhes sobre a aplicação, sanções e prazos para os estabelecimentos se adequarem à exigência.
Em Campinas, alguns bares já praticavam a medida antes que ela se tornasse lei, oferecendo equipamento para filtragem de água. Na região central, o gerente de um desses locais, Elielson Donizeti, de 40 anos, não vê a prática como um incômodo, uma vez que a casa que gerencia já fornece água filtrada aos clientes que solicitam. Ele ainda lembrou-se de uma consultoria que prestou para outro bar, na qual sugeriu a distribuição gratuita de água como uma política do estabelecimento. "Ouvimos pessoas que tiveram experiências no exterior e elas foram categóricas em falar o quanto isso é comum", ressaltou.
Mesma conduta foi defendida por outros dois espaços consultados pela reportagem e que também afirmaram cumprir o requisito antes da lei. Apesar disso, foram surpreendidos com a imposição da medida, uma vez que desconheciam a sanção do texto. "Vamos fazer algumas adaptações para melhor atender os clientes, mas sempre oferecemos água filtrada a quem pede", apontou o gerente de outro local, Eduardo Souza Telles, de 46 anos.
A subgerente Ana Cláudia Area Leite, de 26 anos, acrescentou ainda que lei não deve impactar o serviço e o orçamento do local, já que não há grande procura por água e o estabelecimento possui filtro para isso, caso necessário.
Na outra ponta, o proprietário de um restaurante, José David Zinetti, de 68 anos, demonstrou preocupação. Ele defendeu que os espaços públicos tenham banheiros e bebedouros para atender o público para essa conta não recair sobre os comerciantes. "Quem irá pagar a conta do funcionário, da água, do copo e até, em alguns casos, do gelo para servir essa água?", criticou. "Querem que trabalhemos de graça?".
Clientes ouvidos pela reportagem se surpreenderam ao saber que a medida ainda não era lei no Estado, uma vez que já eram atendidos nesse sentido. A aposentada Marilza Gertrude Liberal, de 73 anos, foi contra. "Defendo que a água seja paga. Pois muitos lugares podem fingir oferecer algo filtrado, mas é água da torneira. Vejo com preocupação isso", defendeu.
O Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) de Campinas disse que aguarda regulamentação do Governo do Estado quanto ao conteúdo do cartaz e ao órgão fiscalizador para se posicionar sobre o assunto.
Uma lei semelhante já era válida na cidade de São Paulo, mas uma ação judicial proposta pela Confederação Nacional do Turismo suspendeu a aplicação da norma, que hoje aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Na época, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu se tratar de medida inconstitucional.
Da mesma forma, a entidade representativa de bares e restaurantes estuda procurar a Justiça para rever a posição. Em nota, informou não ser contrária ao fornecimento de água aos clientes, mas sim contra a obrigatoriedade imposta pela lei estadual.
"A entidade Regional Campinas está estudando junto ao departamento jurídico a possibilidade de entrar com uma ação judicial pedindo a ilegalidade da lei, entendendo que já existe jurisprudência sobre o assunto, relativa à cidade de São Paulo, que foi considerada inconstitucional", diz trecho.
Segundo a associação, medida deve trazer impactos financeiros aos estabelecimentos, que ainda estão "sofrendo e pagando os prejuízos causados pela pandemia". "Fornecer água gratuitamente é uma questão de bom tratamento, mas o que não podemos aceitar é a imposição de uma lei aonde a gente tem que oferecer gratuitamente algo que existe custo (...) e isso entendemos que não deveria acontecer", sustentou o presidente da entidade, Matheus Mason.