POLÊMICA

Estado garante que Cantareira continuará sob gestão pública

Governo assegura que privatização da Sabesp não inclui os recursos hídricos

Paulo Medina/ paulo.medina@rac.com.br
28/01/2024 às 10:38.
Atualizado em 28/01/2024 às 10:38
Ponte da Rodovia Dom Pedro I sobre a represa Atibainha, formada pela barragem de mesmo nome localizada no rio Atibainha, no município de Nazaré Paulista; críticos da privatização da Sabesp temem pelo futuro do Sistema Cantareira, que abastece os municípios da Região Metropolitana de Campinas e da Grande São Paulo (Alessandro Torres)

Ponte da Rodovia Dom Pedro I sobre a represa Atibainha, formada pela barragem de mesmo nome localizada no rio Atibainha, no município de Nazaré Paulista; críticos da privatização da Sabesp temem pelo futuro do Sistema Cantareira, que abastece os municípios da Região Metropolitana de Campinas e da Grande São Paulo (Alessandro Torres)

A Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo esclareceu que, mesmo com a privatização da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), a regulação dos recursos hídricos e das outorgas do Sistema Cantareira, principal complexo hídrico responsável por abastecer aproximadamente 3 milhões de habitantes em Campinas e na região metropolitana, permanecerá sob a supervisão do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). Além disso, a Secretaria assegurou que a operação dos reservatórios e dos sistemas produtores de água continuará sob a gestão da Sabesp, após a transferência da empresa para a iniciativa privada.

Essas informações são divulgadas em um contexto marcado por incertezas e preocupações sobre os impactos da privatização. A Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) expressa ceticismo quanto à capacidade do Estado de manter o controle sobre o Cantareira. Especialistas, por sua vez, alertam para possíveis consequências negativas, como o aumento das tarifas, dificuldades de acesso à água para as populações periféricas e a perda da qualidade da água, citando exemplos de locais onde a privatização não foi bem-sucedida.

Conforme esclarecido pela pasta ambiental, encontra-se em fase de elaboração o contrato de concessão, o qual incluirá indicadores de qualidade para os serviços, estabelecendo metas e penalidades.

"A gestão dos reservatórios e dos sistemas produtores de água, como o Cantareira, permanecerá com a Sabesp, como é hoje. A regulação dos recursos hídricos e das outorgas dos reservatórios permanecerá sob responsabilidade do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), autarquia vinculada à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), e da Agência Nacional de Águas, tal como é hoje. O contrato de concessão que está sendo elaborado preverá indicadores de qualidade para o serviço, com metas e penalidades claras", afirmou a pasta. No entanto, não foram fornecidos detalhes sobre a divisão de responsabilidades entre o Estado e a iniciativa privada, assim como as competências específicas de cada entidade.

Durante todo o dia de sextafeira (26), a equipe de reportagem do Correio Popular buscou esclarecimentos junto ao governo estadual sobre quais responsabilidades dos serviços de saneamento serão transferidas para a iniciativa privada. Às 19h17, o Estado limitou-se a afirmar que "é a Sabesp que está sendo desestatizada", acrescentando que "atualmente, 50,3% das ações da empresa são de propriedade do Estado de SP, e com a desestatização esse percentual será reduzido para algo entre 15% e 30%", informação essa já previamente divulgada pelo governo paulista.

O projeto que autoriza a privatização da Companhia foi aprovado no final do ano passado, gerando protestos e manifestações, e posteriormente sancionado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

A deputada estadual Ana Perugini (PT-SP), membro da Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp e da Comissão de Assuntos Metropolitanos e Municipais na Alesp, expressou sua preocupação com a incerteza em torno da privatização, especialmente no que se refere ao destino do Sistema Cantareira. "Não acredito que transferir a Sabesp para a iniciativa privada, mesmo com recursos públicos, resultará em uma gestão mais eficiente. Pelo contrário, por falta de visão, entrega-se a Sabesp às mãos da iniciativa privada. Não vejo um futuro melhor. Na aprovação do projeto de lei, não houve uma definição clara sobre o que aconteceria com o Sistema Cantareira, quais ações seriam realizadas ou proibidas. Essa foi minha principal crítica ao projeto de lei, prometendo tarifas mais baixas", afirmou a deputada. "O que vai acontecer com o Cantareira? (...) Campinas e nossa região, com certeza, serão impactadas por isso, e esperamos que seja de forma positiva, por isso vamos lutar", concluiu.

O presidente da Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp, deputado Emidio de Souza (PT-SP), expressa sua descrença na manutenção do controle estadual sobre o Cantareira. Ele critica o governo, afirmando que "o Governo Tarcísio atropelou a legislação, fugiu do debate e deixou muitas perguntas sem resposta sobre o processo de privatização da Sabesp. Dizer que o Cantareira e todos os demais sistemas produtores de água vão permanecer com o Estado é uma falácia. Os empresários vão gerir o sistema de abastecimento de água baseando-se nos seus interesses financeiros."

Em relação à desestatização, a professora com especialização em saneamento ambiental da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Emilia Rutkowski, manifesta preocupação ao analisar a situação de Campinas e região, cujo abastecimento público é proveniente dos rios Atibaia, Jaguari e Piracicaba, integrantes da bacia que recebe água do Cantareira.

"Não consigo identificar nenhum impacto positivo com a privatização da Sabesp, seja para a Região Metropolitana de São Paulo ou para a Região Metropolitana de Campinas (...) Não é apenas uma questão de fiscalização para garantir água de qualidade. Em todos os sistemas privatizados, como o de Londres, 15 anos depois, a população começou a se manifestar contra, pois a qualidade da água piorou significativamente e os custos aumentaram. Como resultado, hoje, todo o sistema de Londres está novamente sob controle público. Não temos nenhum exemplo de sucesso em grandes cidades que tenha sido privatizado e não tenha gerado insatisfação generalizada com a qualidade e o custo dos serviços prestados", analisa.

Ela também destaca a complexidade da questão ao questionar: "Quem ficará proprietário do Sistema Cantareira, quem adquire a Sabesp, adquire o Sistema Cantareira junto. Ele e todas as barragens são partes integrantes da gestão da Sabesp, o que torna essa situação muito complicada."

A professora levanta questionamentos sobre o argumento de redução tarifária utilizado pelo governo estadual durante o processo de aprovação da desestatização.

"Como o governo assegura isso (redução da tarifa com a privatização), é necessário ter formas muito claras de como o governo garantirá tarifas mais acessíveis. Prometer uma redução de tarifa sem garantir a manutenção da qualidade da água é uma questão delicada. Ele não pode assegurar nada para Campinas, por exemplo. Alguns municípios da região, como Hortolândia, são atendidos pela Sabesp. E para o interior de São Paulo, como será garantido o preço e o acesso para pessoas em situação de vulnerabilidade? Em Campinas, a Sanasa é responsável, possuindo apenas um grande local de captação de água, representando 80% do Rio Atibaia, após o Cantareira. Como garantir que a Sanasa conseguirá manter os preços praticados atualmente?", indaga ao antever os impactos para a região. "Com a Sabesp controlando toda a região do PCJ, a situação de desigualdade será agravada, não garantindo um abastecimento igualitário para as pessoas da região periférica da cidade", adverte.

Dimas Gonçalves, professor da PUC-Campinas especializado em gestão pública, projeta os desafios enfrentados pela Região Metropolitana de Campinas (RMC) com a desestatização. "O Sistema Cantareira depende das bacias do PCJ. Privatizar significa o quê? Na minha visão, aqueles que defendem a privatização do saneamento e da água (próximo grande recurso) certamente investirão, mas buscarão seus retornos, ou seja, lucratividade. Isso seria aceitável se a qualidade fosse garantida. Até agora, poucas privatizações de saneamento no Brasil foram bem-sucedidas. Conheço apenas o caso da cidade de Limeira. Na Europa, por exemplo, Portugal e Alemanha privatizaram o saneamento e a água, mas enfrentaram desafios. Esses países estão revertendo a privatização e remunicipalizando esses serviços. Também temos o exemplo da Bolívia, que não obteve êxito", exemplifica.

Para ele, "não haverá cuidados do Estado com a privatização" e fala em "sorte lançada". "Será entregue àquele que oferecer o maior valor ou menor deságio no leilão. São 368 cidades do Estado de São Paulo (na realidade, são 375 municípios) conectadas à rede da Sabesp, a maioria composta por cidades pequenas. Com redes de tubulações antigas, vazamentos frequentes, poucos reservatórios e água poluída, sem contar a defasagem entre o tratamento de esgoto e a purificação da água. A sorte está lançada. Não vejo muita esperança sem investimento público para resolver esses problemas", conclui.

RMC

Na Região Metropolitana de Campinas (RMC), a Sabesp administra diretamente as cidades de Hortolândia, Monte Mor e Paulínia. O Estado afirma estar em diálogo com os municípios para renovar os contratos de concessão até 2060. Os municípios que possuem contratos devem avaliar se manterão a parceria com a Sabesp após a desestatização.

Em Hortolândia, embora o prefeito Zezé Gomes (Republicanos) tenha se posicionado contra a privatização no ano passado, durante uma reunião em novembro com o governador Tarcísio, o Estado prometeu um tratamento "diferenciado" para Hortolândia em comparação com outras cidades. Isso se deve ao fato de a cidade possuir 100% de distribuição de água, 98% de coleta de esgoto e 100% de tratamento. O prefeito afirma que o governador garantiu a continuidade dos investimentos em saneamento, com a "possibilidade real" de redução nas tarifas.

O deputado Emídio de Souza destaca a estreita relação das cidades do interior com a Sabesp pública, ressaltando que a companhia mantém escritórios nos municípios para facilitar o acompanhamento das necessidades locais. Ele alerta que, com a privatização, esses escritórios serão fechados, e a dinâmica de diálogo certamente será afetada.

Em relação ao interior, a Secretaria Estadual informou na noite de sexta-feira que o diálogo entre a Sabesp e os municípios continuará. Cada município terá seu anexo, estabelecendo os investimentos previstos, indicadores de qualidade e metas a serem alcançadas pela Sabesp. A pasta assegurou que os municípios poderão monitorar o cumprimento das metas e cobrar resultados da Sabesp.

O Consórcio PCJ e a Agência PCJ, atuantes nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, optaram por não comentar os reflexos e a decisão de privatização. O Consórcio ressaltou sua posição independente em temas relacionados à água, abstendo-se de julgar decisões de privatização, considerando os interesses públicos e privados envolvidos. O foco do Consórcio é trabalhar em conjunto, seja com uma empresa pública ou privada, em prol da gestão eficiente dos recursos hídricos.

LEI

A lei sancionada estabelece que a empresa que assumir o controle da Sabesp deve implementar mecanismos de atendimento durante períodos de estiagem e seca, promovendo a gestão sustentável dos recursos hídricos do Estado. Além disso, a empresa deverá se dedicar à mitigação dos impactos ambientais causados por eventos climáticos extremos, visando a segurança hídrica e o combate à poluição dos corpos d'água.

No que diz respeito às demissões na Companhia, a lei determina um período de estabilidade de 18 meses para os funcionários, contados a partir da conclusão do processo de privatização. O governo argumenta que a redução tarifária será possível por meio da criação do Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo. Este fundo será alimentado com pelo menos 30% dos recursos provenientes da venda de ações da Sabesp e parte dos lucros com dividendos da empresa, destinando-se ao Tesouro Estadual.

Dentre as diretrizes estabelecidas pelo Estado para a desestatização, destacam-se a universalização do saneamento básico nos municípios atendidos pela Sabesp, abrangendo áreas rurais e núcleos urbanos informais consolidados, como favelas e comunidades sem regularização. Outros objetivos incluem antecipar o cumprimento das metas do Novo Marco Legal do Saneamento de 2033 para 2029 e reduzir as tarifas, com foco na população mais vulnerável.

Conforme anunciado no ano passado, o Governo de São Paulo planeja realizar a venda de parte de suas ações na Sabesp por meio de uma oferta pública (follow on), mantendo, no entanto, uma participação acionária menor, mas ainda relevante.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo Correio PopularLogotipo Correio Popular
Anuncie
(19) 3736-3085
comercial@rac.com.br
Fale Conosco
(19) 3772-8000
Central do Assinante
(19) 3736-3200
WhatsApp
(19) 9 9998-9902
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por