Ponte da Rodovia Dom Pedro I sobre a represa Atibainha, formada pela barragem de mesmo nome localizada no rio Atibainha, no município de Nazaré Paulista; críticos da privatização da Sabesp temem pelo futuro do Sistema Cantareira, que abastece os municípios da Região Metropolitana de Campinas e da Grande São Paulo (Alessandro Torres)
A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo esclareceu que, mesmo com a privatização da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), a regulação dos recursos hídricos e das outorgas do Sistema Cantareira, principal complexo hídrico responsável por abastecer aproximadamente 3 milhões de habitantes em Campinas e na região metropolitana, permanecerá sob a supervisão do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). Além disso, a Secretaria assegurou que a operação dos reservatórios e dos sistemas produtores de água continuará sob a gestão da Sabesp, após a transferência da empresa para a iniciativa privada.
Essas informações são divulgadas em um contexto marcado por incertezas e preocupações sobre os impactos da privatização. A Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) expressa ceticismo quanto à capacidade do Estado de manter o controle sobre o Cantareira. Especialistas, por sua vez, alertam para possíveis consequências negativas, como o aumento das tarifas, dificuldades de acesso à água para as populações periféricas e a perda da qualidade da água, citando exemplos de locais onde a privatização não foi bem-sucedida.
Conforme esclarecido pela pasta ambiental, encontra-se em fase de elaboração o contrato de concessão, o qual incluirá indicadores de qualidade para os serviços, estabelecendo metas e penalidades.
"A gestão dos reservatórios e dos sistemas produtores de água, como o Cantareira, permanecerá com a Sabesp, como é hoje. A regulação dos recursos hídricos e das outorgas dos reservatórios permanecerá sob responsabilidade do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), autarquia vinculada à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), e da Agência Nacional de Águas, tal como é hoje. O contrato de concessão que está sendo elaborado preverá indicadores de qualidade para o serviço, com metas e penalidades claras", afirmou a pasta. No entanto, não foram fornecidos detalhes sobre a divisão de responsabilidades entre o Estado e a iniciativa privada, assim como as competências específicas de cada entidade.
Durante todo o dia de sextafeira (26), a equipe de reportagem do Correio Popular buscou esclarecimentos junto ao governo estadual sobre quais responsabilidades dos serviços de saneamento serão transferidas para a iniciativa privada. Às 19h17, o Estado limitou-se a afirmar que "é a Sabesp que está sendo desestatizada", acrescentando que "atualmente, 50,3% das ações da empresa são de propriedade do Estado de SP, e com a desestatização esse percentual será reduzido para algo entre 15% e 30%", informação essa já previamente divulgada pelo governo paulista.
O projeto que autoriza a privatização da Companhia foi aprovado no final do ano passado, gerando protestos e manifestações, e posteriormente sancionado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A deputada estadual Ana Perugini (PT-SP), membro da Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp e da Comissão de Assuntos Metropolitanos e Municipais na Alesp, expressou sua preocupação com a incerteza em torno da privatização, especialmente no que se refere ao destino do Sistema Cantareira. "Não acredito que transferir a Sabesp para a iniciativa privada, mesmo com recursos públicos, resultará em uma gestão mais eficiente. Pelo contrário, por falta de visão, entrega-se a Sabesp às mãos da iniciativa privada. Não vejo um futuro melhor. Na aprovação do projeto de lei, não houve uma definição clara sobre o que aconteceria com o Sistema Cantareira, quais ações seriam realizadas ou proibidas. Essa foi minha principal crítica ao projeto de lei, prometendo tarifas mais baixas", afirmou a deputada. "O que vai acontecer com o Cantareira? (...) Campinas e nossa região, com certeza, serão impactadas por isso, e esperamos que seja de forma positiva, por isso vamos lutar", concluiu.
O presidente da Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp, deputado Emidio de Souza (PT-SP), expressa sua descrença na manutenção do controle estadual sobre o Cantareira. Ele critica o governo, afirmando que "o Governo Tarcísio atropelou a legislação, fugiu do debate e deixou muitas perguntas sem resposta sobre o processo de privatização da Sabesp. Dizer que o Cantareira e todos os demais sistemas produtores de água vão permanecer com o Estado é uma falácia. Os empresários vão gerir o sistema de abastecimento de água baseando-se nos seus interesses financeiros."
Em relação à desestatização, a professora com especialização em saneamento ambiental da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Emilia Rutkowski, manifesta preocupação ao analisar a situação de Campinas e região, cujo abastecimento público é proveniente dos rios Atibaia, Jaguari e Piracicaba, integrantes da bacia que recebe água do Cantareira.
"Não consigo identificar nenhum impacto positivo com a privatização da Sabesp, seja para a Região Metropolitana de São Paulo ou para a Região Metropolitana de Campinas (...) Não é apenas uma questão de fiscalização para garantir água de qualidade. Em todos os sistemas privatizados, como o de Londres, 15 anos depois, a população começou a se manifestar contra, pois a qualidade da água piorou significativamente e os custos aumentaram. Como resultado, hoje, todo o sistema de Londres está novamente sob controle público. Não temos nenhum exemplo de sucesso em grandes cidades que tenha sido privatizado e não tenha gerado insatisfação generalizada com a qualidade e o custo dos serviços prestados", analisa.
Ela também destaca a complexidade da questão ao questionar: "Quem ficará proprietário do Sistema Cantareira, quem adquire a Sabesp, adquire o Sistema Cantareira junto. Ele e todas as barragens são partes integrantes da gestão da Sabesp, o que torna essa situação muito complicada."
A professora levanta questionamentos sobre o argumento de redução tarifária utilizado pelo governo estadual durante o processo de aprovação da desestatização.
"Como o governo assegura isso (redução da tarifa com a privatização), é necessário ter formas muito claras de como o governo garantirá tarifas mais acessíveis. Prometer uma redução de tarifa sem garantir a manutenção da qualidade da água é uma questão delicada. Ele não pode assegurar nada para Campinas, por exemplo. Alguns municípios da região, como Hortolândia, são atendidos pela Sabesp. E para o interior de São Paulo, como será garantido o preço e o acesso para pessoas em situação de vulnerabilidade? Em Campinas, a Sanasa é responsável, possuindo apenas um grande local de captação de água, representando 80% do Rio Atibaia, após o Cantareira. Como garantir que a Sanasa conseguirá manter os preços praticados atualmente?", indaga ao antever os impactos para a região. "Com a Sabesp controlando toda a região do PCJ, a situação de desigualdade será agravada, não garantindo um abastecimento igualitário para as pessoas da região periférica da cidade", adverte.
Dimas Gonçalves, professor da PUC-Campinas especializado em gestão pública, projeta os desafios enfrentados pela Região Metropolitana de Campinas (RMC) com a desestatização. "O Sistema Cantareira depende das bacias do PCJ. Privatizar significa o quê? Na minha visão, aqueles que defendem a privatização do saneamento e da água (próximo grande recurso) certamente investirão, mas buscarão seus retornos, ou seja, lucratividade. Isso seria aceitável se a qualidade fosse garantida. Até agora, poucas privatizações de saneamento no Brasil foram bem-sucedidas. Conheço apenas o caso da cidade de Limeira. Na Europa, por exemplo, Portugal e Alemanha privatizaram o saneamento e a água, mas enfrentaram desafios. Esses países estão revertendo a privatização e remunicipalizando esses serviços. Também temos o exemplo da Bolívia, que não obteve êxito", exemplifica.
Para ele, "não haverá cuidados do Estado com a privatização" e fala em "sorte lançada". "Será entregue àquele que oferecer o maior valor ou menor deságio no leilão. São 368 cidades do Estado de São Paulo (na realidade, são 375 municípios) conectadas à rede da Sabesp, a maioria composta por cidades pequenas. Com redes de tubulações antigas, vazamentos frequentes, poucos reservatórios e água poluída, sem contar a defasagem entre o tratamento de esgoto e a purificação da água. A sorte está lançada. Não vejo muita esperança sem investimento público para resolver esses problemas", conclui.
RMC
Na Região Metropolitana de Campinas (RMC), a Sabesp administra diretamente as cidades de Hortolândia, Monte Mor e Paulínia. O Estado afirma estar em diálogo com os municípios para renovar os contratos de concessão até 2060. Os municípios que possuem contratos devem avaliar se manterão a parceria com a Sabesp após a desestatização.
Em Hortolândia, embora o prefeito Zezé Gomes (Republicanos) tenha se posicionado contra a privatização no ano passado, durante uma reunião em novembro com o governador Tarcísio, o Estado prometeu um tratamento "diferenciado" para Hortolândia em comparação com outras cidades. Isso se deve ao fato de a cidade possuir 100% de distribuição de água, 98% de coleta de esgoto e 100% de tratamento. O prefeito afirma que o governador garantiu a continuidade dos investimentos em saneamento, com a "possibilidade real" de redução nas tarifas.
O deputado Emídio de Souza destaca a estreita relação das cidades do interior com a Sabesp pública, ressaltando que a companhia mantém escritórios nos municípios para facilitar o acompanhamento das necessidades locais. Ele alerta que, com a privatização, esses escritórios serão fechados, e a dinâmica de diálogo certamente será afetada.
Em relação ao interior, a Secretaria Estadual informou na noite de sexta-feira que o diálogo entre a Sabesp e os municípios continuará. Cada município terá seu anexo, estabelecendo os investimentos previstos, indicadores de qualidade e metas a serem alcançadas pela Sabesp. A pasta assegurou que os municípios poderão monitorar o cumprimento das metas e cobrar resultados da Sabesp.
O Consórcio PCJ e a Agência PCJ, atuantes nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, optaram por não comentar os reflexos e a decisão de privatização. O Consórcio ressaltou sua posição independente em temas relacionados à água, abstendo-se de julgar decisões de privatização, considerando os interesses públicos e privados envolvidos. O foco do Consórcio é trabalhar em conjunto, seja com uma empresa pública ou privada, em prol da gestão eficiente dos recursos hídricos.
LEI
A lei sancionada estabelece que a empresa que assumir o controle da Sabesp deve implementar mecanismos de atendimento durante períodos de estiagem e seca, promovendo a gestão sustentável dos recursos hídricos do Estado. Além disso, a empresa deverá se dedicar à mitigação dos impactos ambientais causados por eventos climáticos extremos, visando a segurança hídrica e o combate à poluição dos corpos d'água.
No que diz respeito às demissões na Companhia, a lei determina um período de estabilidade de 18 meses para os funcionários, contados a partir da conclusão do processo de privatização. O governo argumenta que a redução tarifária será possível por meio da criação do Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo. Este fundo será alimentado com pelo menos 30% dos recursos provenientes da venda de ações da Sabesp e parte dos lucros com dividendos da empresa, destinando-se ao Tesouro Estadual.
Dentre as diretrizes estabelecidas pelo Estado para a desestatização, destacam-se a universalização do saneamento básico nos municípios atendidos pela Sabesp, abrangendo áreas rurais e núcleos urbanos informais consolidados, como favelas e comunidades sem regularização. Outros objetivos incluem antecipar o cumprimento das metas do Novo Marco Legal do Saneamento de 2033 para 2029 e reduzir as tarifas, com foco na população mais vulnerável.
Conforme anunciado no ano passado, o Governo de São Paulo planeja realizar a venda de parte de suas ações na Sabesp por meio de uma oferta pública (follow on), mantendo, no entanto, uma participação acionária menor, mas ainda relevante.
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