A estrutura chegou a ser montada mesmo sem alvará, mas nenhum tipo de entorpecente foi encontrado no evento e ninguém foi detido; organizador da feira disse que as ações de marketing foram mal-interpretadas (Divulgação)
O evento We Expo, feira voltada ao uso medicinal da cannabis, foi cancelado no último sábado, 9, após ter o alvará indeferido pela Prefeitura de Campinas. Entre os motivos, foi alegada uma “incitação ao consumo de entorpecentes” após denúncia do vereador Nelson Hossri (PSD) ser acolhida. Ministério Público (MP), Polícia Militar e agentes da Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes de Campinas (Dise) estiveram no local. A organização nega as acusações e busca nova data para realização da feira. A Prefeitura alegou que as divulgações do evento convidavam os participantes a "se prepararem para ver os mais inovadores produtos do mercado, os melhores cheiros e sabores".
De acordo com a secretária de Urbanismo, Carolina Baracat Lazinho, em decisão no dia 18 de agosto, a análise da Procuradoria de Urbanismo e Meio Ambiente (Puma) concluiu que houve desrespeito a uma jurisprudência criada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que, entre outros fatores, somente é permitido eventos do gênero desde que “não haja incentivo, estímulo ou consumo de entorpecentes e que não haja a participação ativa de crianças ou adolescentes na sua realização”. O evento estava previsto para acontecer em um espaço no distrito de Joaquim Egídio, com 40 stands para venda de produtos, além de 10 mesas para debater o uso medicinal da cannabis. A feira já havia sido alvo do vereador Nelson Hossri, que oficiou denúncia à Prefeitura, Secretaria de Urbanismo, MP, Polícia Civil e Militar contra a realização do evento.
No documento, Hossri incluiu imagens e textos publicados na rede social que divulgavam a feira, alegando que ela fazia apologia ao uso das drogas. Uma das citações que o vereador considerou problemática foi a de que o objetivo do evento era “proporcionar um dia único, no parque, livre de regras chatas e com uma estrutura impecável, nunca vista em eventos do segmento”. A denúncia foi acolhida pela Prefeitura, que negou o alvará ainda em agosto. Segundo Hossri, um dia antes do evento, a organização entrou com uma ação judicial, que foi negada. Mesmo assim a estrutura foi montada, o que motivou a ida de equipes da Prefeitura, Polícia Militar, Guarda Municipal e Polícia Civil ao local.
Hossri acompanhou a ação e divulgou imagens do que seria um pé de maconha e de alimentos à base de maconha que, segundo o vereador, eram comercializados no espaço. No entanto, o delegado titular da Dise, Fernando Sanches, disse que nenhum entorpecente foi encontrado no evento. Ninguém foi preso. Nas redes sociais, a página do evento publicou uma nota repudiando o cancelamento. No texto, eles acusam que o vereador autor da denúncia agiu motivado por interesses políticos e econômicos. “Este ato foi um flagrante abuso de autoridade, no qual a ignorância e desinformação prevaleceram sobre a busca pelo progresso e pela educação. O uso da feira como um trampolim para promoção social em uma campanha eleitoral é inaceitável”, diz trecho. Organizador da feira, Marcelo Freire Silva negou as acusações e disse que houve erro de interpretação nas ações de marketing da página que divulgava o evento. Ele também destacou que o pé de maconha apontado por Hossri era uma representação feita de bambu e que os alimentos comercializados simulavam o aroma da cannabis por meio de terpenos, algo lícito no Brasil.
Ele ainda lembrou que diversos eventos deste porte estão sendo realizados no país, inclusive com participação de entidades internacionais. “Eu vejo como um retrocesso”, afirmou sobre o cancelamento. “Não teve nada de errado. Tudo estava bem organizado, com pessoas capacitadas. Então para gente foi devastador. Grupos do Uruguai estão vindo ao Brasil realizar eventos sobre o assunto, inclusive 10 vezes maior, e nós não conseguimos. Foi devastador.” A vereadora Paolla Miguel (PT), que teria uma mesa no evento para debater políticas públicas envolvendo a distribuição de medicamentos a base da cannabis, lamentou o cancelamento da feira e disse que ela cria um atraso sobre o debate da pauta na cidade. “Estamos falando com os organizadores para que esse evento aconteça. Muitas pessoas que têm esclerose múltipla e que estavam na expectativa de ter informações a mais, não tiveram essas informações. Então a gente volta de novo para um debate que está sendo cada vez mais elitizado, uma vez que essas feiras atraem públicos que se beneficiam das informações e descobrem com elas políticas públicas. A única coisa que a gente quer é ter esses avanços no município.”