Embora ainda não existam detalhes consolidados sobre como funcionaria e a expectativa de arrecadação, eventual loteria ajudaria a financiar projetos para o Esporte, Cultura e Assistência Social (Alessandro Torres)
A Câmara Municipal de Campinas aprovou na segunda-feira, em votação definitiva, o projeto de lei (PL), de autoria da Prefeitura, que libera a criação de uma loteria municipal. Na prática, a atividade deve ser administrada por uma empresa parceira e financiar projetos nas áreas de Esporte, Cultura e Assistência Social. Apesar disso, o Executivo ainda não tem um projeto consistente sobre como a atividade deve funcionar e admite a possibilidade de nem existir a “Locamp” – nome usado para batizar o concurso – caso se mostre inviável.
Especialistas advertem que a atividade, caso desempenhada por municípios, é ilegal e com potencial de arrumar problemas de ordem jurídica e administrativa. O projeto foi aprovado por unanimidade no plenário do Legislativo, ou seja, teve aval de todos os vereadores. Inicialmente, um PL havia sido protocolado pelo vereador Jair da Farmácia (Solidariedade), mas o parlamentar retirou o texto da fila quando a Prefeitura indicou que protocolaria um projeto similar, o que se consolidou em 15 de dezembro do ano passado. O texto agora vai para a sanção do prefeito Dário Saadi (Republicanos) antes de virar lei. Também cabe ao Executivo regulamentar a lei.
A Prefeitura avalia que não há inconstitucionalidade na ação e justifica a sua análise com base em uma interpretação, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que o domínio das loterias não se restringe à União. “Caso o município decida pela criação desse serviço, será uma forma de incrementar os recursos destinados às atividades- fim variadas”, declarou o secretário de Justiça, Peter Panutto, à época do envio do projeto à Câmara. Outras prefeituras que se lançaram na mesma aventura e obtiveram aval de seus respectivos legislativos, no entanto, viram o processo travar na montagem. Caso de Guarulhos, cidade de porte similar a Campinas e primeira no país a tentar emplacar uma loteria municipal, em 2021. Já são quase quatro anos desde então, sem avanços significativos na ação.
Apesar das questões burocráticas a serem desenroladas, nas ruas a população avalia que a proposta é positiva tanto para o município quanto para seus cidadãos.
DINÂMICA
Segundo a Administração, a ideia da “Locamp” surgiu na Secretaria Municipal de Esportes, como proposta para obter mais recursos para a Pasta. “Fizemos uma pesquisa nas decisões do STF e elaboramos o PL com base em leis estaduais e municipais, com apoio das pastas de Justiça e Finanças”, explica a Prefeitura em nota.
Para avançar, contudo, o Executivo terá que se dedicar à montagem da loteria, uma vez que se configura como algo difícil de concretizar. A própria Prefeitura diz que o fato da lei ter sido aprovada não consiste na obrigatoriedade de dar continuidade ao projeto.
“Vamos analisar as medidas jurídicas necessárias para a implantação. Uma análise inicial apontou a necessidade de abrir um processo licitatório para adotar um modelo de concessão. Campinas vai estudar detalhadamente o processo para identificar sua viabilidade, e só então cuidará de sua implantação. O projeto de lei apenas cria essa possibilidade”, cita a nota. Embora não haja nada de concreto e nenhuma informação sobre valor de arrecadação esperado, o prefeito Dário Saadi (Republicanos) avaliou como importante a aprovação no Legislativo. "A aprovação é um passo importante. Agora, vamos analisar juridicamente a implantação, como a necessidade de processo licitatório para a escolha da empresa que irá operar a Locamp."
No final do ano passado, o advogado João Rachid Motta foi entrevistado pelo Correio Popular e emitiu opinião acerca da legalidade do tema. “Demonstra-se preocupante a iniciativa de alguns municípios, como Guarulhos, que, por meio de suas respectivas Câmaras de Vereadores, aprovaram a implantação e exploração de loterias próprias. Não há, até o presente momento, respaldo legislativo ou tampouco jurisprudencial para a criação de serviços lotéricos municipais.”
Além de conceder o espaço a uma empresa licenciada para operar os jogos, seria necessário auditar o processo. Na visão de especialistas, qualquer irregularidade pode ocasionar um prejuízo administrativo e até político aos gestores públicos.
“Dessa maneira, sem lastro jurídico consistente, a instituição de jogos lotéricos pelas prefeituras apresenta elevado grau de insegurança jurídica, um risco às próprias administrações municipais, além de seus parceiros e investidores, uma vez que sua concepção emerge no mundo jurídico com diversos vícios que podem causar uma interrupção abrupta de eventual contrato firmado com os municípios. Como diz o ditado popular, 'cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém'”, completa Motta.
Apesar disso, a Secretaria de Justiça acredita ser possível desempenhar a atividade sem arrumar problemas legais para a Prefeitura. “Em linhas gerais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADPFs 492 e 493 e da ADI 4.986 entendeu que os arts. 1° e 32, caput e § 1°, do DL 204/1967, não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, de modo que a exclusividade da União na exploração de loterias foi tida como inconstitucional.
Portanto, a despeito de haver entendimento em sentido contrário, entendo que o Projeto de Lei Complementar para criação da Locamp está amparado na Constituição Federal e no entendimento do Supremo Tribunal Federal”, avalia o secretário Peter Panuto, de Justiça.
Alheia às questões burocráticas, a população se mostra favorável à proposta. “Acho que é bom. Pode ajudar (ter) um dinheirinho para o povo e para o município também. Se tiver, pode ter certeza que vou jogar”, declara o aposentado Vanderlei Souza, de 71 anos, jogador assíduo das loterias da Caixa Econômica Federal.
“Opa! Vamos jogar. Se não tiver falcatrua e for algo que possa ajudar a cidade e, quem sabe, colocar uma graninha no bolso do povo, é bem-vindo”, diz a auxiliar de cozinha Márcia Soares, de 52 anos.
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