Apresentação inspiradora, que integra o Julho Verde, ocorreu ontem no ambulatório do Hospital de Clínicas da Unicamp
O grupo é formado por moradores de Campinas e região, com idades entre 50 e 80 anos: superando as expectativas (Ricardo Lima)
O Coral Novo Canto, formado por pacientes que precisaram retirar totalmente a larginge após um câncer avançado, realizou uma apresentação emocionante e inspiradora ontem no Ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp em homenagem ao Dia Mundial de Prevenção ao Câncer de Cabeça e Pescoço.
A ação também faz parte do Julho Verde, que visa conscientizar sobre a importância de conhecer a doença e do diagnóstico precoce por meio de iniciativas, como a de ontem.
O Coral foi idealizado em 2014 pela fonoaudióloga Vaneli Colombo Rossi. Ela é professora colaboradora do Departamento de Otorrinolaringologia Cirurgia de Cabeça e coordenadora do Ambulatório de Reabilitação Fonoaudiológica após cirurgia de cabeça e pescoço.
O grupo é formado por moradores da cidade e região, com idades entre 50 e 80 anos. Todos precisaram fazer o procedimento de retirada total da laringe, conhecido como laringectomia total.
Agora, reabilitados, soltaram a voz com o auxílio da fonoaudióloga no violão. Durante os versos, toda a preparação e atenção no que é entoado por ela. São canções clássicas da Música Popular Brasileira, como É Preciso Saber Viver, do Titãs; Tocando em Frente, de Almir Sater e Renato Teixeira (este último também compositor de Romaria) e "O Que É, O Que É" de Gonzaguinha.
A explosão do coral vem no refrão, momento de maior comoção. Inclusive, bem ensaiados, há uma espécie de pot-pourri na apresentação, quando o refrão de "É preciso saber viver" transforma-se no verso "Viver e não ter a vergonha de ser feliz" da canção de Gonzaguinha.
Um dos momentos mais bonitos ocorreu em Romaria. Alguns não conseguiram esconder as lágrimas e precisaram enxugá-las, enquanto encantavam todo o espaço do ambulatório e recebiam os aplausos da plateia.
O Coral Novo Canto existe desde 2014, mas a ideia surgiu no Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Câncer (Inca). Vaneli explicou que enquanto atendia isoladamente os pacientes que estavam em reabilitação, após a laringectomia total, notou que grande parte compartilhava do mesmo problema.
Além disso, a reabilitação social e da autoestima também é um aspecto relevante e que foi levado em conta. "A ideia é a de que eles possam realmente ser um grupo de apoio, conhecendo uns aos outros, ajudando com alguma dica, orientando. Mostrar que eles não somente podem voltar a falar depois da cirurgia, que é mutiladora, tira a prega vocal, mas também cantar. É inclusão, é resgate de autoestima, o que melhora a qualidade de vida"
Inclusive, a relação de duas pessoas dentro do grupo, de aproximadamente 40 pessoas, evoluiu e virou namoro. Joaninha Jamarco, de 66 anos, e Anísio Scareli, de 77, são agora um casal. Ela contou que o recomeço, após a cirurgia foi "horrível", mas que a equipe de médicos e do coral resgataram a sua vontade de viver. Ela mencionou que, com a ajuda da fonoaudióloga, se sente "gente de novo".
O cirurgião de cabeça e pescoço, Flávio Gripp, explicou que a principal meta é curar o paciente. Porém, um segundo aspecto de atenção é para a reabilitação. Ao retirar a laringe, o paciente precisa voltar a comer, falar e recuperar o olfato. A maioria consegue a reabilitação nos três, mas também faz parte desse processo o cuidado com a saúde mental de quem passa pela doença.
Atualmente, há três métodos utilizados para reabilitar a voz. O primeiro é a voz esofágica. O paciente aprende a engolir e soltar o ar, produzindo uma voz. O segundo é a voz com eletrolaringe, um aparelho que consegue produzir som por meio da vibração na musculatura da região cervical. Por fim, há a voz traqueoesofágica, quando uma prótese é colocada entre a traqueia e o esôfago e acarreta em uma voz mais inteligível, audível, de melhor qualidade. Essa seria a voz preferida, mas uma minoria, cerca de 20 a 30%, consegue fazer uma boa voz esofágica, de acordo com Gripp.
Ele ainda explicou a relevância do diagnóstico precoce, que ajuda a evitar a necessidade da laringectomia total e amplia a chance de cura. Segundo o especialista, a chance é superior a 80% em qualquer especialidade com o diagnóstico precoce. "O câncer começa pequenininho, mas o desconhecimento faz com que o diagnóstico demore. Portanto, é fundamental ficar atento aos sinais", concluiu Vaneli.
Entre os principais sintomas estão o aparecimento de nódulo no pescoço, manchas brancas ou avermelhadas na boca, ferida que não cicatriza em duas semanas, dor de garganta que não melhora em 15 dias, dificuldade ou dor para engolir e alterações na voz ou rouquidão por mais de 15 dias.