Aplicativo Footprint PRO Carbono serve para mensurar a quantidade de CO2 emitida ao longo de toda a cadeia produtiva; descarbonização é cada vez mais exigida por países importadores
A terceira versão da calculadora de emissões de carbono desenvolvida pela Embrapa Meio Ambiente, em parceria com a Bayer, incorporou o algodão entre as culturas que podem ter os níveis de emissão de carbono aferidos (Divulgação)
A terceira versão da calculadora de emissão de carbono, a primeira voltada para a agricultura tropical, foi lançada ontem, em Campinas, durante a Carbon Science Talks, evento que reúne 450 pesquisadores científicos, agricultores e indústrias e que termina hoje. A evolução da ferramenta acrescenta a cultura do algodão para criação de meios de aferição da descarbonização da agricultura brasileira, uma exigência cada vez maior feita por países importadores para garantir a redução de emissão de gases de efeito estufa, principal causador das mudanças climáticas em todo o mundo. A calculadora foi desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Meio Ambiente, instalada em Jaguariúna, e pela gigante alemã de defensivos e sementes Bayer, promotora do evento, em parceria com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). O aplicativo Footprint PRO Carbono serve para mensurar a quantidade de gás carbônico (CO2) emitida ao longo de toda a cadeia produtiva, como o diesel usado nas máquinas agrícolas e insumos usados até o produto estar pronto para exportação. A aferição com números e metodologia científica é importante para ter credibilidade no mercado internacional, agregar valor à commodity e desenvolver novas tecnologias e meios de produção ambientalmente amigáveis.
O algodão é a terceira cultura aferida pela calculadora, juntado-se à soja e ao milho, que estão entre as 10 principais commodities agropecuárias exportadas pelo Brasil. Somente em novembro, até anteontem (dia 25), as exportações desses três produtos somaram US$ 2,074 bilhões (R$ 12,05 bilhões), segundo a Secretaria de Comércio Exterior, órgão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. O montante representou 59,58% dos US$ 3,481 bilhões (R$ 20,22 bilhões) de todo o setor agropecuário.
RESULTADOS
Com os dados da calculadora, que tem auditoria internacional, é possível reagir "e melhorar as nossas práticas e a nossa comunicação" com o mercado externo, explicou a pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente Marília Folegatti, considerada uma referência mundial em descarbonização da agricultura. A primeira versão foi lançada em 2022 para a soja.
A média nacional da pegada de carbono em bases internacionais é de 1.526 quilos de carbono por tonelada de soja produzida (kg/t), número superior aos 643 kg/t mensurados a partir de dados primários com a Footprint PRO Carbono, na safra verão 2023/2024. O desempenho foi obtido a partir de mudanças no sistema de produção em um ambiente controlado, o que permite projetar que é possível ampliar o modelo para áreas maiores. A avaliação é que é possível chegar a 383 kg/t com um plano de intervenção de melhorias de práticas agrícolas, uma redução de 74,91%.
No caso do milho, a média nacional é de 1.387 quilos/tonelada, com potencial para cair para 471 kg/t, redução de 66,04%. De acordo com o gerente-executivo de Negócios de Carbono da Bayer, Antonio Gilberto, o evento Carbon Science Talks “é o networking entre a academia, as indústrias e os produtores rurais”, difundindo pesquisas científicas, métodos de produção e práticas para promover a descarbonização da agricultura.
“O resultado esperado da cooperação técnica é gerar referências nacionais confiáveis de emissões de gases de efeito estufa para melhor posicionar a fibra e o óleo de algodão no mercado. Temos a convicção que a eficiência produtiva do sistema brasileiro de algodão será refletida nos números”, disse o presidente da Abrapa, Alexandre Schenkel. Dados primários dos cotonicultores parceiros mostram que o carbono produzido para a pluma do algodão é de 329 kg/tonelada, com potencial de redução de até 32% baseado na performance de alguns dos talhões usados no cálculo. A aferição foi feita com dados de produtores de soja do Mato Grosso, já integrantes do programa PRO Carbono Commodities, que também plantam algodão, representando uma área de aproximadamente 77 mil hectares.
O gerente da Bayer explicou que o objetivo é avançar com a evolução da calculadora para cobrir todo o sistema agrícola. Uma das próximas culturas a ter a pegada de carbono mensurada será a cana-de-açúcar. O setor sucroalcooleiro é um dos mais importantes da agricultura nacional. O setor como um todo, somando as produções de açúcar, etanol e outras energias, movimentou um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 40 bilhões (R$ 224,32 bilhões) na safra 2023/2034, o equivalente a cerca de 2% da soma de todos os bens e serviços finais produzidos pelo país. O Brasil é hoje o maior produtor mundial do chamado etanol de primeira geração (originário da cana), com o Estado de São Paulo tendo participação de 36% do total. As exportações desse combustível somaram US$ 1,53 bilhão (R$ 8,89 bilhões) na última safra, iniciada em abril de 2023 e encerrada em março passado.
IMPORTÂNCIA
De acordo com Antonio Gilberto, a evolução desse trabalho poderá levar os agricultores a serem vendedores de crédito de carbono no futuro, tornando-se uma nova fonte de renda para o campo. Esse crédito é comprado por empresas com alto nível de gases de efeito estufa e poucas opções de redução para compensar suas emissões.
O mais importante para os produtores, no entanto, é a adoção de novas práticas para aumentar a produtividade e tornar a agricultura mais resiliente, capaz de lidar e amortecer os efeitos das mudanças climáticas. “A agricultura é um dos setores que mais sofrerá com essas mudanças”, alertou o engenheiro agrônomo Maurício Roberto Cherubin, professor do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP), localizada em Piracicaba um dos palestrantes e debatedores da Carbon Science Talks.
Segundo cientistas do Laboratório Copernicus, da União Europeia, 2024 será o primeiro ano em que o planeta estará mais de 1,5˚C mais quente do que no período pré-industrial (de 1850-1900), quando os humanos começaram a queimar combustíveis fósseis em escala industrial. As mudanças climáticas têm sido marcadas no país pela ocorrência de fenômenos severos, com aumento das ondas de calor, chuvas torrenciais no Sul e seca no Norte.
De acordo com Maurício Cherubin, essa discussão é importante em um momento em que o Brasil entra na fase da Revolução Verde, a busca de uma agricultura regenerativa voltada para a preservação da saúde do solo, aumento da produtividade, retenção de água, descarbonização e manutenção desse carbono no solo. Para o especialista, a agricultura é a maior sistema capaz de promover a descarbonização, ao fazer isso de forma natural durante a fotossíntese.
Ele defendeu a adoção de novas práticas de produção em busca da agricultura resiliente e regenerativa. O professor da Esalq citou a pesquisa feita com a produção da soja em Rio Verde (Goiás), que foi intercalada com outra três culturas (rotação), a croatária, braquiária e o milheto no período de 2018 a 2022. De acordo com Maurício Cherubin, essa diversidade de produção resultou na melhoria da saúde do solo, obtendo-se aumento da produtividade da soja em todo os anos. Esse ganho acumulado foi como se fosse “obtida uma colheita a mais em cinco anos”, afirmou.