Muitos dos que sobrevivem ao chamado derrame cerebral ficam com sequelas incapacitantes; especialistas recomendam a adoção de ações preventivas
Daniela Guimarães teve um AVC aos 52 anos em 2020 e ainda faz fisioterapia para recuperar movimentos: atendimento rápido ajudou a salvar a vida dela (Alessandro Torres)
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) matou, em Campinas, 5.731 pessoas em nove anos. Em 2002 foram registradas 669 vítimas fatais da doença, número mais elevado desde 2013. Os dados são da Secretaria de Saúde de Campinas. Segundo informações da Sociedade Brasileira de AVC (SBAVC), o AVC - ou derrame cerebral, como é popularmente conhecido - é a segunda maior causa de morte entre brasileiros e o principal fator de incapacitação do paciente.
Cerca de 70% das pessoas que sofrem AVC não retornam ao trabalho em razão das seqüelas, enquanto outros 50% tornam-se dependentes de familiares, apontam dados do SBAVC. O AVC pode ocorrer em qualquer idade, inclusive em crianças devido a maus hábitos alimentares e sedentarismo. Entretanto, idosos e hipertensos estão no topo das ocorrências.
Em Campinas, segundo dados da Secretaria da Saúde, idosos com mais de 80 anos representaram 43% das vítimas, com 2.460 casos identificados entre os anos de 2013 e 2022. Na faixa dos 70 a 79 anos, a incidência foi de 26%, com 1.475 casos. Daniela Guimarães teve AVC aos 52 anos, em 2020, período da pandemia da covid-19. Ela estava dormindo quando se levantou para ir ao banheiro, às 3h30 da manhã. Sem forças, chamou seu marido, que a ajudou.
Ele rapidamente reconheceu os sintomas do AVC e a levou à emergência de um hospital, onde foi prontamente atendida. "Fui privilegiada por receber tratamento em tempo hábil", conta Daniela, que teve paralisação dos membros do corpo do lado esquerdo. Entre os tratamentos aos quais ela ainda submete em função do AVC, estão a terapia neurofuncional e ocupacional, ecoterapia, robótica, acupuntura, entre outros. Apesar dos esforços, ela conta que ainda não recuperou por completo os movimentos.
Antes do AVC, Daniela mantinha alimentação saudável e praticava caminhadas. "Os médicos pediram vários exames para descobrir a causa do meu AVC, mas nada foi descoberto", diz. Hoje ela é idealizadora do projeto social "Um AVC não pode esperar", que tem como objetivo conseguir recursos para montagem de kits com objetos que ajudam na prática de exercícios físicos. O material é distribuído a pessoas sem acesso aos tratamentos do AVC.
SINTOMAS
Para ajudar a população a reconhecer os sintomas do AVC, o coordenador médico de radiologia vascular do Hospital Sírio Libanês, José Guilherme Mendes Pereira Caldas, utiliza a sigla SAMU. S de se a boca estiver torta; A de abraço, caso o braço não suba; M de música, para verificar se a pessoa consegue soletrar alguma música, caso não consiga, pode ser sintoma do AVC, pois há um problema de fala. E o U, que é sinal de urgência, indicando a necessidade de ir ao prontosocorro.
Entre outros sintomas estão: fraqueza ou formigamento na face, braço ou perna, especialmente em um lado do corpo; desvio da rima labial, com a boca torta ao falar; confusão mental; alteração da fala ou fala enrolada; alteração da visão, com embaçamento ou visão dupla, em um ou ambos os olhos; alteração súbita do equilíbrio, da coordenação, tontura ou desequilíbrio para andar; e dor de cabeça muito forte, súbita, sem episódio anterior. "A reabilitação das pessoas que tiveram AVC é importante, mas a prevenção é ainda mais", diz Caldas.
TIPOS DE AVC
O Acidente Vascular Cerebral, explica a cardiologista Flávia Silva Mothé, é uma doença neurológica relacionada ao sistema cardiovascular, pois ocorre a interrupção do fluxo de sangue para o cérebro. Esse bloqueio pode ocorrer de duas formas: pelo entupimento das artérias cerebrais (AVC isquêmico) e pelo extravasamento de sangue (AVC hemorrágico).
O AVC isquêmico é responsável por 85% dos casos e ocorre pela obstrução ou redução do fluxo de sangue em uma artéria cerebral, provocando a falta de circulação sanguínea no cérebro. Já o AVC hemorrágico é causado pela ruptura espontânea de um vaso, com extravasamento de sangue para o interior do cérebro (hemorragia intracerebral). Segundo Flávia, o AVC e o infarto são as duas maiores causas de óbitos no Brasil e no mundo. "Quando o AVC não causa a morte, deixa graves incapacitações", afirma a cardiologista.
A cardiologista Flávia Silva Mothé durante consulta (Alessandro Torres)
Entre as mulheres de Campinas, o total de vítimas fatais por AVC no período analisado foi de 2.894, enquanto os homens foram 2.837, segundo a Secretaria de Saúde do município. Flávia explica que as mulheres estão tendo AVC cada vez mais frequentes, em virtude de estresse cotidiano e de seu sistema cardiovascular, como as artérias mais finas. Para o neurocirurgião Aguinaldo Pereira Catanoce, o estresse, apesar de ser um fator de risco para o AVC, tem sido subestimado. "A ansiedade crônica ainda é muito subestimada, assim como as situações relacionadas ao estresse e à saúde mental", afirma Catanoce.
As principais causas que levam ao AVC isquêmico - o mais incidente, por provocar a obstrução arterial -, são, em primeiro lugar, a hipertensão arterial, seguida do diabetes, da obesidade, do tabagismo e do alcoolismo. Segundo Flávia, as causas específicas entre as mulheres são as arritmias, o uso de anticoncepcionais, a terapia de reposição hormonal, como também o abuso do álcool, o estresse, o colesterol alterado e a pressão arterial elevada. No AVC hemorrágico, as principais causas são os aneurismas e as más formações dos vasos sanguíneos cerebrais. "O hemorrágico é o menos frequente, mas o mais grave e o de tratamento mais difícil", diz Flávia.
PREVENÇÃO
É possível prevenir o AVC isquêmico quando se atua em seus fatores de risco, diz a cardiologista Flávia. Ou seja, ter um bom controle da pressão arterial, do diabetes, do colesterol, fazer atividade física, abandonar o tabagismo e diminuir o uso do álcool são atitudes importantes. Caso a arritmia seja diagnosticada, deve-se usar anticoagulante para refinar o sangue e, portanto, evitar que coágulos que se formam no coração caminhem para o cérebro.
No caso do AVC hemorrágico, a prevenção dependerá de exames como tomografias e ressonâncias para verificação de aneurismas e má formação arteriovenosas. A medida é ainda mais importante em caso de histórico positivo de AVC entre familiares. Para Catanoce, fatores externos, ambientais e comportamentais, como a má alimentação, o sedentarismo e o tabagismo concorrem mais para a ocorrência do AVC que aspectos genéticos. Porém, ele ressalta que a pressão arterial é o maior fator de risco para a ocorrência do AVC. "A hipertensão está diretamente ligada aos hábitos de alimentação, ao estresse e outras comorbidades associadas às doenças cardiovasculares", alerta o médico.
Segundo o neurocirurgião, a prevenção ao AVC deve ter início o quanto antes, com boa alimentação na infância, atividade física, bom ambiente sem sedentarismo e a criança ter acompanhamento pediátrico. Já na fase adulta, a prevenção da hipertensão, não consumir álcool ou tabaco, usar racionalmente os medicamentos e recorrer à atenção primária devem acontecer sempre. "Não há idade para começar a se preocupar com o AVC, pois bons hábitos são um investimento a longo prazo. Temos de investir na nossa saúde para alcançarmos um bom estado de envelhecimento, com bom corpo físico".
TRATAMENTO
Para o AVC isquêmico, se o paciente chegar ao hospital em curto intervalo de tempo, principalmente na primeira hora, há chance de usar os fibrinolíticos, que são agentes que atuam dissolvendo coágulos, prevenindo o paciente de ficar com graves sequelas e até mesmo evitando a morte. "Essa primeira hora é o que fará a diferença na recuperação da vítima. Se não perceber o AVC na primeira hora, perdemos a janela de tratamento com fibrinolítico", explica cardiologista Flávia. Depois que ocorre o AVC, o tratamento será a longo prazo.
A terapêutica é composta, por exemplo, de fisioterapia, que tem a função de recuperar os movimentos. É indicada quando o paciente perde a força de um dos lados do corpo, como no braço ou na perna, quando há dificuldade na escrita e perda do equilíbrio. A fonoaudiologia será usada para restauração da fala, da expressão ou da deglutição. Muitos pacientes passam a ter dificuldade de engolir e isso é perigoso, pois podem aspirar o alimento e desenvolver pneumonias, por exemplo, explica Flávia. "É preciso estar atento a engasgos porque isso pode ser uma manifestação de que a pessoa teve AVC", alerta a cardiologista.
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