Segurança da população e impactos ambientais são alvo de questionamentos; DAEE afirma que todas as informações serão prestadas
Ações em tramitação questionam a segurança da represa de Pedreira, localizada a cerca de 2 quilômetros do coração da cidade de cerca de 43 mil habitantes; proximidade da barragem com o comércio local, sedes de órgãos públicos, creches e escolas preocupa entidades ambientais envolvidas no processo (Alessandro Torres)
O juiz da 6ª Vara Federal de Campinas, Haroldo Nader, cobrou do Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE) explicações sobre os projetos das represas de Pedreira e Amparo, que formarão o maior reservatório de água da Região Metropolitana (RMC) e onde Campinas pretende fazer captação para reduzir a dependência do Rio Atibaia e garantir o abastecimento futuro. A Justiça Federal deu o prazo de 30 dias para a autarquia do governo estadual apresentar documento com a análise de segurança da população a jusante (abaixo) dos empreendimentos, além da apresentação do procedimento específico para declaração de utilidade pública da supressão vegetal da área da barragem de Pedreira, nas proximidades do limite com Campinas.
O despacho, expedido na sexta-feira da semana passada (28), deu o prazo de 30 dias para o DAEE apresentar a documentação. O prazo passará a contar a partir da data de notificação da autarquia, o que não ocorreu até ontem. A publicação no Diário Oficial da União aconteceu na quarta-feira (3). Em nota oficial, o Departamento de Água e Energia Elétrica afirmou que “todas as informações sobre as barragens Pedreira e Duas Pontes serão prestadas a todos que demandarem.”
A nova decisão refere-se às duas ações, em tramitação desde 2019, questionando a segurança das represas e aspectos ambientais, que tramitavam em separado e foram aglutinadas e movidas por quatro entidades – as associações Amigos da Área de Preservação Ambiental (APA) de Campinas (Apaviva), Movimento Resgate o Cambuí, Para a Sustentabilidade e Meio Ambiente e o Instituto Sociocultural Voz Ativa.
A decisão do juiz Haroldo Nader foi em virtude da manifestação, em 28 de março, do procurador da República, José Lucas Perroni Halil, favorável à petição dos autores da ação de revogação da licença ambiental, o que resultaria no cancelamento dos empreendimentos.
No despacho, o titular da 6ª Vara Federal requisitou ainda ao Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público Estadual, a cópia integral de um inquérito civil que move sobre empreendimento, que é um terceiro procedimento envolvendo as obras. Elas estão paralisadas há um ano, após o DAEE cancelar o contrato com as empreiteiras responsáveis pelos empreendimentos por atrasos significativos na conclusão e que não foram justificados pelas empreiteiras. A última data prevista para término era 2022. A autarquia realizou nova licitação para concluir as barragens, com as vencedoras devendo ser anunciadas neste mês. A retomada das construções está prevista para agosto, com término em 22 meses.
PONTOS CONFLITANTES
As ações em tramitação questionam a segurança da represa de Pedreira, localizada a cerca de 2 quilômetros do coração da cidade de cerca de 43 mil habitantes e aproximadamente a 1,5 km de distância de bairros densamente povoados, onde estão localizados o comércio local, sedes de órgãos públicos, creches e escolas. De acordo com a advogada Daiane Mardegan, representante das entidades nos processos, o Plano de Autossalvamento anexado pelo DAEE às ações prevê que em uma área as pessoas praticamente não terão nem um minuto para fazer qualquer coisa. “Ou seja, pelo que a gente entende, ali não existe plano de contingência”, afirmou.
Nos processos judiciais são lembrados os rompimentos de duas barragens em Minas Gerais, a de Mariana, em 2015, e Brumadinho, 2019. Juntas, elas causaram 291 mortes e afetaram 27 municípios. “Será que realmente é possível colocar uma barragem tão perto das pessoas num cenário de emergência climática que vivemos?”, acrescentou Daiane. Ela lembrou que as chuvas torrenciais de maio passado inundaram 471 das 497 cidades do Rio Grande do Sul, fenômeno associado às mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global.
A advogada ressaltou que as construções das barragens de Pedreira e Amparo foram definidas com base em um estudo de 2008, quando as anomalias climáticas não eram tão acentuadas. A execução dos empreendimentos foi decidida após a crise hídrica de 2014, uma situação emergencial definida quando a região sofreu com racionamento de água.
No aspecto de meio ambiente, a Apaviva questiona a supressão de um fragmento de Mata Atlântica de um corredor ecológico integrante da APA de Campinas. De acordo com a advogada, a retirada foi ilegal por descumprir a legislação específica para essa formação florestal nativa. “Os critérios que envolvem a Mata Atlântica são mais rígidos. A legislação diz que só é possível o empreendimento intervir em Mata Atlântica em situações de utilidade pública, desde que não exista uma alternativa locacional”, afirmou. Segundo ela, a decisão sobre as represas não levou em consideração outras opções de localização apontadas na época.
OUTRO LADO
O DAEE rebateu essas considerações. “Os reservatórios cumprem todas as exigências da Política Nacional de Segurança de Barragens tanto em seus projetos básico e executivo como na execução das obras, que são permanentemente fiscalizadas. Já o Plano de Segurança das barragens, que tem foco na operação após conclusão da obra, está em elaboração e só poderá ser finalizado após testes no enchimento da barragem”, afirmou em nota. A autarquia reforçou que mantém as análises das propostas apresentadas nas concorrências e o cronograma previsto para as retomadas das represas.
O último balanço divulgado pelas empreiteiras responsáveis pelo começo das obras apontou que a barragem de Pedreira teve 42,01% das obras concluídas, enquanto a Duas Pontes, em Amparo, 44,77%. As duas represas ocupam uma área equivalente a 980 campos do Estádio Maracanã, com capacidade para armazenar 85,3 bilhões de litros de água, o equivalente a 34 mil piscinas olímpicas. Esse volume é 797 vezes maior do que os 107 milhões de litros armazenados na Represa do Salto Grande, em Americana, formada pelos rios Atibaia e Jaguari, que depois desse ponto passa a ser o Rio Piracicaba.
Os dois novos reservatórios deverão abastecer 5,5 milhões de pessoas de 27 cidades da Região Metropolitana de Campinas e outras próximas. As duas represas aumentarão a segurança hídrica regional por meio da regularização da vazão dos rios Jaguari e Camanducaia. As barragens de Pedreira e Amparo deverão prover vazões de 8,46 mil litros de água por segundo (mil l/s ou m³/s) e 8,71 m³/s, respectivamente (com 98% de garantia), aumentando as vazões disponíveis nesses mananciais em cerca de 9 m³/s para jusante, possibilitando maior oferta de água para a região. Cada metro cúbico abastece uma população de 250 mil habitantes.
A Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S.A. (Sanasa) anunciou nesta semana que investirá R$ 750 milhões para captar 2 mil l/s no Rio Jaguari e tratar, distribuir e garantir o abastecimento pelos próximos 50 anos de Campinas, hoje com 1,13 milhão de habitantes. O projeto do Sistema Produtor Campinas-Jaguari (SPCJ) está previsto para entrar em operação em 2028. Ele tem o objetivo de reduzir a dependência do Rio Atibaia, responsável pelo abastecimento de 99% da cidade, e representará aumento de praticamente 50% na oferta de água tratada.
Atualmente, a Sanasa capta 4 mil l/s no Atibaia, onde a vazão é controlada pelo Sistema Cantareira, formado por cinco represas que entraram em operação em 1972 para abastecer a cidade de São Paulo. O SPCJ inclui a construção de uma nova Estação de Tratamento de Água, a ETA 5, no bairro Gargantilha.
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