Segundo o vidraceiro Givair Batista Souza, ele teria chegado à Esplanada por volta das 16h e, ao se aproximar, viu muita confusão e bombas sendo jogadas em sua direção (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
A servidora da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Yacy Sávio de Oliveira, que esteve em Brasília no último domingo participando dos atos antidemocráticos na Praça dos Três Poderes, teve o cargo de diretora da Escola Estadual Professor Luiz Galhardo, no bairro Jd. Cura D'ars, em Campinas, revogado por uma publicação no Diário Oficial do Estado de São Paulo de quinta-feira (13). Yacy gravou um vídeo na manhã do domingo dizendo que estava a caminho da Esplanada dos Ministérios. Além de pedir "proteção" a Deus, ela afirmou que acreditava na vitória dos golpistas. "Algo vai acontecer. Para melhor ou para pior, mas algo tem de acontecer. E eu torço (para) que a gente encontre um caminho para o nosso país."
Na segunda-feira, a Secretaria havia se manifestado por meio de nota, informando que "respeita a democracia e repudia os atos de vandalismo que ocorreram em Brasília" e que seria aberta uma apuração sobre as ações da servidora. Se a ação criminosa fosse comprovada, ela seria afastada.
Procurada na quinta-feira, após a decisão publicada no Diário Oficial, a Pasta praticamente repetiu o posicionamento anterior e apenas acrescentou que a apuração está em andamento, confirmando que Yacy não exercerá mais a função de diretora. Não houve retorno em relação aos questionamentos da reportagem sobre a possibilidade de processo administrativo e possível exoneração. Também não foi informado o que a apuração avaliou para a definição do afastamento de Yacy do cargo de diretora.
Depoimento
Até o momento, foram identificadas e presas cerca de quinze pessoas da região de Campinas. A tendência é a de que o número suba bastante, uma vez que a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF) tem atualizado diariamente a lista com os nomes de quem foi preso. Na quinta-feira, o total da lista passava de mil nomes.
A reportagem teve acesso ao depoimento de um homem de 49 anos de Sumaré, Givair Batista Souza, que está entre os detidos. Ele contou que exerce a função de vidraceiro em um comércio de propriedade do seu irmão e que chegou a Brasília no sábado, um dia antes da confusão, tendo saído do Centro de Campinas em um ônibus fretado. Quando questionado sobre quem fretou o ônibus, ele alegou que os custos foram pagos pelos próprios participantes e que gastou R$ 350,00 pela viagem.
Ele revelou que acampou no QG de Brasília ao lado de outras pessoas que estavam acampadas em frente à Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) de Campinas. O intuito, segundo a declaração do morador de Sumaré, era reunir o máximo de pessoas possível para uma manifestação pacífica, que mostraria a diferença de contingente em relação à dos que apoiaram o presidente Lula (PT) no dia da posse. Ao chegar próximo à Esplanada, por volta das 16h, relatou que havia muita confusão e que não tinha noção do que acontecia no local. Ao se aproximar da balbúrdia, viu muitas bombas sendo jogadas em sua direção e que subiu na rampa do Palácio do Planalto para se proteger. Ao entrar no prédio, ajoelhou-se diante de militares do Exército até a chegada da Tropa de Choque da PM. Ele teria presenciado um "embate" entre militares do Exército e os da Tropa de Choque e que a PM deu voz de prisão aos presentes.
AGU quer os financiadores
Como desdobramento das ações de domingo e evidenciando cada vez mais a participação de pessoas da Região Metropolitana de Campinas (RMC) nos atos golpistas, a Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou o bloqueio de bens de duas pessoas da RMC: Rieny Munhoz Marcula, de Campinas, e Sulani da Luz Antunes Santos, de Vinhedo. Ao todo, a AGU pediu o bloqueio de R$ 6,5 milhões em bens de 52 pessoas e de sete empresas que participaram do financiamento do fretamento dos ônibus que levaram até Brasília os manifestantes de extrema-direita. Ainda há outros citados de cidades próximas, como Michely Paiva Alves, de Limeira, e Carlos Eduardo Oliveira, de São Pedro.
A AGU argumentou que a aglomeração de pessoas "com fins não pacíficos" apenas foi possível pelo financiamento e atuação das pessoas listadas, o que culminou em atos de vandalismos e um grande prejuízo material.
A Advocacia-Geral também argumentou que a medida cautelar era necessária considerando "a gravidade dos fatos praticados e nos quais os réus se envolveram", uma vez que, além de "lesar o patrimônio público federal", os atos "implicaram ameaça real ao regime democrático brasileiro" que "impõe uma resposta célere e efetiva, sob pena de comprometer o sistema de justiça e sua efetividade, autorizando, assim, o magistrado a lançar mão do seu poder geral de cautela" para assegurar a eficácia de eventual condenação de ressarcimento no futuro.
A Polícia Federal publicou na noite de quarta-feira uma nota à imprensa, em que afirma que foram 57 horas de trabalho ininterrupto realizado por cerca de 550 policiais federais, o que foi considerado pela instituição como a maior operação da história da Polícia Federal.
“A PF qualificou, interrogou e prendeu 1.159 pessoas. Elas foram entregues para a Polícia Civil do Distrito Federal, responsável pelo encaminhamento ao Instituto Médico Legal e, posteriormente, ao sistema prisional. Ao todo, 1.843 pessoas foram conduzidas pela PM do DF. Todos os detidos foram identificados e irão responder, na medida de suas responsabilidades, por crimes de terrorismo, associação criminosa, atentado contra o Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dentre outros.”
Quase 700 idosos, pais/mães acompanhados de crianças e pessoas com problemas de saúde ou em situação de rua responderão em liberdade e outros ainda podem ser colocados na mesma situação, conforme explicou à reportagem o vice-presidente da 3ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Campinas) e professor de Direito Constitucional, Paulo Braga. "No decorrer das audiências de custódia, pode ser que as pessoas sejam liberadas, como muitos foram. Isso não significa que não vai haver punição, apenas que a pessoa vai responder o processo em liberdade, respeitando-se o devido processo legal.” Liberados ou não, cada um responderá pelas suas ações, não havendo uma mesma punição a todos que estavam na Praça dos Três Poderes.
“Existe um princípio constitucional que é aplicado a todo processo civil penal: o da individualização da pena. Ou seja, cada um responde na medida da sua culpabilidade. Aquele que foi lá no ‘oba-oba’ tem uma participação. O que foi e quebrou, bateu, tem participação maior, assim como aquele que organizou.” Sobre a pena, serão levadas em conta todas as circunstâncias envolvendo as ações e ainda o histórico do envolvido, como se ele é réu primário, se tem boa conduta na sociedade ou até se a pessoa tem algum tipo de transtorno mental. “São delitos gravíssimos e de acordo com o nosso sistema, do Código Penal do Brasil, é crime contra o Estado Democrático de Direito, cuja punição vai de 4 a 8 anos. É o que determina o artigo 359-L do Código Penal (CP). O movimento também pode ser caracterizado como tentativa de Golpe de Estado, cuja pena é ainda mais alta, de 4 a 12 anos". O artigo citado do CP diz o que caracteriza o crime contra o Estado Democrático de Direito:
"Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais". (Com informações da Agência Brasil)