Moradores de rua se organizam para cozinhar alimentos doados (Kamá Ribeiro)
A aproximação do inverno e dias mais frios fazem com que a Prefeitura de Campinas e entidades assistenciais reforcem o atendimento à população mais vulnerável, como o acolhimento aos moradores em situação de rua. A madrugada desta segunda-feira foi a mais fria do ano até o momento. Segundo dados do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os termômetros marcaram 10,4ºC às 6h27 da manhã de segunda-feira (15). Isso ocorreu por conta da entrada de uma massa de ar de origem polar combinada a um sistema de alta pressão, ponto no qual as temperaturas são mais baixas e os ventos mais fracos com aproximação à Região Metropolitana de Campinas (RMC). Segundo dados da última edição da Contagem da População em Situação de Rua, realizada pela Secretaria de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas em 2021, existiam 932 pessoas nessa situação.
O meteorologista do Cepagri Bruno Bainy disse que as temperaturas mínimas seguem na faixa de 11 a 12ºC durante essa semana e que podem cair um grau na quinta-feira, com a chegada de outra massa de ar frio. Além disso, ventos fortes na quarta-feira (17) devem baixar a sensação térmica. “As máximas também ficam relativamente estáveis até a quinta, em torno de 24 a 25ºC. A partir da sexta, mínimas e máximas voltam a subir gradativamente em um ritmo mais consistente”.
As regiões mais afetadas pela neblina na manhã de segunda-feira foram a Sul e Leste de Campinas. Justamente na região Leste é onde tem mais moradores em situação de rua, um total de 50,72%, segundo dados da Contagem. Para atender essa população, a Prefeitura de Campinas, por meio da Secretaria de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, realiza programas voltados para o acolhimento e promoção da autonomia da população em situação de rua. Ao todo são quatorze ações em vigência. Um exemplo é o SOS Rua, que consiste no oferecimento de abrigo e serviços públicos. Também há a Operação Inverno, que é promovida entre 1º de maio e 30 de setembro, e exerce o acolhimento de pessoas em situação de rua. Os agentes trabalham das 8h até à 0h fazendo abordagens. Se as pessoas aceitarem são levadas aos abrigos, se não, os funcionários oferecem cobertores. Campinas conta com três abrigos masculinos, um feminino e um albergue municipal. Os cinco locais somam 185 vagas.
A secretária de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, Vandecleya Moro, destacou a importância desses programas. “O propósito da Secretaria de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos é tanto acolher essas pessoas nos dias de frio intenso quanto prover a autonomia delas. O frio traz riscos à saúde e a operação SOS tenta convencer essas pessoas a ficarem protegidas do frio nos abrigos. Mas o propósito principal é tirá-las das ruas, leválas de volta ao convívio de suas famílias, promovendo seu próprio sustento.” Vandecleya disse que a demanda de acolhimentos está dentro do esperado. O pico ocorreu na quarta-feira passada, dia 12, quando foram realizados 92 atendimentos.
Luis Aparecido Justino, 61 anos, está na rua há três anos e disse que viver dessa forma é humilhante. “A gente passa frio, passa fome. Sorte que as ONGs (Organizações Não Governamentais) acodem a nós. A Prefeitura também”.
Julia, de 34 anos, também utiliza os serviços da Prefeitura de abrigo e refeições. A mulher não se lembra há quanto tempo está na rua e nem o sobrenome. “A gente sofre no frio. Tem dias que a roupa rasga”.
Maria Francisca, 54 anos, também disse que não se lembra do seu sobrenome. Ela vive na rua há 12 anos. “Vivo sofrendo há muitos anos. É ruim, muito ruim. As pessoas têm nojo da gente, cospem. Eu tenho vergonha de ser do jeito que eu sou. Quero sair daqui, procurar um emprego e cuidar dos meus dentes.”
Moradores em situação de rua ouvidos pela reportagem do Correio Popular relataram que nem sempre a comida ofertada pelos serviços públicos consegue suprir a demanda. Para resolver o problema, eles se organizam para cozinhar alimentos doados. O fogão é formado por blocos de tijolo, encostados na guia da calçada, já a chama é alimentada por madeira e papelão. O cozinheiro do grupo acredita que Deus jamais o deixará passar fome. Na tarde de segunda-feira, os moradores em situação de rua estavam cozinhando macarrão com molho. A pequena panela alimentou todos que não conseguiram pegar marmitas.
Ismael Apaecido, 54 anos, estava esperando pelo alimento. Ele mora na rua há dois anos e disse que já está acostumado a viver dessa forma. “Tenho bastante amizade, o que eu mais tenho é amizade”.