MEMÓRIA

Fotógrafo conta história de Campinas com fotos

Com cerca de 500 mil negativos, equipamentos e livros sobre fotografia guardados em sua casa, De Biasi e o filho, Roberto,sonham com um destino permanente ao material

Fábio Gallacci
gallacci@rac.com.br
25/10/2015 às 09:20.
Atualizado em 23/04/2022 às 03:41
Gilberto de Biasi, de 84 anos, sofre por não ter condições técnicas de manter arquivos preservados em sua casa (Leandro Ferreira)

Gilberto de Biasi, de 84 anos, sofre por não ter condições técnicas de manter arquivos preservados em sua casa (Leandro Ferreira)

%ds_matia_assun% %ds_matia_titlo% Gilberto de Biasi, de 84 anos, tem um caso de amor com a fotografia. Desde que pulou do balcão do bar de seu pai para seguir a vida de fotógrafo profissional, ainda moleque de calças curtas, suas lentes flagraram cenas impensáveis para a Campinas dos dias de hoje. Mulheres lavando roupa às margens da Lagoa do Taquaral e elegantes passageiros fugindo do sol embaixo das asas de um avião no até então “terrão” do Aeroporto Internacional de Viracopos são algumas delas. Também estava presente no lançamento da pedra fundamental da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), nos primeiros anos dos estádios Brinco de Ouro, do Guarani, e Moisés Lucarelli, da Ponte Preta, e na visita de quatro presidentes da República da época do regime militar. De Biasi acompanhou de perto a passagem da rainha Elizabeth II, da Inglaterra, pela região em novembro de 1968 e fez inúmeras fotos aéreas de um lugar ainda longe de ser a metrópole atual. Uma cidade que tinha apenas seis prédios.  Foto: Leandro Ferreira Gilberto de Biasi, de 84 anos, sofre por não ter condições técnicas de manter arquivos preservados em sua casa Nas mãos, as clássicas máquinas Rolleiflex, Leica e a alemã Voigtlander, a sua primeira. Com cerca de 500 mil negativos, equipamentos e livros sobre o assunto guardados em sua casa, De Biasi e o filho, Roberto, agora querem dar um destino permanente ao material. A ideia é vender tudo a alguma instituição, grupo, entidade ou pessoa interessada que possa manter esse conjunto de grande valor histórico de forma adequada. Ainda não existe um preço estipulado para esses materiais, muitos deles colocados em antigos armários de metal que já sofrem a ação do tempo ou em pastas plásticas. Mesmo assim, tudo muito bem organizado e com etiquetas de identificação. O problema é que o calor, a umidade e a falta de um tratamento técnico indicado estão inutilizando muitos dos negativos. Alguns registros de formaturas de estudantes da década de 50, por exemplo, já se perderam para sempre. Foto: Leandro Ferreira Gilberto de Biasi observa negativos em seu acervo “Aqui em casa eles (os negativos) não estão nas condições ideais. Seria preciso deixar o espaço a uma temperatura de 16ºC, ou seja, ar-condicionado ligado direto, e fazer o banho de silício para preservá-los”, afirma Roberto, que não tem condições de fazer isso por conta própria. “Para a memória de Campinas, esse material não tem preço”, acrescenta o filho do fotógrafo, lembrando que De Biasi também tem um bom acervo de livros sobre fotografia e mais de 20 máquinas antigas guardadas. “Isso serviria para instruir muita gente”, diz. Foto: Divulgação De Biasi, em 1950, no teco-teco que usava para registrar cenas de Campinas do céu Os interessados podem entrar em contato pelo telefone (19) 99180-2428 ou pelo e-mail robertodebiasi@gmail.com e falar diretamente com a família. Mesmo buscando um novo lar para a sua história, De Biasi não abandona a paixão pelos cliques. “Não vou parar de fotografar. Só se morrer”, decreta. A convite do Correio, jornal onde ele trabalhou a partir de 1949, o fotógrafo percorreu o Parque Portugal com uma Rolleiflex em punho para fazer alguns registros em preto e branco. Quase 70 anos depois, o fotojornalista completo volta a ilustrar as páginas do jornal (o resultado faz parte desta reportagem) com a sua rara sensibilidade e talento. De Biasi foi o autor da foto da capa da primeira Revista do Correio Popular, em março de 1949. Ele também registrou a presença de Cacilda Becker, a dama do teatro brasileiro, na cidade e a juventude de atrizes com raízes campineiras, como Maitê Proença, aos 14 anos, e a recém-nascida Cláudia Raia. Foto: Divulgação Fotógrafo também notabilizou-se pelas colunas sociais Azar Suas lentes também mostraram tristezas, como diversas ocorrências policiais e acidentes. Nesse quesito há uma curiosidade: o fotógrafo conta que queimou todos os negativos. “Me disseram que dava azar guardar essas coisas”, explica. Em 1951, ele mostrou para o Brasil a tragédia do Cine Rink, que desabou em 16 de setembro daquele ano sobre uma plateia lotada, deixando 25 mortos e cerca de 400 feridos. Seja cercado por sorrisos ou lágrimas, uma coisa é certa: De Biasi sempre esteve lá para registrar. História Gilberto De Biasi nasceu em Campinas, no dia 21 de julho de 1931. A mãe, filha de italianos; o pai, italiano, dono de um bar na Rua César Bierrenbach. Aos 12 anos, sentiu vontade de aprender algo “além de atender os fregueses atrás do balcão”. Foi por meio de um primo que ficou sabendo: uma loja recém-inaugurada, na Rua General Osório, precisava de um garoto para ajudar nas tarefas gerais. Era uma loja de fotografia. Na câmara escura, aprendeu o a-be-cê da fotografia e da revelação: “Tudo na prática. Não tinha escola de fotografia, nem eles ensinavam nada pra gente”, relembra. Foto: Divulgação Biasi registrou o teatro Castro Mendes, já demolido Obra foi reconhecida em livro O importante trabalho do veterano já foi transformado no livro 'Gilberto de Biasi - Ofício do Olhar', lançado em 2009 pela Prefeitura de Campinas. O Museu da Imagem e do Som (MIS) também mantém uma coleção dedicada ao profissional com 335 fotografias em preto e branco impressas em papel fotográfico datadas da década de 50. “A importância desta coleção reside em sua qualidade estética e seu valor histórico. Representam uma fração ínfima da produção deste grande fotógrafo campineiro, apaixonado pela fotografia, autodidata formado na observação antenada à produção de sua época e no exercício do fazer”, enaltece o MIS. “De Biasi não apenas registrava o que via: dominando a técnica e a linguagem. Ele construía habilidosamente suas fotos como uma poesia visual”, acrescenta o material do Museu. De acordo com os textos contidos no livro, do ponto de vista histórico, a coleção de De Biasi retrata uma Campinas a ponto de desaparecer; o momento pregnante da cidade cuja transformação daria origem à metrópole atual. Nela, Campinas se mostra acolhedora e organizada, com suas praças convidando ao descanso e à brincadeira, suas ruas tomadas de gente nas festividades cívicas ou religiosas, suas edificações antigas revelando à distância o horizonte. “É apenas um momento: logo virão as construções modernas no Centro, a publicidade e os edifícios ocultando a vista, sobrepujando a altiva Catedral, pondo abaixo construções de valor histórico.”, descreve parte do conteúdo de 'Ofício do Olhar'.  Foto: Leandro Ferreira Making off registrado por Leandro Ferreira   Foto: Gilberto De Biasi Fotos feitas por De Biasi com sua velha Rolleiflex na Lagoa do Taquaral   PONTO DE VISTA Leandro Ferreira, repórter-fotográfico do Grupo RAC ‘Primeiro ele fotografa com o cérebro’ Um passeio, uma aula, uma pequena vivência com o fotógrafo Gilberto De Biasi. Foi assim em uma sexta-feira qualquer, EM que tive o prazer de sair com De Biasi para fotografá-lo e ilustrar a reportagem sobre sua vida e sua experiência. Fomos ao Parque Portugal (Taquaral) para ele fazer uma breve sessão de 12 chapas com sua velha Rolleiflex, um filme preto e branco. Durante o percurso, o fotógrafo parava, olhava a cena, media a luz, fazia o enquadramento e, com todo carinho, empunhava sua Rollei. Enquanto armava a máquina, ouvia-se o seu suave disparo, quase imperceptível. No pouco tempo em que passei com ele, pude perceber o olhar apurado de alguém que primeiro fotografa com o cérebro e só depois repassa a informação para a máquina. Sua linguagem e seu estilo ainda dominam a sua mente, assim como acontecia quando estava na ativa, época em que ilustrou muitas capas do jornal Correio Popular. Eu o observava passeando pelos trilhos do Bondinho, procurando algo inusitado, como um caçador que fica à espreita de sua presa. De Biasi fez muitas fotos de Campinas e o seu glamour. Foram bailes, formaturas, casamentos e festas. Eu diria que, se Paris teve Cartier-Bresson, Campinas teve De Biasi, que com muito tato e sensibilidade registrou belos momentos da história dessa metrópole em constante desenvolvimento.

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