Ocorrência foi na zona rural do município, na Estrada do Friburgo; suspeita é que transações ilegais movimentaram cerca de R$ 17 milhões
Prefeitura de Campinas embargou o loteamento em fevereiro passado e confirmou se tratar de uma área rural, não podendo ocorrer a venda no fracionamento de terra realizado; além de poder colaborar com as investigações, compradores dos lotes entrarão como vítimas e podem processar o dono para reaver o dinheiro pago (Denny Cesare)
Policiais da 1º Delegacia de Investigações Gerais (DIG) prenderam anteontem quatro pessoas que vendiam chácaras em um loteamento clandestino na Estrada do Friburgo, na zona rural de Campinas. As transações ilegais ocorriam pelo menos desde o início deste ano e podem ter movimentado aproximadamente R$ 17 milhões. A ocorrência foi registrada inicialmente como parcelamento irregular de solo, mas o delegado Luis Fernando Dias de Oliveira disse que as investigações também apurarão a possibilidade de outros crimes, como lavagem de dinheiro e danos ao meio ambiente. A abertura de empreendimento sem as autorizações de órgãos públicos e em descumprimento as normas legais fere a lei nº 6.766/79.
De acordo com ele, os investigadores chegaram ao local após denúncia anônima. Os quatro acusados estavam em um stand de venda e divulgação dos lotes. “Em áreas rurais não há possibilidade de desmembramento de solo e venda de frações menores do que 20 mil metros quadrados”, explicou. Os policiais identificaram que a área já apresentava sinais de abertura de ruas, colocação de postes para energia elétrica e abertura de poço artesiano. As quatro pessoas presas foram soltas após pagamento de fiança, pois não tinham passagem pela polícia, e o proprietário do terreno foi identificado, mas não teve o nome divulgado para não atrapalhar as investigações, informou o delegado. O dono será intimado a prestar depoimento.
Segundo o delegado Oliveira, um mapa apreendido no local mostrava a demarcação de 144 lotes e a indicação de que quase todos já estavam vendidos. Eles tinham a partir de 500 metros quadrados, indicando ser uma área total de pelo menos 72 mil metros quadrados, o equivalente a sete campos de futebol. Segundo Oliveira, a Prefeitura de Campinas divulgou que embargou o loteamento em fevereiro passado e confirmou se tratar de uma área rural, não podendo ocorrer a venda no fracionamento de terra realizado. “Mesmo depois de a Prefeitura ter realizado essa fiscalização, cientificado o proprietário que o loteamento era clandestino, eles continuaram com as vendas”, afirmou o titular da DIG.
VÍTIMAS
Os compradores dos lotes entrarão como vítimas e podem processar o dono para reaver o dinheiro pago. Criminalmente, eles podem procurar a polícia para colaborar com as investigações. Ontem, não havia ninguém no local do loteamento. A porteira de entrada da propriedade estava fechada com corrente e cadeado. O local é de fácil acesso através da Estrada do Friburgo, que é asfaltada, e fica a 6 quilômetros do Terminal de Ônibus do bairro Vida Nova, o último da região Sudoeste de Campinas. Ele tem uma boa infraestrutura, com vias asfaltadas, linha do BRT (sigla em inglês para ônibus de trânsito rápido), comércio variado e próximo de atacarejos e do Hospital Ouro Verde.
Faixas colocadas na cerca da propriedade traziam dois telefones da região de Campinas (DDD 19), um deles identificado como de uma “Associação de Chácaras”, e um de São Paulo (DDD 11), mas ontem não havia movimentação de pessoas. A reportagem do Correio Popular tentou entrar em contato com os números da região, mas as ligações não foram atendidas. Em um deles, a ligação caia direto na caixa postal. O número de São Paulo foi atendido por uma mulher, que se identificou apenas como Cristina, corretora de imóveis, e negou qualquer irregularidade. “Não temos nada a ver com isso”, afirmou. Ela justificou que foi apresentada a documentação regular da área e que estavam fazendo “apenas captação para futuras vendas”.
O titular da DIG afirmou que os quatro autuados em flagrante no local são responsabilizados pelo parcelamento irregular de solo. “A pessoa que, de qualquer forma, concorre, disponibiliza meios eletrônicos para divulgação do empreendimento, e esse empreendimento é clandestino, incorre no mesmo crime”, destacou. Será feito um levantamento de como a área estava há tempos atrás, afirmou o delegado. Para isso, será feita uma comparação de imagens aéreas disponíveis em aplicativos e ferramentas eletrônicas para verificar se houve supressão de mata no local ou se houve alguma outra agressão ao meio ambiente.
A Prefeitura, acrescentou, será oficiada para informar se o loteamento está em uma Área de Preservação Permanente (APA). “Essas circunstâncias agravam a pena do crime pelo qual eles foram autuados em flagrante”, alertou. Ele acrescentou que será feita uma perícia no local para a confecção de um laudo sobre a situação do loteamento, contendo a análise do terreno, a identificação da demarcação de lotes, abertura de vias e outras informações. O inquérito da Polícia Civil correrá em paralelo às ações tomadas pela Prefeitura e ao inquérito civil aberto pelo Ministério Público há seis meses, após autuação pela Administração. “Essa é uma questão que, de fato, realmente nos preocupa. A partir do momento que você tem um loteamento clandestino e as pessoas adquiriram aquelas terras (lotes), elas vão necessariamente ter problemas para para conseguir efetivar seu sonho, seu desejo.”
O delegado orientou as pessoas interessadas em comprar imóveis a sempre verificar se há toda a documentação legal, aprovação pela Prefeitura, desconfiar de preços muito abaixo do praticado pelo mercado e fracionamento de lotes, principalmente em áreas rurais.
OUTRAS SITUAÇÕES
Em outubro passado, a Prefeitura conseguiu uma liminar na Justiça em uma ação civil pública para suspender imediatamente as obras e publicidade de empreendimentos imobiliários na APA do Campo Grande. A Administração ressaltou que as secretarias municipais do Clima, Meio Ambiente e Sustentabilidade (Seclimas) e de Urbanismo têm feito esforços para coibir a ampliação dos parcelamentos. Por parte da Seclimas, foram aplicadas multa de cerca de R$ 18 milhões e embargo a todos os loteamentos. No âmbito do Grupo de Controle e Contenção de Invasões e Parcelamentos Clandestinos, são realizadas vistorias periódicas nos locais embargados.
Os descumprimentos são reportados à Secretaria de Justiça, que informa o Judiciário. Na manhã de ontem, a Secretaria de Habitação (Sehab) realizou uma ação no Jardim Satélite Íris para fazer buracos no chão e evitar o adensamento populacional. Uma pessoa foi notificada para que não continuasse com a construção iniciada na Rua Antônio Zancanelli.
Para o delegado regional em Campinas da Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento do Estado de São Paulo (Aelo), Clóvis Cabrino Júnior, os loteamentos clandestinos geram uma situação grave e de incerteza. “Esse é um problema gigante para centenas de pessoas que vão perder seus terrenos. Enquanto levamos muito tempo para aprovar um loteamento, os irregulares surgem da noite para o dia. Colocam uma placa e começam a vender”, afirmou o delegado regional da Aelo.
Os clandestinos também provocam uma concorrência desleal ao venderem terrenos a um valor mais baixo por não terem todos os custos de uma empresa que cumpre todas as regras previstas em lei. “Mais ou menos 40% do total da área vira lote. O restante é ocupado por ruas, área verde e equipamentos que são doados para a Prefeitura. No caso do clandestino, ele separa apenas o espaço para as ruas”, detalhou.
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