55% dos consumidores classificados com pontuação “Baixa” na Serasa afirmaram que dívidas surgiram por terem perdido o emprego
Desempregado há dois anos, o faxineiro José Antonio da Silva convive com a inadimplência, mas garante que tenta não deixa acumular muitas dívidas: 'o que ganho fazendo bicos vai principalmente para comprar comida' (Rodrigo Zanotto)
O desemprego é a principal causa da inadimplência que voltou a bater recorde na Região Metropolitana de Campinas (RMC) em março. A 6ª edição da pesquisa Serasa Comportamento apontou que 55% dos consumidores classificados com pontuação “Baixa” disseram que as dívidas surgiram por terem perdido o emprego, índice que cai para 16% entre os que têm score excelente (ou seja, não têm contas em atraso). O estudo foi realizado com 3.025 pessoas, divididas conforme a classificação - Baixa, Regular, Bom e Excelente.
O resultado é divulgado no momento em que o número de devedores da RMC inscritos no cadastro da empresa de análise de crédito chega a 1,12 milhão de pessoas, total equivalente a soma da população de cinco das maiores cidades da Grande Campinas – Sumaré, Indaiatuba, Americana, Hortolândia e Valinhos.
Desempregado há dois anos, o faxineiro José Antonio da Silva convive com essa situação. “O que ganho fazendo bicos vai principalmente para comprar comida”, justificou. Para evitar cortes nos serviços essenciais, como água e luz, que estão com as contas atrasadas, ele evita acumular as dívidas. “Não deixo passar de duas. Pago uma e deixo outra para trás”, explicou. A pesquisa revelou ainda que a segunda principal causa de inadimplência é ter emprestado o nome para despesa de terceiros, com participação de 46%.
A inadimplência segue em alta mesmo com a RMC registrando aumento na oferta de empregos, com o acumulado de 20.330 novas vagas com carteira assinada criadas no primeiro trimestre deste ano, de acordo com o Mapa do Emprego do Observatório PUC-Campinas. Para o economista André Roncaglia, os dados não surpreendem e estão relacionados à queda do poder aquisitivo da população e ao fato de que os empregos gerados são, em sua maioria, de remuneração mais baixa. “É evidente que a perda do poder de compra do salário médio, a massa salarial, caiu bastante”, disse o especialista.
REFLEXO
Entre janeiro e março, sete em cada empregos criados na Região Metropolitana de Campinas foram para trabalhadores com ensino médio completo, com média salarial de R$ 1.892. O valor é 3,96% menor do que dos trabalhadores que foram demitidos, ou seja, as empresas contratam pagando menos do que ganhavam os funcionários demitidos. Esse cálculo não leva ainda a queda natural do poder aquisitivo provocada pela inflação, que foi de 3,69% nos últimos 12 meses. “Se a renda da família não aumentar, a relação da dívida sobre a renda tende a crescer de maneira orgânica”, explicou André Roncaglia.
O Mapa do Emprego revelou queda na média salarial em todas as faixas de escolaridade. A maior redução ocorreu entre os contratados com o superior completo, com o valor caindo de R$ 5.055 para R$ 4.461, queda de 11,75%. “Além disso, as pessoas que conseguiram uma colocação vão priorizar o pagamento das despesas essenciais. As outras contas ficam para depois”, completou o economista.
“Isso é normal”, afirmou o eletricista Gustavo Antunes. Ele estava ontem no Centro Público de Apoio ao Trabalhador (CPAT) atrás de uma indicação para entrevista de emprego com carteira assinada. Para conseguir equilibrar as despesas, o autônomo pretende ter a garantia de um salário fixo mensal, reforçando os ganhos com bicos durante a noite e nos finais de semana. “Pretendo manter as duas atividades”, afirmou Gustavo Antunes, após trabalhar por conta durante 28 anos.
Para evitar cair na inadimplência, Angelo Andrade já começou a procurar um emprego antes de se mudar para Jaguariúna. Atualmente, é funcionário comissionado na Prefeitura de Cruzeiro (SP), onde é diretor de Cultura, mas acredita que perderá a vaga com a mudança no comando da cidade na eleição de outubro. “Aproveitei as férias e vim fazer um cadastro para ver se consigo me mudar já com um novo emprego garantido”, afirmou. Ele evita fazer compras a prazo. “Não tenho nem cartão de crédito”, disse Angelo Andrade.
A especialista em educação financeira da Serasa, Clara Aguiar, alertou que o planejamento financeiro é fundamental para manter as contas em dia e evitar despesas parceladas que comprometam a renda. “Manter os gastos registrados é o primeiro passo para evitar dívidas e fazer planejamento de médio e longo prazo para a vida financeira”, analisou. “É muito importante ser transparente consigo, preenchendo as informações de forma absolutamente fidedignas para que os cálculos estejam de acordo com a realidade”, completou. Clara Aguiar disse que esse controle também é importante para quem está com contas atrasadas planejar a quitação.
AVANÇO
Em março, 11.594 novas pessoas da RMC tiveram o nome inscrito na lista de inadimplentes da empresa de análise de crédito. Com isso o total chegou a 1.126.042 consumidores, alta de 1,04% em relação ao 1.114.448 de fevereiro. É o maior número desde 2019. A Serasa também registrou o terceiro mês seguido de recorde no montante na inadimplência, que chegou a R$ 7,12 bilhões, alta de 1,57% em comparação aos R$ 7,01 bilhões de fevereiro, que era a marca anterior. O valor em março apresentou crescimento de 15,77% em relação aos R$ 6,15 bilhões de igual mês de 2023.
De acordo com a empresa, todas as 20 cidades da Região Metropolitana tiveram aumento no número de devedores e na dívida em março. Em Campinas, o total de inadimplentes passou de 445.773 em fevereiro para 448.885 no mês seguinte, elevação de 0,7%. Já montante das dívidas na cidade aumentou de R$ 2,88 bilhões para R$ 2,91 bilhões.
O levantamento apontou ainda que Valinhos é a cidade da RMC com o maior tíquete médio por inadimplente, R$ 7,33 mil. No total, o município tem 39.628 inadimplentes, com as dívidas somando R$ 290,77 milhões. O valor médio das contas atrasadas é de R$ 1.815,77.
A elevação das dívidas na Grande Campinas acompanhou o desempenho da inadimplência do Brasil, que teve alta pelo segundo mês consecutivo. O aumento em março foi de 1,19% em relação ao mês anterior, que corresponde a um acréscimo de 855 mil no número de consumidores inadimplentes. Ao todo, são 72,89 milhões de brasileiros com contas em atraso, com as dívidas somando R$ 387,2 bilhões.
Segundo o levantamento da empresa de análise de crédito, os brasileiros com idades entre 41 e 60 anos representam a maior fatia da população com nome restrito, com participação de 35,1%. Na sequência estão as faixas etárias de 26 a 40 anos (34,1%), acima de 60 anos (18,9%) e os jovens entre 18 e 25 anos (11,9%). As principais dívidas são com cartão de crédito, que representam 29,34% do total, e de contas básicas (como água, luz e gás), com 22,99%. Depois aparecem dívidas financeiras (17,07%) e serviços (11,16%). A distribuição acompanhou o ranking verificado em fevereiro.
De acordo com o estudo da empresa, 3,13 milhões de consumidores no país fecharam acordo para pagamento de dívidas em março, com os descontos oferecidos totalizando R$ 11,38 bilhões. O valor médio de acordo realizado através pela plataforma de renegociação foi de R$ 760,31. A empresa divulgou ainda que tem outras 550 milhões de ofertas disponíveis para negociação.
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